Emprego e qualidade de vida: as 100 melhores cidades para se viver no Brasil
Apesar da pandemia, cidades que investiram em sustentabilidade e educação conseguiram avançar no ranking que mede os desafios da gestão municipal
Carla Aranha
Publicado em 9 de fevereiro de 2021 às 08h55.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 17h18.
Nem a crise econômica de 2020, que veio a reboque da pandemia , foi capaz de retardar as obras de um dos maiores empreendimentos imobiliários em Maringá, cidade de 430 mil habitantes no interior do Paraná . Enquanto boa parte do país sentia os efeitos do desemprego, centenas de operários continuavam a trabalhar incessantemente na construção de um novo loteamento no município, o Eurogarden, próximo à região central. A construção, que caminha a todo o vapor, é um retrato da cidade.
O local deverá contar com o abastecimento de energia solar, reuso de água e reciclagem de lixo. A revitalização de mais de 20 mil metros quadrados de área verde já começou. O projeto é desenvolvido por um empresário local, Jefferson Nogaroli, fundador da Companhia Sulamericana de Distribuição, rede de supermercados que faturou 3 bilhões de reais em 2020 e emprega cerca de 3.000 pessoas na região de Maringá.
Desde junho, enquanto boa parte do país sofria com a suspensão da atividade econômica, o município vem registrando altas mensais consecutivas na criação de empregos. A cidade entrou em 2021 com quase 900 novos postos de trabalho. O salário médio, de cerca de 3.000 reais, também continou estável. "As pessoas aqui prezam pela qualidade de vida e há boa oferta de empregos", diz Nogaroli.
Os bons resultados alcançados também em outras áreas centrais da gestão municipal colocaram Maringá na liderança do ranking Índice de Desafios da Gestão Municipal, da consultoria Macroplan, que avalia as 100 maiores cidades brasileiras. Juntas, elas concentram quase 83 milhões de habitantes, equivalentes a 40% da população brasileira, e 53,3% dos empregos formais. Este é o quinto levantamento da Macroplan, que leva em conta 15 indicadores de educação, saúde, segurança e saneamento básico. Veja o ranking completo.
Não é a primeira vez que a cidade ocupa a primeira posição no ranking: Maringá já foi campeã por duas edições consecutivas, em 2017 e 2018. Na última década, Maringá melhorou sua posição em saneamento e sustentabilidade, área em que saiu do 7º lugar para o 3º entre 2009 e 2019. Nos últimos cinco anos, foram direcionados cerca de 50 milhões de reais para melhorias no sistema de água e esgoto, que atende hoje 100% da população.
“Os munícipios que forem proativos no sentido de criar políticas públicas de sustentabilidade, cada vez mais valorizadas pelas empresas e os cidadãos, estarão bem à frente das outras já no curto e médio prazo”, avalia o alemão Heiko Hosomi Spitzeck, diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral. “A pandemia acelerou certas facilidades como o home office e cada vez mais gente está procurando cidades com boa qualidade de vida para morar.”
Maringá, fundada em 1947, é uma das poucas cidades planejadas do país. Com uma reserva de Mata Atlântica dentro da área urbana, Maringá detém o índice de 26 metros quadrados de área verde por habitante, um dos maiores do país. E não é só. Cerca de 94% da população é atendida por serviços da coleta de resíduos sólidos e o acesso ao saneamento básico é universal. "O tema da sustentabilidade vem ganhando força e passou a ser um aspecto importante para os investimentos", diz Adriana Fontes,economista sênior da Macroplan e coordenadora do estudo sobre qualidade de vida e gestão municipal.
Com as contas no azul, Maringá consegue separar 20% do orçamento para investimentos nessas áreas prioritárias. Os resultados são visíveis. Este ano, deve ser inaugurado um hospital especializado no atendimento a crianças nas imediações do Eurogarden. Atualmente, são cerca de 3 leitos de UTI para 10 mil habitantes, quase 50% a mais do que a média nacional. “O aprimoramento dos indicadores de saúde deixou a cidade em uma posição mais confortável na pandemia”, diz o prefeito, Ulisses Maia (PSD), reeleito em 2020. Os desafios, no entanto, são inúmeros.
Como tantas cidades médias, Maringá vem sofrendo os impactos da pandemia: já foram contabilizados 113 mil infectados e 384 mortos. Hoje, cerca de 60% dos leitos do sistema público de saúde estão ocupados com pacientes da Covid-19, uma taxa inferior a de cidades como Belo Horizonte (74%) e São Paulo (69%).
Assim como Maringá, Jundiaí, no interior de São Paulo, também tem feito avanços em saneamento e coleta de resíduos sólidos, garantindo o segundo lugar do ranking da Macroplan. Com um índice de mortalidade infantil de 7,3 para cada cem mil habitantes, um dos mais baixos do país, a cidade se destaca pelos progressos na coleta de lixo e saneamento, que chega a todos 420 mil habitantes. Não é pouca coisa. Cerca de 100 milhões de brasileiros moram em locais onde não há coleta de esgoto e 35% não contam com água potável.
