CPI da JBS: Marun, o escudeiro que virou relator
A CPI mista da JBS nasce de um jeito torto até para os recentes padrões de Brasília: seu relator é o maior aliado de Michel Temer no Congresso
Raphael Martins
Publicado em 12 de setembro de 2017 às 20h27.
Última atualização em 12 de setembro de 2017 às 22h58.
Há tempos os brasileiros desconfiam do resultados das Comissões Parlamentares de Inquérito. Com o decorrer dos trabalhos, os nobres parlamentares tratam de acomodar interesses para que as comissões terminem invariavelmente em pizza. Desta vez, contudo, os maus presságios dominam a CPI da JBS desde sua instauração nesta terça-feira. A comissão foi instalada para investigar o acordo de delação premiada firmado entre a JBS e a Procuradoria-Geral da República que, entre outros efeitos, quase custou o mandato do presidente Michel Temer .
O maior símbolo de que o processo nasceu torto é a escolha do relator do grupo. O deputado Carlos Marun (PMDB-MS) é uma figura que dispensaria apresentações, mas, neste caso, vale fazê-lo. Formado em engenharia civil e direito, Marun foi secretário Municipal de Assuntos Fundiários e diretor-presidente da Empresa Municipal de Habitação em Campo Grande entre 1996 e 2004, até ser eleito vereador pelo PMDB. De 2007 a 2014, cumpriu dois mandatos como deputado estadual. Está agora em seu primeiro mandato em Brasília, como deputado federal.
Notabilizou-se não por seus feitos, mas pela lealdade. Foi a principal voz de defesa do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso pela Operação Lava-Jato por múltiplas acusações de corrupção. Com provas descobertas e públicas contra Cunha, Marun foi um dos apenas 10 deputados que votaram contra a cassação do deputado carioca em setembro de 2016.
Como rei morto é rei posto, suas forças se voltaram à defesa de Michel Temer. Um ano depois da despedida de Cunha do Plenário Ulisses Guimarães, Marun tornou-se um dos nomes fortes de uma nova “tropa de choque”, que defenderia publicamente e articularia nos bastidores o arquivamento da denúncia contra o presidente da República ainda no estágio inicial, na Câmara dos Deputados. Alto em estatura e em alcance de voz, que lhe dão destaque no Salão Verde da Câmara, virou um dos símbolos de ambas as cruzadas de peemedebistas contra a Procuradoria-Geral da República.
“Eu me sentiria impedido se eu tivesse relação estreita com a JBS, coisa que eu não tenho”, disse Marun, em coletiva nesta terça. “Tenho uma relação estreita com o governo. Mas eu vou atuar em cima da verdade”. Marun recebeu 100.003 reais da JBS na campanha de 2014. O valor foi doado às campanhas de Simone Tebet ao Senado e Nelsinho Trad ao governo, e repassados para o deputado.
Sempre que estoura um grande escândalo no país, o Congresso se move para montar uma CPI — estão previstas desde a Constituição de 1934. As Comissões Parlamentares de Inquérito são a forma de o Poder Legislativo investigar desvios no poder público, justamente uma alternativa ao Ministério Público Federal. Os resultados recentes e a montagem desta que se inicia, contudo, tiram qualquer esperança de credibilidade. A atual CPI é mista, ou seja, reúne deputados e senadores.
Exemplo é a Petrobras, arrolada nas investigações da Operação Lava-Jato. Entre outros escândalos, o dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, afirmou aos investigadores que pago 5 milhões de reais ao ex-senador Gim Argello (PTB-DF) para evitar que fosse convocado a depor nas comissões parlamentares. Outro delator, Zwi Skornicki disse às autoridades que a empresa Keppel Fels, fornecedora da Petrobras, fez repasses ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto destinados ao deputado Luiz Sérgio, relator da CPI da Petrobras, para evitar a sua convocação para prestar esclarecimentos na CPI da Câmara entre fevereiro e outubro de 2015.
Por essas e outras, um nome tão ligado ao Planalto para a CPI da JBS incomoda. Significa tal enviesamento que demorou pouco para haver desertores. O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) anunciou momentos depois da escolha de Marun que não fará parte do colegiado. “Eu vi manifestações no mesmo sentido dos senadores Otto Alencar, Lasier Martins e Randolfe Rodrigues, mas não dá para dizer que vão sair”, diz Ferraço. “Uma comissão como essa, que se propõe a investigar crimes cometidos em série pelos irmãos Batista, precisa ter isenção e imparcialidade. Colocar como relator um sujeito que é chefe da tropa de choque de Temer faz parecer que a CPI vai na contramão disso”.
Como havia adiantado o tucano, o senador Otto Alencar (PSD-BA) confirmou a suspeita e deixou a CPI, chamando-a de “farsa” e “chapa-branca”. “A ideia é implicar o PT. Principalmente a atuação do BNDES durante os governos Dilma e Lula. Então, a CPI deve blindar o Temer, mas tem o objetivo de desgastar ainda mais o PT”, diz Wagner Parente, diretor da consultoria política Barral M Jorge. “Tanto é verdade que havia a intenção de convocar o ex-presidente Lula para oitiva, mas agora o foco é Guido Mantega”.
O presidente da comissão, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), também é aliado de Temer. Suplente de João Ribeiro (PR-TO), que morreu em 2013, Ataídes tem atuação discreta no Congresso. Surgiu nas manchetes, neste ano, ao quase sair no tapa com Randolfe Rodrigues (Rede-AP) durante os debates da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos.
Ataídes não respondeu à reportagem, mas alegou aos repórteres do Congresso que escolheu Marun porque ele pertence ao “maior partido da Câmara”. “É o nome indicado do partido e, como é costumeiramente aqui, que a proporcionalidade fica com a presidência ou relatoria, então eles indicaram o nome de Carlos Marun”.
Dentro da bancada do PMDB havia outras 60 opções. Mas nenhuma tão leal ao presidente, e tão comprometida com a ideia de que a CPI em questão servirá não para revelar, mas para enterrar as ligações da JBS com o mundo político, e em especial o PMDB de Temer.