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Embaixador da UE no Brasil comemora volta do Fundo Amazônia e diz que quer trabalhar com Lula

Em entrevista à EXAME, Ignácio Ybáñez, embaixador da União Europeia no Brasil, afirma que país "tem muito do que a Europa precisa"

Ybáñez: dificuldades com guerra na Ucrânia fizeram Europa olhar para parceiros confiáveis (Delegação da União Europeia no Brasil/Divulgação)
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Carolina Riveira

Publicado em 15 de novembro de 2022 às 08h30.

Última atualização em 18 de novembro de 2022 às 12h50.

Em meio à transição de poder no Brasil, a União Europeia deu a largada no diálogo com o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva e diz estar pronta para discutir propostas de maior cooperação entre as partes. Foi a mensagem do embaixador da UE no Brasil, Ignácio Ybáñez, em entrevista à EXAME na última semana, concedida às vésperas do embarque de Lula para a Conferência do Clima no Egito, a COP27.

"Já temos esse compromisso que o presidente Lula anunciou, de que [a questão ambiental] vai ser uma pauta muito importante", diz Ybáñez. "E coloca, como tem que ser, que é uma pauta importante não porque a União Europeia fala que é importante, mas porque é importante para o Brasil."

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O embaixador comemorou a recente retomada do Fundo Amazônia, financiado por Noruega e Alemanha e que estava bloqueado desde 2019 por críticas à política ambiental brasileira. O diplomata diz que a UE também está preparada para "pensar em novos instrumentos". "A vontade já existia com esse governo [de Bolsonaro], não é uma coisa nova, mas vai se reforçar se o governo eleito se comprometer nessa linha", diz.

Fundo Amazônia: Alemanha e Noruega desbloquearam fundo travado desde 2019 (Governo Federal)

Ybáñez, que é espanhol, falou à EXAME em evento da Câmara Espanhola de Comércio e disse que aproveitaria as conversas com empresários europeus já operando no Brasil para avaliar oportunidades de presença da UE. Na lista de assuntos na agenda, um dos principais é o acordo com o Mercosul (cujos países fundadores são Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), fechado desde 2019, mas que precisa ainda ser ratificado pelos europeus em cada Parlamento.

A questão ambiental, publicamente, foi o principal empecilho nos últimos anos, mas é sabido que pressões protecionistas dos dois lados também ajudam a travar o tema. Ybáñez defende que a mudança no discurso ambiental do Brasil pode abrir caminho para facilitar a ratificação.

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O acordo é atrativo para o agro brasileiro, embora, com Lula, não seja garantido que o governo eleito defenderá os atuais termos. Lula fez campanha prometendo incentivar uma "reindustrialização" brasileira, e pode sofrer pressão com as ameaças da competição industrial que viria da UE. Ibáñez, por sua vez, defende que o acordo "não busca que o Brasil fique nas commodities e a UE fique na indústria". "Pelo contrário, buscamos que a indústria possa se desenvolver aqui e possa competir", diz.

A União Europeia foi compradora de mais de US$ 36 bilhões em produtos feitos no Brasil em 2021 (mais de 13% do valor das exportações brasileiras), a maior parte em produtos agrícolas, minérios e indústria de transformação (como proteínas e celulose), o que coloca o bloco como um dos maiores parceiros comerciais do país. Ibáñez acredita que, além do acordo com o Mercosul, há espaço para mais investimentos em frentes como energia limpa.

A guerra na Ucrânia também tornou o Brasil e a América Latina especialmente atrativos, pelo destaque em grãos, minérios e potencial energético — exatamente as áreas em que a UE busca, nas palavras do embaixador, "parceiros confiáveis". "O Brasil tem muito do que a União Europeia precisa", diz Ybáñez. Veja abaixo os principais trechos da entrevista, editados para concisão.


Disseram agora há pouco em uma palestra, com o senhor na plateia, que o Brasil e a América Latina têm "exatamente o que a Europa precisa neste momento". O senhor concorda?
Sem dúvida. Uma das consequências da agressão da Rússia sobre a Ucrânia é a convicção da União Europeia de que realmente tem de buscar parceiros confiáveis. E isso a América Latina, e o Brasil em particular, já demonstraram. Os investimentos privados feitos aqui no Brasil provam que a UE acredita nisso.

Se olharmos o âmbito da energia, por exemplo, aqui há recursos energéticos que podem se desenvolver ainda mais. Para o futuro, o hidrogênio verde — uma das tecnologias que parece poder ser uma das soluções — tem capacidade muito grande. E tem toda a parte dos minérios: o Brasil já é muito importante, incluindo em alguns dos minérios que vão ser muito necessários para essa transição energética que estamos fazendo na Europa.

E terceiro, estamos compartilhando o mesmo modelo político. Fala-se muito da China, por exemplo: a União Europeia tem uma relação com a China, como a América Latina tem de ter, ninguém discute isso. Mas do ponto de vista de vocês [do Brasil], dos valores que estão promovendo, são semelhantes aos da UE. Então, por todos os elementos, achamos que realmente é uma oportunidade. O Brasil, em particular, tem muito do que a União Europeia precisa olhando para frente.

