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Contagem regressiva: agenda econômica enfrenta prazo curto e eleições

A 470 dias do primeiro turno das eleições de 2022 e com uma ampla agenda de reformas em debate, governo e parlamentares apostam nos projetos que podem avançar mais rápido no Congresso

Congresso Nacional: governo aposta em fatiar a reforma tributária para aumentar as chances de sua aprovação (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Congresso Nacional: governo aposta em fatiar a reforma tributária para aumentar as chances de sua aprovação (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

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Alessandra Azevedo

Publicado em 24 de junho de 2021 às 06h30.

Última atualização em 24 de junho de 2021 às 08h59.

Congresso Nacional: governo aposta em fatiar a reforma tributária para aumentar as chances de sua aprovação (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Sinal positivo para o Planalto, a aprovação da MP que viabiliza a privatização da Eletrobras mostra que a agenda econômica ainda tem espaço no Congresso, mas não significa que outras pautas liberais avançarão a partir de agora. A 470 dias do primeiro turno das eleições de 2022, o peso do calendário eleitoral se faz sentir. E quanto mais próxima estiver a hora das urnas, mais distante ficará a perspectiva de aprovação de propostas densas, como reformas.

Passado o teste da Eletrobras, resta saber como será o desempenho do governo nos próximos desafios, enquanto o tempo útil do Congresso não se esgota. E, na visão de especialistas ouvidos pela Exame, a aprovação da MP, embora seja uma vitória, não pode ser usada como termômetro para medir a disposição dos parlamentares de aprovar outros projetos.

A medida não necessariamente pavimenta, por exemplo, o caminho para a outra privatização que o governo está de olho, a dos Correios. “Ela pode até passar na Câmara até o segundo semestre deste ano, mas não deve ser aprovada no Senado no ano que vem, com eleições”, aponta o cientista político Leandro Gabiati, sócio da consultoria Dominium.

O governo, entretanto, está otimista e quer votar o projeto dos Correios no plenário da Câmara ainda no mês que vem. “Espero que até o recesso”, disse o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), nesta quarta-feira, 23. Os parlamentares têm duas semanas de folga a partir de 18 de julho. 

Falta o relator, deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), apresentar o parecer. “Estou me esforçando para concluir nesse sentido [de apresentar antes do recesso]”, confirmou. “O relatório está sendo construído. Estou ouvindo o governo e os setores envolvidos. Quando estiver amadurecido, irei apresentá-lo aos líderes, aos colegas e ao governo”, disse. 

Cutrim foi escolhido relator em 20 de abril, quando o plenário aprovou a urgência da matéria, para que ela possa ser votada direto no plenário. Naquele dia, o deputado deixou claro que não pretendia elaborar um parecer “de forma açodada”. É preciso “escutar o povo”, afirmou.

O governo entregou o projeto de privatização dos Correios em fevereiro deste ano, com o objetivo de abrir o mercado para competição, ao quebrar o monopólio do serviço postal. Mas o tempo acabou se tornando o maior obstáculo para a aprovação, mesmo com a urgência aprovada. Ainda que passe na Câmara com rapidez, precisará da aprovação do Senado.

A proposta enfrenta o mesmo problema de outras pautas importantes, como as reformas administrativa e tributária: se ficarem para 2022, podem ser enterradas. As duas reformas estão andando, às vezes a passos lentos, mas nenhuma tem grandes chances de ser completamente aprovada na Câmara e no Senado antes da debandada pré-eleitoral, segundo especialistas.

Reforma administrativa

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, que trata das mudanças no serviço público, já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e agora é avaliada pela comissão especial, onde deve tramitar pelos próximos meses, antes de ficar pronta para ir ao plenário. 

Até meados de agosto, os deputados do colegiado vão participar de audiências públicas, para só depois o relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), apresentar o parecer. Não é um plano de trabalho que inviabiliza a votação no plenário da Câmara até o fim do ano. Em um cenário otimista, isso é possível, diz Gabiati. 

Difícil é que o assunto seja retomado em 2022. "É um tema impopular e que mexe com parte do eleitorado cativo de Bolsonaro, composto por servidores. Em termos de história, é sempre melhor votar esse tipo de matéria no início do governo", aponta o analista político Creomar de Souza, da consultoria Dharma.

