Depois do Rio e SP, quatro estados veem surtos de gripe
A circulação do vírus não é comum neste período de temperaturas elevadas.
Estadão Conteúdo
Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 19h53.
Última atualização em 16 de dezembro de 2021 às 19h56.
Depois do Rio de Janeiro e São Paulo, outros quatro estados registram aumento nos casos de gripe, causada principalmente pelo vírus Influenza A H3N2. Os surtos epidêmicos acontecem na Bahia, Espírito Santo, Amazonas e Rondônia em momento atípico. A circulação do vírus não é comum neste período de temperaturas elevadas.
Especialistas apontam relação com a baixa cobertura vacinal. Por causa da pandemia de covid-19, muitas pessoas deixaram de se vacinar na campanha nacional contra o influenza, realizada pelo Ministério da Saúde de abril a julho deste ano. Também lembram que a flexibilização das medidas contra a covid permitiu uma ação mais ampla do vírus da gripe, mesmo fora de época.
A Secretaria de Saúde da Bahia confirmou, nesta quinta-feira, 16 o primeiro óbito pelo vírus A H3N2. A paciente, uma idosa de 80 anos, estava internada em hospital privado de Salvador e morreu devido às complicações causadas pela variante do vírus. Conforme a pasta, ela estava vacinada com as três doses contra a covid-19 mas não havia tomado a vacina contra a gripe. A paciente tinha diabete e doença cardiovascular.
Até a manhã desta quinta-feira, 16, foram registrados 174 casos de síndrome gripal com resultado positivo para Influenza A H3N2 em todo o Estado. Do total, 48 pacientes evoluíram para a síndrome respiratória aguda grave e precisaram de internação. A capital, Salvador, concentra a maioria dos casos - 144 - e de internações - 46. Outros pacientes estão internados em Camaçari e Lauro de Freitas. O aumento no número de pessoas com sintomas levou à formação de filas em algumas unidades de pronto-atendimento da capital baiana.
A Vigilância Epidemiológica estadual alertou as equipes para intensificar as ações de prevenção, incluindo a vacinação nos municípios que ainda têm estoques do imunizante, com foco nos grupos prioritários não vacinados durante a campanha de 2021. "A forma mais eficaz de mitigar o surto é aumentar a vacinação para influenza, higienizar as mãos e continuar usando máscara", disse a pasta. A prefeitura de Salvador fará mutirão para aplicar a vacina nesta sexta-feira, 17. A capital vacinou apenas 58% do público-alvo até agora, quando a meta é 90%. Por conta da ação emergencial, a vacinação contra a covid-19 será suspensa nesse dia.
A Secretaria da Saúde do Espírito Santo informou que está avaliando o cenário de possível epidemia de influenza, depois de registrar aumento no número de casos no Estado nas duas últimas semanas. Conforme a pasta, em outubro a taxa de positividade era de 0,04% e, em dezembro, até o último dia 13, a taxa subiu para 7,3% em todo o estado e continuava em tendência crescente. Unidades de saúde da Grande Vitória - a capital e municípios do entorno - registraram filas de pessoas com sintomas.
A pasta pediu à população para evitar a ida à unidade de saúde em caso de sintomas leves. A coordenadora do Programa Estadual de Imunizações e Vigilância das Doenças Imunopreveníveis, Danielle Grillo, alertou que, caso a pessoa comece a sentir falta de ar, associada aos sintomas gripais, a orientação é procurar de forma imediata um serviço de emergência. Os sintomas de gripe podem ser confundidos com os da covid-19.
A gestora lembrou a importância de se vacinar contra a covid e também contra a gripe, já que a pessoa imunizada geralmente apresenta sintomas leves, se contrai a doença. Ela alertou para o baixo índice de cobertura vacinal na população idosa que, este ano, atingiu 75,9% do público alvo, a menor taxa em 13 anos. Nesta quinta, o Estado dispunha de 460 mil doses de vacina, suficientes para atender toda a população idosa.
O surto de gripe chegou também ao Amazonas. A Secretaria de Saúde local divulgou alerta sobre o aumento na circulação do vírus Influenza A e pediu às pessoas que fiquem atentas aos sintomas. Dados da Fundação de Vigilância em Saúde mostram que o número de casos de H3N2 no estado passou de 140 em novembro para 325 nos primeiros 15 dias de dezembro. Além da capital, houve casos em Manacapuru, Parintins, Iranduba e Tefé.
Na segunda-feira, 13, a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas emitiu nota técnica de alerta sobre a circulação do vírus A H3N2 e do Vírus Respiratório Sincicial (VRS). De acordo com o diretor técnico Daniel Barros, as orientações visam ao monitoramento, notificação e tratamento indicados pelo Ministério da Saúde. "Com a detecção da circulação do vírus da influenza A, alertamos toda rede para que fique ainda mais sensível diante de sintomas respiratórios", disse. A nota recomenda tratamento com o antiviral Tamiflu após suspeita clínica.
Por causa do surto, foram distribuídos 172 mil kits de tratamento com o antiviral para a rede de saúde do Amazonas. O último caso de influenza A no estado havia sido identificado em 2019. Conforme o gestor, o retorno da detecção desse vírus é preocupante e requer a colaboração da população para conter a transmissão, tanto se vacinando quanto evitando sair de casa com sintomas.