Depois de fazer a lição de casa, a cidade começou a olhar mais para o meio ambiente. Um trabalho recente de despoluição do rio Jundiaí, que corta a cidade, trouxe de volta peixes como o bagre e aves como as garças. A prefeitura lançou no final do ano passado um edital para um projeto de urbanismo em um trecho do rio que percorre o centro da cidade.
A intenção é transformar o local em um polo gastronômico e de lazer, como já fizeram cidades como Munique, na Alemanha, e Buenos Aires, na Argentina. Trata-se de aspectos importantes da gestão municipal que costumam chamar a atenção de profissioais qualificados, com recursos para gastar e investir.
A pandemia acelerou o fluxo de migração da capital para o interior paulista, com a possibilidade do trabalho remoto e cada vez mais gente em busca de qualidade de vida. O movimento, no entanto, não é novo. Nos últimos dez anos, as cidades de 100 mil a 1 milhão de habitantes cresceram em uma velocidade 50% maior do que a de grandes centros, segundo o IBGE. Uma pesquisa do portal de imóveis Zap+ mostra que 59% dos moradores de São Paulo e Belo Horizonte gostariam de mudar para uma cidade menor. No Rio de Janeiro, 67% das pessoas compartilham o mesmo desejo.
Trabalho remoto no interior
A tendência do home office vem motivando as empresas a criar vagas de trabalho remoto. Este ano, empresas como CI&T, de soluções digitais, e o Agibank, banco digital, lançaram mais de 500 vagas no modelo de trabalho flexível. A Heineken já anunciou que deve colocar seus 1.300 funcionários corporativos permanentemente em trabalho remoto: tanto faz o lugar onde moram, desde que entreguem um trabalho bem-feito.
É uma tendência mundial. Nos Estados Unidos, a ocupação dos escritórios já caiu 20%. “Hoje, a qualidade de vida é tão importante quanto ter um bom salário e contar com um bom atendimento de saúde”, diz Luiz Fernando Machado (PSDB), reeleito prefeito de Jundiaí.
Com um salário médio de 3.400 reais, diante dos 2.260 reais da média do país, Jundiaí tem atraído empresas e profissionais qualificados em busca de melhores empregos e qualidade de vida. Fortemente ancorada na indústria e serviços, a cidade tornou-se a sede de companhias como a sueca Sandvik Coromant, fabricante de ferramentas para a aviação civil e outros segmentos industriais.
A Ascenty, um dos maiores datacenters da América Latina, resolveu abrir duas centrais, que juntas somam 16 mil metros quadrados, em Jundiaí nos últimos seis anos. “A qualidade dos serviços de telecomunicação, a logística de transportes eficiente e os bons índices de desenvolvimento foram fatores importantes para a decisão”, diz Roberto Rio Branco, vice-presidente de marketing e relações institucionais da Ascenty.
O engajamento dessas empresas na economia local colaborou para a manutenção do nível de emprego durante a crise do ano passado. Jundiaí fechou 2020 com um saldo positivo de 87 vagas na indústria, embora tenha perdido 900 postos de trabalho ao longo do ano no âmbito geral, na média de todos os setores da economia. A expectativa é que este ano a geração de emprego seja retomada. “A indústria deve voltar a crescer mais rapidamente, seguida pelos outros segmentos”, avalia Machado.
Nas melhores cidades para morar do Brasil, o bom desempenho de vários indicadores socio-econômicos ajuda a tornar o município atraente para que vem mora ali ou vem de fora. Também no interior paulista, São José do Rio Preto tem avançado em indicadores relacionados à sustentabilidade e educação.
A cidade de 464 mil habitantes bateu a meta estabelecida pelo Ministério da Educação nas últimas seis edições do Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb), que mede o fluxo escolar e a média de desempenho dos alunos, em relação aos anos iniciais do ensino fundamental. O município alcançou a nota 6,7 em 2019 (acima da média nacional, de 5,9). A taxa de escolaridade para crianças entre seis e 14 anos ficou em 98%.
O abastecimento de água também melhorou: passou de 93,1% da população atendida em 2009 para 96% em 2019, assim como a coleta e tratamento de esgoto, que hoje abrange 93,5% dos moradores, diante de 89,4% há 11 anos.
Com 1.337 empregos criados em dezembro, a cidade registrou um saldo positivo de vagas pelo sexto mês consecutivo em 2020. A remuneração média é de 2,8 salários mínimos. “A atração de investimentos e empregos será cada vez mais pautada por bons indicadores de desenvolvimento”, diz Spitzeck. No final, uma coisa leva a outra: qualidade de vida que traz investimentos. E investimentos - públicos e privados - que geram qualidade de vida.