Não é à toa que o tema não conta com a defesa pública do presidente. A reforma administrativa traz à tona uma contradição que o governo deve querer evitar conforme se aproxima de uma tentativa de reeleição: a equipe econômica é a favor da proposta, mas o presidente Jair Bolsonaro não quer se envolver, porque isso poderia custar votos.

O fator eleição pesa mais para a reforma administrativa do que para a tributária, afirma o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB). “Se demorar muito, a administrativa tem mais chances de ser afetada pelas eleições. A tributária não sofre tanto esse impacto, porque é uma demanda da sociedade”, considera. 

Reforma tributária

Para Efraim, “há grande expectativa por reformas” no Congresso, mas os deputados teriam preferência pela tributária, se tivesse um texto de consenso. Esse é o maior problema da reforma tributária, e é o que a distancia de uma aprovação rápida. Ainda não ficou claro como a proposta será votada. 

O governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), são a favor do fatiamento da matéria, mas deputados e senadores ainda têm dúvidas. "É difícil me posicionar a respeito de uma reforma tributária que ainda não se sabe como será feita. Os projetos ainda não foram anunciados", diz o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL). 

Bulhões faz parte do grupo que defende a proposta mais ampla, que saiu da comissão mista extinta recentemente e resultou no parecer relatado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), com base nas PECs 110 e 45. Esse texto prevê a extinção da PIS, da Cofins, do IPI, do ICMS e do ISS. No lugar desses tributos, seria criado o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), complementado por um Imposto Seletivo. 

Mas o governo acredita que é mais fácil garantir alguma vitória com o fatiamento. O que os governistas propõem é aprovar projetos separados relativos às regras tributárias, não um só pacote, como era previsto antes. Assim, algum texto pode ser aprovado até as eleições de 2022. "Se votar só pedaços, pode ser que algo passe. Mas não seria uma reforma", pondera Bulhões.

No Congresso, a estratégia de fatiar o texto tem convencido boa parte dos parlamantares: 68% dos líderes e vice-líderes dos partidos acreditam que a reforma tributária deve ser aprovada ainda neste ano, de acordo com a pesquisa Necton/Vector Barômetro Congresso Nacional.

Arthur Lira disse que apresentaria os relatores dos projetos relativos à reforma tributária até o fim da semana passada, mas a divulgação dos nomes ainda não aconteceu. A demora contribui para que alguns deputados reforcem a tese de que o assunto não será uma prioridade nos próximos meses e que ele será mais uma vez deixado para um próximo governo.

É essa a expectativa de deputados da oposição, que contam com as mobilizações nas ruas para que a agenda liberal não avance. "Vamos continuar lutando para que não passem propostas como reformas e privatizações. E sabemos que quanto mais perto das eleições, mais difícil fica para o governo", afirma a deputada Fernanda Melchionna (PSol-RS).

Sem acordo

Para aprovar uma grande reforma tributária, seria preciso acordo entre a Câmara e o Senado, o que ainda não é certo. Por isso, parlamentares e especialistas acreditam que podem passar, no máximo, alguns textos básicos, como o projeto de lei enviado pelo governo, que unifica PIS e Cofins, criando a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). 

Outro pedaço de reforma que pode avançar é a mudança no Imposto de Renda, que o governo ficou de enviar ao Congresso nos próximos dias. Em resumo, a ideia é aumentar a faixa de isenção do IR de pessoas físicas para até 2,5 mil reais e diminuir a cobrança sobre empresas. Em troca, seriam taxados os dividendos, hoje isentos. 

Para o analista político César Alexandre de Carvalho, da consultoria CAC, até isso é improvável. "Não apostaria minhas fichas na reforma tributária", diz. Também pouco otimista quanto a mudanças nas regras relativas a impostos, Gabiati acredita que "o que deve vir de tributário é um novo Refis".

Um programa de refinanciamento de dívidas é defendido pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e deve ter consenso entre os parlamentares, que não devem discordar sobre uma ajuda ao setor econômico depois de uma crise intensa. "A partir do fim do ano, a pauta deve ser de contenção de danos da pandemia", diz Carvalho.

