Símbolo do Hezbollah: medida poderia prejudicar as relações com o Irã, aliado do Hezbollah que importa US$ 2,5 bilhões em produtos brasileiros por ano (AFP/AFP)
Ligia Tuon
Publicado em 19 de agosto de 2019 às 18h05.
Última atualização em 19 de agosto de 2019 às 18h09.
Em meio a um maior alinhamento com os EUA na política externa, o governo do presidente Jair Bolsonaro avalia rotular como terrorista o grupo libanês Hezbollah.
Autoridades estudam as opções para avançar a ideia, que está sendo discutida no alto escalão, mas não é consenso dentro do governo, segundo três pessoas com conhecimento direto do assunto. Não seria uma decisão de fácil implementação devido a particularidades da legislação brasileira, disseram as fontes, que pediram anonimato porque a discussão não é pública.
A ideia faz parte das manobras de Bolsonaro para fortalecer os laços com o presidente norte-americano Donald Trump, com quem ele também busca um acordo comercial.
A proposta também se encaixa na visão de mundo de Bolsonaro e de seu círculo mais próximo. Ainda na campanha presidencial do ano passado, seu filho Eduardo, que pode se tornar embaixador brasileiro em Washington, defendeu posição mais firme contra o Hezbollah e o Hamas.
No entanto, a medida poderia prejudicar as relações com o Irã, aliado do Hezbollah que importa US$ 2,5 bilhões em produtos brasileiros por ano, e desagradar a influente comunidade libanesa do Brasil. O governo também teme que essa atitude coloque o país na mira de terroristas, segundo uma dessas pessoas.
Uma decisão pode ser anunciada antes da visita de Bolsonaro em outubro aos Emirados Árabes Unidos e à Arábia Saudita, dois países fortemente opostos ao Hezbollah.
Contatado pela Bloomberg, o Ministério das Relações Exteriores respondeu que não considera o Hezbollah uma organização terrorista nem planeja mudar seu status por enquanto. A Presidência da República, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal, responsáveis pela aplicação das leis antiterrorismo, não quiseram comentar.
Atualmente, o Brasil considera terroristas apenas os grupos já rotulados desta maneira pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), incluindo Al-Qaeda e o Estado Islâmico. O País pode barrar a entrada, prender e congelar ativos de suspeitos de integrar essas organizações.
Bolsonaro está ao mesmo tempo disposto e sob pressão dos EUA para colocar o Hezbollah na lista de terroristas. Em reunião em novembro com o então presidente eleito, o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, disse que Trump esperava impulsionar a cooperação com o Brasil contra o terrorismo — seja contra Hezbollah, Hamas ou outros.
A temperatura aumentou no mês passado, quando a Argentina se tornou a primeira nação latino-americana a rotular o Hezbollah — grupo islâmico de orientação xiita que tem um braço armado e apoio do Irã — como organização terrorista.
“O Brasil tem estado sob pressão internacional há vários anos para designar o Hezbollah como um grupo terrorista”, disse Jorge Lasmar, especialista em terrorismo e professor de relações internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. “Pode haver consequências sérias, por exemplo, criar atrito com o Irã e outros países com número relevante de xiitas, como o Líbano. ”
Como parte de sua estratégia contra o Irã, os EUA querem que países latino-americanos se posicionem e atuem contra o Hezbollah. A Argentina finalmente tomou essa decisão ao marcar os 25 anos da explosão de um centro comunitário judaico que matou 85 pessoas em Buenos Aires.
A Argentina e os EUA culpam o Hezbollah e o Irã pelo ataque. Ambos negam as acusações. O Brasil reconheceu recentemente a presença do grupo na América do Sul.
O Hezbollah — que significa partido de Deus em árabe — é ao mesmo tempo um grupo armado, um partido político e uma organização social com participação no governo libanês e considerável poder geopolítico. É considerado terrorista por muitos países, incluindo os EUA e a Arábia Saudita.
A Alemanha considera terrorista a ala militar do Hezbollah, mas não dá a mesma designação a seus braços políticos e sociais. Rússia e China não consideram o Hezbollah um grupo terrorista.