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Comissão da Verdade quer ouvir Fiesp

Indícios de ligação da Fiesp com a repressão foram encontrados pela comissão em documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo


	Paulo Skaf, presidente da Fiesp: comissão admite a possibilidade de que surjam mais nomes de pessoas e de entidades com possível ligação à repressão
 (Valter Campanato/AGÊNCIA BRASIL)

Paulo Skaf, presidente da Fiesp: comissão admite a possibilidade de que surjam mais nomes de pessoas e de entidades com possível ligação à repressão (Valter Campanato/AGÊNCIA BRASIL)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2013 às 20h09.

São Paulo – A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo pretende pedir explicações à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e ao Consulado dos Estados Unidos sobre possíveis relações entre as duas instituições e os serviços de repressão na época da ditadura militar. Indícios dessa ligação foram encontrados pela comissão em documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Entre os documentos, há seis livros datados dos anos 70 do século passado que registram entradas e saídas de funcionários e visitantes do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em São Paulo, um dos órgãos de repressão da ditadura militar.

Segundo a comissão, nesses livros, foram encontrados registros de entradas de Geraldo Resende de Matos, cujo cargo é identificado como “Fiesp”, e do cônsul dos Estados Unidos na época, Claris Rowney Halliwell.

Embora tenham restado poucos livros de registro de entrada e saída de tais órgãos nesses anos, os seis documentos encontrados no Arquivo Público “são eloqüentes e falam por si”, disse Ivan Seixas, membro da Comissão Estadual da Verdade, em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo.

De acordo com ele, todos os que passavam pelo Dops eram identificados e registrados nos livros que mostraram, por exemplo, diversas entradas do cônsul americano ao local. Uma delas, no dia 5 de abril de 1971, coincide com a data de captura de Devanir José de Carvalho, o comandante Henrique, integrante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), que, levado para o Dops, foi torturado e morreu dois dias depois.


O livro indica a entrada do cônsul, mas não a saída, o que faz supor que ele possa ter permanecido muito tempo no local. “O que esse cidadão diplomático fazia dentro do Dops, onde pessoas estavam sendo torturadas? É impossível que ele não tenha ouvido as torturas”, questionou Seixas.

Para ele, o cônsul americano participou "de alguma forma". "Até por omissão, porque todo mundo ouvia as torturas, e não era tortura de um minuto, mas de horas a fio. Foram três dias seguidos de tortura do Devanir José de Carvalho. Nesses três dias, todo mundo ouviu [os gritos], inclusive nas redondezas. E essa pessoa [o cônsul] estar lá dentro, naquele momento, virando noite, enquanto o torturado agonizava, no mínimo ele foi omisso. O governo americano deve uma satisfação”, acrescentou.

Ivan Seixas informou que tanto a Fiesp quanto o Consulado dos Estados Undios vão receber ofício pedindo explicações sobre esses registros. A comissão fará o pedido de explicações, que será levado à Assembleia Legislativa e encaminhado às duas instituições. "Será um questionamento para saber quem são essas pessoas e o que faziam lá", explicou. Seixas ressaltou que a reunião de hoje não era um ato público, mas sim "uma audiência públicam que tem conseqüências".

“Esses documentos são apenas o começo. Eles têm muita informação, não é só a parte que foi exposta: ainda vão aparecer mais coisas. Estamos perguntando o que aconteceu, quem eram essas pessoas e o que faziam lá, mas já dá para concluir muitas coisas”, destacou Seixas, lembrando que a comissão analisa muitos outros documentos e depoimentos.

No caso de Geraldo Resende de Matos, a comissão observou que ele esteve no local centenas de vezes. Só entre os anos de 1971 e 1974, de acordo com os livros do período que foram encontrados, Matos esteve no Dops 124 vezes.


Todo o material que foi encontrado está em análise. A comissão admite a possibilidade de que surjam mais nomes de pessoas e de entidades com possível ligação com órgãos associados à repressão.

Para o diretor do Departamento de Preservação e Acervo do Arquivo Público do Estado, Lauro Ávila Pereira, embora os livros de entrada e de saída do Dops possam ser considerados de pouca importância, por não serem documentos sobre presos políticos ou sobre a repressão, eles constitutem documentação que, se for bem trabalhada, poderá mostrar – e está demonstrando – o envolvimento de diversos segmentos da sociedade civil no processo repressivo. "É um material que ficou guardado, sem tratamento arquivístico, e agora foi digitalizado e está disponível na internet na página do Arquivo do Estado”, disse Pereira.

No dia 1º de abril, o Arquivo Público vai lançar, na internet, a digitalização de mais de 850 mil documentos referentes à ditadura militar. “Há uma diversidade grande de documentos, todos eles do Dops de São Paulo. Há prontuários de presos políticos, dossiês temáticos, muitas fichas digitalizadas”, informou o diretor do Arquivo Público.

A Agência Brasil não conseguiu contatar hoje (18) o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo. Procurada, a Fiesp respondeu, em nota, que o nome de Geraldo Resende de Matos não consta de seus registros como membro da diretoria ou funcionário da entidade. “É importante lembrar que a atuação da Fiesp tem se pautado pela defesa da democracia e do Estado de Direito e pelo desenvolvimento do Brasil. Eventos do passado que contrariem esses princípios podem e devem ser apurados”, diz a nota.

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