Em Rondônia, o aumento nos casos de gripe foi detectado em Porto Velho. A Secretaria Municipal de Saúde informou ter designado salas específicas para atendimento de pacientes com sintomas gripais em sete unidades de saúde da capital. Conforme a pasta, a maioria dos casos é de natureza leve. Os números não estavam disponíveis nesta quinta-feira, devido a problemas no sistema informatizado da saúde. Na quarta, 15, à noite, foi realizado um drive-thru de vacinação contra a gripe no Prédio do Relógio.
Clínicas particulares da Bahia e do Espírito Santo, além de São Paulo e Rio de Janeiro, já registraram aumento na procura por imunizantes contra a gripe, segundo a Associação Brasileira das Clínicas de Vacina (ABCVac). Segundo o presidente Geraldo Barbosa, houve relatos de falta de vacina nos postos, mas o mercado privado ainda tem doses da campanha do começo de 2021, por isso pode manter a oferta de imunizantes. Ele alerta que as pessoas que se vacinarem agora devem se imunizar novamente na próxima campanha, nos postos ou nas clínicas, pois os imunizantes para a gripe são atualizados anualmente para novas cepas.
Em outros estados, há preocupação com o avanço do vírus. Acre, Amapá e Maranhão aparecem no sistema Infogripe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que monitora os casos de síndrome respiratória aguda grave, com mais de 95% de probabilidade de terem aumento nos casos de influenza. No Rio Grande do Sul, foram registrados cinco casos de influenza A H3N2 em dezembro, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. No entanto, ainda não é possível afirmar que se trata da variante Darwin, pois o sequenciamento genômico não ficou pronto.
A Secretaria Municipal de Saúde de Belém confirmou um surto de gripe na capital, após registrar a superlotação de unidades de emergência de pacientes com sintomas gripais. Conforme a pasta, o número de casos dobrou nas últimas 72 horas e a vacinação foi reforçada em todas as unidades - podem ser imunizadas desde crianças a partir de seis meses de idade. A Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará, no entanto, não confirmou o surto, alegando não terem sido registrados casos de H3N2. A cobertura vacinal contra a gripe no estado é de 80% este ano.
No Ceará, a Secretaria de Saúde do Estado ampliou o alerta para identificação dos vírus respiratórios, a fim de detectar os casos de influenza A H3N2. Uma nota informativa foi publicada nesta quinta-feira, 16, mas a pasta afirma que a medida é preventiva, "diante do cenário apresentado em outros estados brasileiros, que vivenciam epidemias de influenza neste fim de ano".
De janeiro a 4 de dezembro, foram notificados 67.762 casos de síndrome respiratória aguda grave no estado. Desses, três foram confirmados como influenza, sendo um como A H3N2. O paciente, um homem de 76 anos, foi internado, mas já recebeu alta. O índice de vacinação, de 76% da população alvo, é o mais baixo em duas décadas. Em Fortaleza, a vacina está disponível nos 116 postos de saúde da capital, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
Flexibilização da quarentena está por trás da alta de infecções
Segundo o infectologista Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o vírus da influenza tem facilidade de recircular todos os anos, porque a imunidade conferida pela vacina é muito fugaz. "Certamente, este ano, muitas pessoas deixaram de ser vacinadas contra a influenza porque, devido à pandemia de covid-19, estavam com medo de ir até o serviço de saúde para receber a vacina, o que também aconteceu no ano passado."
Ele acredita que os surtos de gripe também podem ter a ver com as medidas de afrouxamento das restrições em relação à covid-19. "Se pensarmos que a gripe se transmite por gotículas, assim como a covid-19, para a transmissão do vírus da influenza naturalmente precisamos que haja aglomerações e não uso de máscara." Um terceiro aspecto, segundo ele, é que os grandes carreadores de vírus da influenza são as crianças. "Elas certamente aderem menos ao uso da máscara, se aglomeram nas escolas e, com a volta às aulas, levam o vírus para a família. Tudo isso funcionou como um barril de pólvora para que a influenza voltasse."
Houve ainda o que ele chamou de ‘mismatch’, que é quando a vacina da gripe não acerta o subtipo envolvido no surto. "A vacina contém proteção contra o H3N2, mas não contra o subtipo que está se espalhando agora. É uma doença que é uma velha conhecida, mas não é nem de longe uma doença tranquila. Para pessoas com comorbidade e em idosos, ela pode causar internações e mortes", disse.
A infectologista Raquel Stucchi, da Universidade de Campinas (Unicamp), também vê o aumento da flexibilização no Brasil todo como causa dos surtos de gripe. "Houve municípios que suspenderam até o uso da máscara. Com isso, tivemos o surpreendente aumento nos casos de influenza, que se espalha por todos os estados. Surpreende porque o vírus não costuma ter uma circulação aumentada em nosso verão. É um vírus que circula no inverno e em alguns meses do outono."
Com a vacinação contra a covid e a abertura das atividades, segundo ela, uma população muito grande está saindo de casa, para o trabalho, estudos e lazer. "Em muitos locais, isso acontece sem o uso de máscara. Além desse fato, tivemos uma baixa cobertura vacinal contra a influenza. Como temos também pessoas mais suscetíveis saindo, isso explica em parte o aumento de casos."
Conforme a infectologista, a preocupação é que a cepa que está circulando não faz parte da vacina usada este ano. "A cepa H3N2 Darwin fará parte da vacina de 2022, que ainda não está disponível. A vacina que aplicamos este ano não traz proteção contra a cepa, mas podemos ter algum grau de proteção cruzada usando a vacina de que dispomos em 2021, por isso é importante tomar a vacina. Também podemos conter a transmissão evitando aglomeração, locais fechados e não ventilados, higienizando sempre as mãos e usando máscara."