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Dor e impunidade um ano após incêndio na boate Kiss

Cerca de 11 mil páginas compilam a investigação realizada após o incêndio na boate Kiss, onde há um ano 242 pessoas morreram

Entrada da boate Kiss, no dia seguinte do incêndio: caso continua sem punições e com questões ainda pendentes (Antonio Scorza/AFP)

Entrada da boate Kiss, no dia seguinte do incêndio: caso continua sem punições e com questões ainda pendentes (Antonio Scorza/AFP)

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Da Redação

Publicado em 27 de janeiro de 2014 às 09h03.

Brasília - Cerca de 11.000 páginas compilam a investigação realizada após o incêndio na boate Kiss, onde há um ano 242 pessoas morreram, um caso sem punições e com questões ainda pendentes: famílias sem indenização e sobreviventes com problemas de saúde, todos em busca de justiça.

Nesta segunda-feira à tarde, os nomes das vítimas serão lidos um a um, na praça central da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde estava localizada a boate.

"Nesta segunda teremos um culto ecumênico. Então eu acredito que a leitura dos 242 nomes dos falecidos irá nos afetar muito. Vai ser muito forte isso", diz Adherbal Ferreira, pai de Jennefer.

Sua filha tinha 22 anos e estava prestes a terminar o curso de Psicologia. Foi o próprio pai que a levou de carro para a festa. Horas depois, a jovem perdeu a vida na boate.

Ferreira também é presidente da Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria. Sua organização preparou para o último fim de semana uma conferência chamada Novos Caminhos.

A reunião discutiu em profundidade a questão da segurança em centros de entretenimento e comerciais, para evitar que situações como a que levou seus entes queridos se repitam.

O encontro também foi marcado por homenagens e depoimentos de familiares das vítimas. Esta tragédia é considerada a maior em número de mortes nos últimos 50 anos no país.

Por volta das 3h00 do dia 27 de janeiro de 2013, o vocalista da banda de música regional "Gurizada Fandangueira" levantou um sinalizador para efeitos pirotécnicos que incendiou o local. Havia mais de 1.000 pessoas no local, num espaço que comportava no máximo 700.

O fogo do sinalizador atingiu o forro sintético do teto. Pedaços começaram a se desprender e a cair no chão. Sem extintores de incêndio que funcionassem, com apenas duas portas frontais de saída e com um multidão tentando escapar, o incidente rapidamente se tornou uma tragédia.

Em meio a uma nuvem tóxica, muitos morreram asfixiados. Alguns jovens que escaparam voltaram para ajudar.

Vinicius Rosados, de 26 anos, estudante de Educação Física de 1,94 m de altura, chegou a retirar do local 14 pessoas, em alguns casos duas de uma vez. Mas seus pulmões não resistiram e ele morreu intoxicado.


"Este local, antes de se tornar uma boate, era um depósito de bebidas. Foi reformado e tinha apenas duas entradas na frente, junto a outros dois prédios comerciais. Não havia nenhuma maneira de sair por trás ou pelos lados", explica à AFP Marcelo Dornelles, subprocurador-geral de Justiça do estado para Assuntos Institucionais.

Inicialmente, a justiça ordenou a prisão do vocalista da banda, do produtor, que acendeu o sinalizador, e de dois sócios-proprietários da boate, sob a acusação de homicídio culposo.

No entanto, em maio do ano passado todos conseguiram autorização para responder em liberdade. "Não há presos, todos estão soltos. Vivemos uma impunidade", diz Ferreira.

Quatro bombeiros também enfrentam acusações administrativas. Eles eram encarregados de entregar a licença de funcionamento da Kiss.

"Eles utilizavam um programa para fazer cálculos para permitir as autorizações. Este software simplificava os dados e não estava em conformidade com a lei. Muitas coisas não foram checadas adequadamente. Mas, em tais condições, não poderia funcionar", explicou Dornelles.

Foram ouvidas mais de 200 pessoas. A defesa solicitou o testemunho dos mais de 600 sobreviventes, o que pode tornar o processo interminável.

Alguns advogados de familiares também pediram indenização, mas até o momento não conseguiram nada. Ferreira explica que esta não é sua preocupação agora, mas que se faça justiça.

Após o incidente, cerca de 116 pessoas ficaram feridas. Algumas perderam partes de seu corpo. Outras ainda têm dificuldades para respirar. E quase todas ainda carregam a angústia do que viveram.

Sueli Guerra, chefe do centro de atendimento criado especialmente para as vítimas no Hospital Universitário de Santa Maria, conta que logo após o incêndio o estabelecimento havia registrado 1.588 vítimas diretas e indiretas.

"A maioria com problemas respiratórios e que receberam atendimento pneumológico e reabilitação com fisioterapia e fonoaudiologia", relata à AFP.

"Há muitos pacientes na ala de psiquiatria devido ao trauma. Um grupo menor de pacientes com queimaduras exige cuidados mais complexos", conta.

Algumas famílias também se sentem sobreviventes eternas. Elaine Gonçalves, que havia ficado viúva meses antes do incêndio, declarou ao jornal O Estado de São Paulo que perdeu seus dois filhos na Kiss. Às vezes, disse ela, liga o rádio para ouvir as músicas que gostavam para, de alguma forma, não sentir sua ausência.

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