Desarmamento: para Molon, a proposta “é preocupante” porque cria condições para que um número maior de pessoas tenha acesso a arma, “aumentando o risco para a sociedade” (David Mcnew/AFP)
Da Redação
Publicado em 14 de setembro de 2015 às 09h27.
Em quatro dias, deputados podem decidir se mudam ou não as regras previstas no atual Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826). Criado há 12 anos, o estatuto, no período de 2003 a 2014, resultou na retirada de circulação de mais de 130 mil armas no país.
A proposta, na época, era adotar uma medida para reduzir o número de homicídios. Hoje, muitos parlamentares questionam a eficácia da lei.
Em 2012, o deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) foi o autor de uma proposta (PL 3.722/12) que revogava o estatuto. O texto avançou este ano, quando foi criada uma comissão especial para analisar as regras.
Na última semana, o relator do PL, deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), apresentou substitutivo ao que foi proposto por Peninha.
Carvalho recuou em muitos pontos, retomando previsões do estatuto, como a quantidade de munições permitidas por ano e mantendo requisitos criados para o comércio de armas de fogo, munições e acessórios.
Por outro lado, fez alterações polêmicas, reduzindo, por exemplo, a idade minima exigida para a aquisição de armas, de 25 para 21 anos.
“Como o Congresso pode aprovar a redução da maioridade e uma pessoa com 21 anos continuar sem poder comprar uma arma? Isso é uma incoerência”, afirmou.
São pontos como esse que prometem esquentar a sessão de votação, marcada para o próximo dia 17. Na reunião em que foi apresentado o parecer, a divisão de opiniões já tinha ficado clara e um pedido de vista adiou a decisão sobre o texto que, se aprovado, vai ao plenário da Câmara para depois ser apreciado pelo Senado.
O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que foi contrário à redução da maioridade penal, segue a mesma linha em relação à mudança do limite para o acesso a armas.
O parlamentar cita outros pontos do texto que, segundo ele, devem ser integralmente rejeitados, como a ampliação do direito ao porte para outras categorias, além das previstas pelo estatuto.
O relator incluiu na relação de categorias com direito ao porte, deputados, senadores, agentes de trânsito, aposentados das polícias e das Forças Armadas e servidores do Poder Judiciário, entre outros profissionais.
“Ele [o relator] permite o porte de arma para uma série de categorias, entre as quais a dos taxistas. É risco maior para os próprios taxistas, seja porque no trânsito normalmente há conflitos, seja porque serão vistos como alvos fáceis de ladrões que queiram roubar armas. É uma irresponsabilidade”, disse Molon.
Para ele, a proposta “é preocupante” porque cria condições para que um número maior de pessoas tenha acesso a arma, “aumentando o risco para a sociedade”.
Da mesma opinião, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou que a flexibilização do estatuto “é uma forma de dizer que queremos uma guerra na sociedade civil”.
Segundo Valente, o movimento pela revogação da atual lei é resultado da pressão da indústria de armamento nacional. "É uma violação da cultura da paz”, completou.
O relator Laudívio Carvalho reagiu, garantindo que o parecer não tem esse objetivo.
“Não estamos armando a população, Estamos devolvendo o direito de defesa ao cidadão a partir do momento em que o Estado é incompetente para garantir a segurança”, defendeu, destacando levantamentos que mostram a ocorrência de mais de 50 mil mortes anualmente por arma de fogo, “que não são causadas por cidadãos de bem”.
Registro e porte
Alvo também de críticas, o ponto do substitutivo que trata do registro e porte de armas traz uma mudança significativa em relação às normas atuais.
Enquanto o estatuto define que a validade dessas duas certidões é três anos, sendo exigida a repetição de exames periódicos para que sejam renovadas, Carvalho estabelece, em seu texto, que o registro das armas de fogo será feito apenas uma vez.