“No período pós-vacina devem vir medidas voltadas para a retomada econômica. Provavelmente alguma coisa que já esteja pensada no Congresso, como incentivos fiscais para setor de serviços”, acredita o analista da CAC. Segundo ele, políticas de fomento à economia são o caminho natural quando se sai de uma crise econômica.

Pautas garantidas

As dúvidas em relação às reformas não se estendem a outras propostas previstas para os próximos meses, voltadas principalmente a questões sociais. Os parlamentares esperam, por exemplo, a MP que prorrogará o auxílio emergencial. E, depois dela, a proposta que reformulará o programa Bolsa Família.

Para especialistas, é fato que o governo precisará mandar algum projeto permanente para entrar no lugar do auxílio emergencial. O presidente tem sinalizado interesse. No último dia 15, Bolsonaro afirmou que o benefício será, em média, de 300 reais -- acima do que era estudado pela equipe econômica.

Em relação às pautas sociais, a expectativa geral é de que serão aprovadas sem grandes dificuldades. No caso da MP do auxílio, o governo precisará tomar cuidado, novamente, para que o Congresso não amplie o valor do benefício. Já o grande entrave para o Bolsa Família é encontrar espaço orçamentário.

Para um presidente que busca a reeleição, aumentar um benefício social logo antes do pleito é uma vantagem. “O ideal para Bolsonaro é que isso aconteça em um timing que o eleitor interprete que o dinheiro vem do governo. A questão é saber se consegue tirar do papel com facilidade, porque precisa de tempo para operacionalizar um novo programa”, diz Souza.

O especialista da Dharma também acredita que o governo precisará apontar algum meio para lidar com o desemprego, o que pode cair no colo do Congresso. A taxa de desemprego está em 14,7%, o que representa quase 15 milhões de pessoas sem trabalho no país. "Não sei se vem um programa, mas Bolsonaro vai ter que se mover nessa direção", afirma. 

Propostas como a do voto impresso e a do ensino domiciliar, muito defendidas por bolsonaristas, podem avançar e tirar o foco da agenda econômica. A primeira precisaria ser aprovada com rapidez para valer nas eleições de 2022. Por isso, nos bastidores, deputados acreditam que ela pode acabar passando por cima de assuntos mais importantes, como reformas.

Contagem regressiva

Para os especialistas, um dos pontos que precisam ser analisados para saber se será possível votar algum projeto denso em 2022 é justamente o clima das eleições e como ele afetará os parlamentares. A força de Bolsonaro para emplacar matérias nos próximos meses no Congresso depende de fatores como a situação dele nas pesquisas eleitorais. 

É natural que o rendimento parlamentar caia em época eleitoral, quando os políticos passam mais tempo nas bases em busca de votos. Mas, dessa vez, “a corrida começou ainda mais cedo”, aponta Carvalho. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já é visto como candidato à Presidência há meses, enquanto Bolsonaro “nunca deixou de estar em campanha”, diz. 

A disputa e a polarização refletem no Congresso e resultam em insegurança na hora de votar. “Se as pesquisas indicarem vitória plausível de Bolsonaro, pode ter possibilidade de que algumas agendas governistas avancem”, afirma Carvalho. Mas, se ele estiver fraco, é esperado o efeito contrário, com menos chances de aprovação. 

“Os parlamentares ficam divididos, não sabem para que lado as pesquisas vão apontar, e isso diz muito sobre o que pode ser aprovado”, diz o especialista da CAC. O Congresso teria, no máximo, até os primeiros meses do ano que vem para aprovar projetos. Espera-se que a partir de maio a pauta passe a ser eleição, com convenções partidárias e negociações sobre candidaturas.

Souza lembra, entretanto, que é uma eleição atípica, devido às medidas relacionadas à pandemia. "Em termos históricos, normalmente em anos eleitorais diminui muito a intensidade do trabalho legislativo, mas é preciso lembrar que há elementos novos, como o sistema de deliberação remota. Os parlamentares não precisam estar em Brasília, e isso pode trazer surpresas", afirma.

Mas, segundo Souza, independentemente das novidades no sistema de votações, o ponto principal em qualquer eleição deve ser mantido: o cenário que os brasileiros vão encontrar daqui para a frente. "O governo vai conseguir vacinar todo mundo? A economia vai aquecer? Toda essas variáveis se juntam e dão maior ou menor sustentabilidade à atividade parlamentar", afirma. 

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