Eleições: números colocam em xeque a tese de que o horário eleitoral definiria a eleição — pelo menos por enquanto (Vanessa Carvalho/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 20 de setembro de 2018 às 10h43.
Última atualização em 20 de setembro de 2018 às 10h44.
Faltavam quatro dias para começar o horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio, quando o candidato do PSBD à Presidência da República, Geraldo Alckmin, afirmou que não estava preocupado com sua colocação nas pesquisas de intenção de voto, porque somente com a largada da propaganda na TV que a campanha de fato teria início.
Naquele momento, Alckmin tinha 7% das intenções de voto em um cenário sem o ex-presidente Lula, segundo uma pesquisa do Ibope de 20 de agosto. Agora, depois de 20 dias do início do horário eleitoral, o tucano, dono de mais da metade do tempo de propaganda na “telona”, continua com 7%, depois de ter caído dois pontos percentuais em relação à pesquisa Ibope anterior. Segundo o Datafolha desta quinta-feira, Alckmin está estagnado nos mesmos 9% do levantamento anterior.
Faltando cerca de duas semanas para o primeiro turno, muita coisa ainda pode acontecer, mas a expectativa da campanha tucana e de analistas políticos de que a televisão teria papel essencial em alavancar a candidatura de Alckmin parece cada dia mais longe de se concretizar.
“O tempo de televisão sozinho não faz milagre”, afirma o cientista político e pesquisador da FGV, Jairo Pimentel, em entrevista a EXAME. “É preciso também examinar o contexto histórico, desfavorável ao Alckmin desde o início”.
Outro exemplo é o caso de Henrique Meirelles (MDB), que, com 1 minuto e 51 segundos dos 12 minutos e 30 segundos do bloco diário, tem o terceiro maior tempo de televisão. Mesmo com a exposição no horário eleitoral bem maior que os 38 segundos de Ciro Gomes (PDT) e os 9 segundos de Jair Bolsonaro (PSL), atual líder nas pesquisas, o ex-ministro da Fazenda saltou de apenas 1% para 2% nas intenções de voto.
O ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), tinha 4% no final de agosto, portanto, antes do início do horário eleitoral e de ele ser oficializado como o candidato do PT. Atualmente, o petista possui 19% das intenções de votos, mas menos por causa do tempo de televisão e mais pela transferência dos votos do ex-presidente Lula, que aparecia com 39% nas pesquisas.
Os números colocam em xeque a tese de que o horário eleitoral definiria a eleição —pelo menos por enquanto. Pesquisa Datafolha publicada na semana passada, mostrou que 64% dos eleitores já haviam visto algum dia da propaganda eleitoral. Mas 49% disseram não ter interesse nenhum no horário eleitoral, ante 32% com um pouco de interesse e 18% com muito interesse.
“A televisão influencia, mas a propaganda eleitoral gratuita ainda não teve efeito claro”, afirma Amaro Grassi, pesquisador do DAPP (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV). “O candidato que tem mais tempo disparado não consegue deslanchar e um dos que têm menos é líder”.
Por enquanto, a propaganda eleitoral não conseguiu nem alavancar, nem desconstruir candidaturas de forma clara. Apenas quatro anos atrás a TV foi decisiva. Em 2014, Marina Silva, que em meados de setembro estava empatada com Dilma Rousseff, em torno dos 30%, viu sua intenção de voto dissipar depois de uma forte campanha negativa do PT no horário eleitoral gratuito, no qual o partido dizia que Marina se aliava a banqueiros e que ia tirar comida do prato dos trabalhadores.
Neste ano, uma das maiores apostas para a campanha televisiva, de desconstruir Bolsonaro, ficou no meio do caminho. A campanha tucana vinha investindo nos ataques a Bolsonaro pela propaganda na televisão. Foram ao ar vídeos que que questionavam a defesa do capitão pelo uso da força para resolver os problemas da segurança pública e mostravam comportamentos agressivos de Bolsonaro em relação às mulheres.
Para Jairo Pimentel, a campanha de Alckmin estava conseguindo, via propaganda na televisão, aumentar a rejeição a Bolsonaro, seu principal adversário para chegar ao segundo turno. Mas o atentado em Juiz de Fora (MG) contra o capitão interrompeu esse processo.
“O mundo em 2018 não permite esse isolamento, essa aposta em só uma plataforma. A função de uma plataforma única perdeu espaço e relevância, porque hoje são várias”, diz Maurício Moura, presidente do instituto Ideia Big Data.
A propaganda eleitoral televisiva pode até ter perdido o protagonismo. Mas a televisão, como um todo, continua extremamente relevante para o processo eleitoral —segundo o Ibope, 62% dos brasileiros se informam sobre as candidaturas pela televisão, ante 26% que recorre às redes.
Isso porque o conteúdo gerado na televisão alimenta as redes e gera as maiores taxas de engajamento. Segundo um levantamento do DAPP, que analisou um mês de campanha nas redes, o evento que gerou o maior número de publicações no Twitter foi o ataque sofrido por Bolsonaro, no dia 6 de setembro. Mas fora este, os eventos que geraram os picos de postagens sobre Haddad, Ciro e o próprio Bolsonaro foram as entrevistas no Jornal Nacional. No caso de Marina Silva, o pico foi causado por seu desempenho no debate da RedeTV.
O DAPP também analisou os os 20 vídeos com maior número de visualizações no YouTube entre os dias 1º de julho e 10 de setembro sobre cada um dos cinco candidatos mais bem posicionados nas pesquisas. O resultado foi que, apesar de representarem a menor parte dos vídeos (46%), as reproduções de conteúdos televisivos (como partes de sabatinas, entrevistas e debates) angariam 59% das visualizações, cerca de 14 milhões a mais do que os vídeos sem relação direta com a TV.
Segundo os especialistas, nas próximas eleições devemos ver uma integração ainda maior entre as plataformas e os conteúdos. “Em nenhum lugar do mundo há essa discussão de campanha na televisão versus nas redes”, diz Moura.
“Não existe mais essa compartimentalização, só rádio, só TV, só rede, só rua. Tudo se conversa, até porque o conteúdo gerado nas ruas vai para a rede”, afirma o pesquisador.
Coligações que mirem um latifúndio televisivo, portanto, continuarão importantes de 2020 para frente, mas já ficou claro que não convencem os eleitores. Pelo menos, não sozinhas.