Para o relator, o documento equivale a um título de propriedade com validade nacional e, por isso, “não teria sentido uma renovação periódica”. O registro dá direito exclusivamente a ter a arma dentro de casa ou nos limites de propriedades rurais e dependências.
O relator lembrou que mesmo com validade indeterminada, “o registro pode ser cassado se o cidadão cometer alguma ilicitude. Isso é um incentivo para tirar as armas da ilegalidade, porque uma pessoa que tem que sair, por exemplo, de uma propriedade rural para renovar o registro acaba não indo”, afirmou.
A validade do porte de arma, de acordo com o parecer, passa dos atuais três anos para dez anos. Carvalho garantiu que, mesmo com essas alterações, o texto endurece a atual lei.
O argumento do parlamentar é que, além de manter a exigência dos exames previstos no Estatuto do Desarmamento para conceder registro e porte, ele incluiu novas obrigatoriedades, no caso de porte.
“Eu endureci a lei. No atual estatuto, para ter o registro e porte, você precisa se submeter a exames. Agora, você faz uma única vez. No relatório, mantenho a exigência para porte e acrescento a obrigatoriedade de um curso de capacitação específica, com duração mínima de dez horas e aprovação em prova prática”, disse.
No parecer, Carvalho sugere que o cadastramento de armas seja sempre gratuito, para tornar a iniciativa mais atrativa e aumentar o controle.
As explicações não convenceram os parlamentares, que preferem a manutenção do Estatuto do Desarmamento. "Tanto a ampliação do prazo para porte quanto a eternização do registro dificultam o controle sobre como são e quais são as armas que estão no Brasil. [A validade de três anos prevista no estatuto] é uma maneira de saber quantas e quais armas foram roubadas”, avaliou Alessandro Molon.
Molon defendeu a rejeição total do texto, mas admite que há chances de a proposta ser aprovada na comissão especial. “Mas, em plenário, minha expectativa é que seja rejeitada. Se for para mudar o estatuto, tem que ser para torná-lo mais rígido”, defendeu.
Munições e armas
Em relação ao texto original apresentado para revogar o Estatuto do Desarmamento, Carvalho recuou na alteração do número de armas permitidas.
Enquanto o autor do PL sugeriu que a quantidade passasse para dez por cidadão, o relator considerou que seis armas de fogo, como previsto na lei vigente, são suficientes.
Nessa relação é possível ter duas armas curtas de porte, duas armas longas de alma raiada e duas armas longas de alma lisa.
Também ficou mantidao número máximo anual de 50 cartuchos para cada arma de fogo de uso permitido, com exceção para atividades de caça e tiro desportivo por colecionadores, atiradores e caçadores desportivos e para uso diretamente em estandes, agremiações de caça, escolas de tiro e empresas de instrução de tiro.
“O deputado Peninha propôs mudar para 50 munições por mês. Estou mantendo 50 munições por ano porque é o suficiente, mesmo com o argumento de pessoas que defendem mais para que possam treinar. O treinamento tem que ser feito nas escolas de tiro e não em uma propriedade”, afirmou.
Punições
Carvalho manteve os requisitos exigidos para a concessa o do porte e criou categorias de armas no lugar das classificações por arma especi fica.
Nesse caso, se o cidada o tem o porte para categoria armas curtas de repetic a o, ele podera portar um revo lver nos calibres 38, 32 ou 22. Caso seja habilitado para mais de uma categoria, todas terão que ser descritas no Certificado de Registro de Porte de Armas de Fogo.
O relator lembrou que as atuais tipificações de crimes relacionados foram conservadas e sugeriu o agravamento de algumas penas. “Quero tirar da clandestinidade aquele que foi empurrado pelo atual estatuto e dizer que a lei é pesada. Não afrouxei a lei, pelo contrário”, afirmou, ao comparar a pena mínima para porte ilegal de arma – que varia entre 1 e 3 anos, de 2 a 4 anos e, dependendo das circunstâncias da prática, de 12 a 20 anos, segundo o substitutivo.