Nesse sentido, que perspectivas o senhor enxerga para o acordo Mercosul-União Europeia?
Temos, eu diria, uma parte do caminho feita, por tudo que já fizemos juntos. E também ainda essa possibilidade do acordo, que é um marco. É um acordo que não busca privilegiar um sistema ou outro, não busca que o Brasil fique nas commodities e a UE fique na indústria. Ao contrário, buscamos que a indústria possa se desenvolver aqui e possa competir. E também que alguns produtos agrícolas da Europa possam ser competitivos e possam chegar no Brasil.

Lula em discurso: presidente viajou à COP27 no Egito e tenta reforçar imagem do Brasil como protagonista ambiental (Ricardo Stuckert / Divulgação/Divulgação)

Outra parte importante é essa ideia da OCDE [organização que inclui a maioria dos países desenvolvidos e na qual o Brasil pleiteia vaga]. Nós na União Europeia temos nos beneficiado desse esforço que a OCDE faz de justamente compartilhar as práticas e de estabelecer patamares que são, eu diria, os mais exigentes em praticamente todos os setores, no âmbito ambiental, da educação, do trabalho. Acreditamos que agora estamos em uma boa condição nessa candidatura do Brasil, lançada durante o tempo do presidente Temer — que depois, é verdade, o governo do presidente Bolsonaro fez um grande esforço [para continuar]. A OCDE abriu as portas para o Brasil e seria uma pena que o novo governo não aproveitasse essa oportunidade. Acredito que vai ser muito bom. Primeiro para o Brasil, mas também para a relação com a União Europeia.

O novo governo eleito está mandando alguns representantes para a COP, incluindo o próprio presidente Lula. Como a União Europeia está enxergando essa transição aqui no Brasil? Pode facilitar o acordo com o Mercosul?
Sim, na parte sobretudo do discurso ambiental. Ainda que tenhamos de reconhecer: foi principalmente no início do mandato de Bolsonaro que começamos a ter os problemas, depois o discurso foi mudando. Na segunda parte do mandato já era bem diferente. Mas é verdade que o que não acompanhava o discurso era a realização. Isso que faltava.

Agora, já temos esse compromisso que o presidente Lula anunciou, que [a questão ambiental] vai ser uma pauta muito importante. E coloca — como tem que ser — que é uma pauta importante não porque a União Europeia fala que é importante, mas porque é importante para o Brasil. O Brasil tem que fazer essa transformação, como todo mundo.

COP27: comitiva do governo brasileiro eleito também foi ao evento no Egito (Leandro Fonseca/Exame)

Nós já estamos em contato, logicamente, com o governo. Ontem [terça-feira, 8] tivemos uma conversa entre o presidente eleito Lula com o alto representante da União Europeia, Josep Borrell. Na COP, vamos ter nosso vice-presidente e responsável climático, e vamos tentar buscar a possibilidade de falar lá com o presidente Lula. Mas também em Brasília, agora com a constituição desta equipe de transição, vamos buscar as fórmulas para discutir, ver as coisas que podemos fazer.

A mensagem da Europa foi sempre a mesma: nós consideramos que é muito importante que o Brasil faça essa esforço no âmbito do desmatamento para poder cumprir com seus objetivos, mas estamos também preparados para ajudar. E já vimos algumas coisas, como o Fundo Amazônia, fundo da Noruega e da Alemanha, que vai ser retomado. Nós da União Europeia estamos preparados a pensar em novos instrumentos. A vontade já existia com esse governo [de Bolsonaro], não é uma coisa nova, mas vai se reforçar se o governo se comprometer nessa linha. Vai ser, sem dúvida, muito positivo.

Qual será esse papel do Brasil e talvez da América Latina como bloco na situação global hoje? Temos de um lado China, do outro Estados Unidos, e a União Europeia envolta na guerra.
Será muito importante. Tivemos agora recentemente a reunião dos ministros das Relações Exteriores que foi organizada pela Celac [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] e pela União Europeia, com a presidência da Argentina. Nosso Alto Representante estava lá participando. Quando tivermos a próxima reunião da Celac — e esperamos que o Brasil volte à Celac —, o nosso presidente do Conselho vai estar presente.

Queremos no segundo semestre de 2023 organizar também uma cúpula, uma reunião dos chefes de Estado e de Governo dos países da Celac e dos países da UE. Lá, queremos não somente dar a mensagem pública, de dizer “a União Europeia quer contar com a América Latina", mas também encontrar cooperações concretas. Hoje vou aproveitar aqui as conversas com as Câmaras para ver quais são os setores que o setor privado europeu já estabelecido aqui no Brasil pensa que são importantes que a União Europeia participe.

*Uma versão anterior desta reportagem incluía grafia incorreta no nome do embaixador Ybáñez. A informação foi corrigida.

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