Brasil

O que é o Distritão, o consenso político que pode virar um fardo

Proposta apoiada pelo governo para a reforma política anula "efeito Tiririca" mas pode encarecer campanhas e dificultar a renovação do Congresso

Câmara dos Deputados (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Câmara dos Deputados (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 10 de agosto de 2017 às 13h53.

Última atualização em 16 de agosto de 2017 às 11h39.

São Paulo – Novamente a Câmara dos Deputados tenta aprovar o sistema eleitoral conhecido como distritão no âmbito da reforma política. Adotada em países como Jordânia e Afeganistão, a proposta já teve entre seus principais fiadores o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB). Da última vez em que foi avaliada no Congresso, há dois anos,  não obteve votos suficientes para mudar a Constituição (embora tenha conquistado a maioria do plenário).

Agora, pelo menos nos corredores do Congresso, a expectativa é implantar o distritão já nas eleições do ano que vem — segundo o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), um “consenso” sobre o assunto já estaria se formando entre as principais siglas da base aliada do governo.

Ontem, o assunto foi aprovado na comissão que analisa a reforma política na Câmara com um placar apertado (17 a 15). Para valer no próximo ano, a proposta depende do apoio de pelo menos 60% dos membros de ambas casas legislativas até setembro.

Hoje os deputados são eleitos por um sistema proporcional, no qual são considerados primeiro os votos em cada partido, e depois os candidatos mais votados dentro das legendas.

Pelo novo modelo, seriam eleitos simplesmente os candidatos mais votados, como ocorre na eleição presidencial. A ideia, segundo o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), é adotar o distritão como uma medida de transição para o voto distrital misto (que concilia o sistema majoritário à lista fechada).

AS VANTAGENS

A principal vantagem da medida é a extinção do chamado “efeito Tiririca”, por meio do qual candidatos muito bem votados ajudam a eleger outros  colegas de coligação que não receberam uma votação expressiva. Com isso, escreve o jurista Ives Gandra Martins, “donos de partidos sem densidade eleitoral, que buscam puxadores de votos para elegerem-se, perderiam espaço”. Ponto para o distritão.

Ao favorecer apenas os candidatos mais fortes, outro possível efeito desse sistema (que é conhecido entre os cientistas políticos como “voto único não transferível) é fortalecer as legendas mais importantes que detém os nomes mais populares e barrar aquelas de menor peso.

“O distritão (...) serviria para, naturalmente, criar uma cláusula de barreira, com a eliminação gradativa de 'legendas comerciais' para concessão, mediante espúrios acordos, de benesses variadas”, continua Martins em artigo.

Além disso, argumentam os defensores da ideia, o modelo ajudaria a simplificar o hoje (para lá de) complicado sistema eleitoral proporcional – que mais confunde o eleitor do que outra coisa.

OS PORÉNS

Para um grupo considerável de cientistas políticos e especialistas em direito eleitoral, os benefícios do modelo terminam por aí. Em 2015, quando a proposta foi votada no Congresso, cerca de 100 dos principais especialistas em ciências políticas do Brasil assinaram um manifesto afirmando que a aprovação do distritão seria um “retrocesso institucional”.

Um dos principais efeitos colaterais da medida seria o fortalecimento exarcebado dos candidatos individualmente em detrimento dos partidos políticos – fato que pode agravar a formação de novos quadros na política e aguçar a crise de representatividade institucional.

"Cada candidato será o partido de si mesmo”, afirma outro manifesto, dessa vez, assinado pela Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político publicado em 2015.

Para muitos analistas, a formação de um quase consenso em torno da ideia pode ser uma tentativa dos grupos políticos investigados na Operação Lava Jato de se manter no poder e com foro privilegiado. Afinal, a princípio, a medida também favoreceria a reeleição de candidatos que já estão no poder ou de candidatos celebridades, dificultando assim a renovação do Congresso.

“[O distritão] facilitará o renascimento de oligarquias regionais e contribuirá para a diminuição da qualidade da representação política, ao proporcionar maiores condições de vitória a concorrentes sem experiência parlamentar”, diz trecho do manifesto dos cientistas políticos publicado em 2015.

Esse grupo de cientistas políticos argumenta ainda que, por suas características, esse modelo poderia esquentar a competição das campanhas e torná-las mais caras – uma consequência que vai na contramão de todo o debate em torno de baratear os custos das eleições no país.

Para piorar, segundo esse grupo, o modelo poderia também agravar a crise de representação política já que muitos dos votos seriam desperdiçados. No sistema atual, de certa forma, todos os votos para uma determinada coligação ou partido contam para que aquele grupo eleja um ou outro candidato. No distritão, não.

Segundo cálculos do cientista político Jairo Nicolau, se o distritão fosse vigente nas eleições de 2014, cerca de 30 milhões de votos para a Câmara dos Deputados não teriam sido contabilizados.

Em uma pesquisa feita com 170 especialistas em sistemas eleitorais ao redor do globo em 2006, o distritão foi apontado como pior sistema eleitoral entre nove opções (segundo dados coletados por Nicolau em outro estudo). Nossos congressistas estão de parabéns - só que não.

Acompanhe tudo sobre:Câmara dos DeputadosEleições 2018Reforma política

Mais de Brasil

STF mantém prisão de Daniel Silveira após audiência de custódia

Suspeitas de trabalho análogo à escravidão em construção de fábrica da BYD na Bahia

PF abre inquérito para apurar supostas irregularidades na liberação de R$ 4,2 bilhões em emendas

Natal tem previsão de chuvas fortes em quase todo o país, alerta Inmet