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CNDH critica "militarização" do atendimento a venezuelanos em Roraima

Ministério da Defesa disse, em nota, que a Força-Tarefa Logística Humanitária para Roraima "não reconhece o termo 'militarização da resposta humanitária'"

Venezuelanos: de acordo com a Acnur, 16 mil pessoas vindas da Venezuela migraram recentemente para o Brasil (Victor Moriyama/Getty Images)
AB

Agência Brasil

Publicado em 21 de maio de 2018 às 20h12.

Última atualização em 21 de maio de 2018 às 20h13.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) publicou na última sexta-feira (18) relatório técnico sobre a situação dos imigrantes venezuelanos no Brasil.

Fruto de inspeção feita pelo conselho no início do ano em Roraima , estado que concentra maior parte dessa população, bem como em cidades do Pará e do Amazonas, o relatório aponta violações de direitos e critica a suposta "concentração da resposta governamental" no Ministério da Defesa.

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Exemplos do que o conselho classifica como "militarização da resposta humanitária" ao fluxo migratório são as Medidas Provisórias 820 e 823, propostas pelo governo federal.

A primeira criou o Comitê Federal de Assistência Emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária e definiu o Ministério da Defesa como secretaria-executiva do órgão. A segunda transferiu R$ 190 milhões ao Ministério da Defesa.

De acordo com a integrante do CNDH e da organização Conectas, Camila Asano, essa perspectiva seria contrária à nova Lei de Migração, que em 2017 substituiu o Estatuto do Estrangeiro e estabeleceu outro tratamento para a questão migratória. Segundo ela, são "autoridades civis que devem lidar com a questão de imigração".

"A questão migratória prevê, de fato, uma acolhida de sujeitos de direitos que envolvem os ministérios da Justiça, Saúde, Educação", enumerou a conselheira do CNDH.

Em Boa Vista, o conselho verificou a existência de um grande passivo de pedidos de residência ou refúgio. Na época da visita, em janeiro, havia mais de mil agendamentos junto à Polícia Federal.

Na capital, os conselheiros receberam denúncias de dificuldades para obter documentos, o que condiciona acesso a outros direitos, como saúde e educação, e de violações graves como tráfico de pessoas.

Em Manaus, chamou a atenção do conselho a situação dos povos indígenas warao. Segundo o colegiado, não existe atenção especial aos warao. O documento ressalta a necessidade de atenção específica, sobretudo na área de saúde, aos indígenas que têm migrado para o Brasil desde a Venezuela.

O CNDH recomendou ainda à Casa Civil e aos ministérios do Desenvolvimento Social e Defesa que ofereçam: sistema de acolhimento abrangente com espaços destinados à população venezuelana indígena e não indígena, separadamente; abrigamentos com sistema sanitário adequado ao número de abrigados; sistema de coleta de lixo regular, atendimento de saúde regular e estrutura básica de assistência social, com profissionais previamente orientados sobre a situação peculiar dos usuários migrantes, sejam indígenas ou não indígenas; locais de abrigamento com policiamento constante, em ação integrada com a Polícia Militar e/ou Guarda Municipal, de modo a garantir a segurança dos imigrantes e prevenir atos de violência e xenofobia.

No relatório, o conselho sugere que a Presidência da República "reavalie sua decisão pela militarização da resposta humanitária à chegada de venezuelanos" e que "preste esclarecimento sobre as funções atuais do Exército dentro dos abrigos e que a gestão destes locais seja transferida o quanto antes para órgãos públicos civis responsáveis pela assistência social".

O órgão de Estado também solicita que a pasta da Defesa preste contas detalhadas sobre alocação e execução dos recursos destinados à política de acolhimento.

O CNDH é um órgão autônomo, criado por lei federal e que conta com a participação de representantes de organizações da sociedade civil, de ministérios e de órgãos do Estado brasileiro, como o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU). O órgão tem a competência de sugerir políticas e apurar condutas e situações contrárias aos direitos humanos.

Força-Tarefa em Roraima

Ouvido pela Agência Brasil, o Ministério da Defesa disse, em nota, que a Força-Tarefa Logística Humanitária para o Estado de Roraima (FT Log Hum - RR) "não reconhece o termo 'militarização da resposta humanitária'".

Isto porque as ações em Roraima estão sendo conduzidas pelo Comitê Federal de Assistência Emergencial presidido pela Casa Civil da Presidência e composto por 12 ministérios. Coube à Defesa atuar como secretaria-executiva e prestar o apoio administrativo ao comitê.

Além disso, aponta que a FT Log Hum - RR também integra a Operação Acolhida, uma operação conjunta efetivada entre as Forças Armadas, agências internacionais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e organizações da sociedade civil brasileira.

Quanto à gestão dos recursos, informa que todas as contratações têm sido realizadas por intermédio de licitações e que os gastos podem ser acompanhados na página da internet do Portal da Transparência.

A Defesa detalha ainda que "os trabalhos de emissão de documentação dos imigrantes venezuelanos desassistidos são realizados pela Polícia Federal, Receita Federal e Ministério do Trabalho. Quanto ao abrigamento, coube às Forças Armadas realizar a recuperação de abrigos existentes e a construção de novos abrigos.

Além disso, os militares prestam apoio logístico, assistência médica e fornecem a alimentação. Quem seleciona e acolhe os imigrantes venezuelanos desassistidos são as Agências dos OI [Organismos Internacionais] e as ONGs [Organizações não Governamentais]".

Ainda conforme a nota, são essas organizações que definem as regras de conduta nos abrigos. Em relação a eles, o Exército provê apenas refeições prontas ou os gêneros necessários para a sua confecção, de acordo com a solicitação dos gestores dos espaços.

"Presta assistência médica por meio de visitas de equipes de saúde em todos os abrigos, de segunda-feira a domingo. Realiza, também, a melhoria da infraestrutura, com contratação de serviços diversos, como instalação de contêineres escritório, contêineres banheiro, coleta de lixo e dejetos, reparos elétricos e hidráulicos, bem como trabalhos diversos de engenharia", acrescenta.

Além dessas ações mencionadas pela Defesa, é a Casa Civil quem coordena uma das principais ações em andamento: a interiorização de venezuelanos.

Trata-se de um processo voluntário que busca criar melhores condições de integração para as venezuelanas e venezuelanos que estão vivendo no Brasil. Até o dia 15 de maio, segundo informações do Sistema ONU no Brasil, 527 pessoas foram levadas pelo governo, com o apoio da ONU, para várias cidades.

Nesse processo, cabe à Acnur identificar e traçar perfil de pessoas interessadas em participar da interiorização. Já a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) prestam informações prévias ao embarque, apoiam a organização dos voos e acompanham os venezuelanos.

Outra agência da ONU, o UNFPA faz o levantamento de necessidades específicas de assistência, em especial com grupos em maior vulnerabilidade, como mulheres grávidas.

As ações emergenciais ocorrem nas áreas de proteção social, saúde, educação, direitos humanos, alimentação e segurança pública. Entre as medidas, estão a oferta de atividades educacionais, formação e qualificação profissional e de infraestrutura e saneamento para as famílias venezuelanas que estão vivendo em Roraima em situação precária. Também foi facilitado o acesso à documentação e à validação de diplomas.

De acordo com a Acnur, 16 mil venezuelanos migraram recentemente para o Brasil, sendo que mais de 8 mil atravessaram a fronteira apenas no ano de 2017.

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