Chapchap, do Sírio Libanês: é hora de reformar a saúde
Na falta de uma, o oncologista Paulo Chapchap tem duas carreiras de extrema dificuldade – e importância. Às quartas-feiras, realiza transplantes de fígado que se estendem por horas a fio. Nos demais dias da semana, desde fevereiro, é o presidente do Hospital Sírio Libânes, em São Paulo, uma instituição com mais de 400 leitos e […]
Da Redação
Publicado em 22 de junho de 2016 às 19h15.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h23.
Na falta de uma, o oncologista Paulo Chapchap tem duas carreiras de extrema dificuldade – e importância. Às quartas-feiras, realiza transplantes de fígado que se estendem por horas a fio. Nos demais dias da semana, desde fevereiro, é o presidente do Hospital Sírio Libânes, em São Paulo, uma instituição com mais de 400 leitos e 1,6 bilhão de reais de receita. O Sírio ainda administra três hospitais públicos, uma rede de clínicas e prepara a construção de novos hospitais em Brasília e no Rio de Janeiro – usando em parte o lucro obtido com a gestão de seus hospitais. A EXAME Hoje, Chapchap disse como a iniciativa privada pode ajudar a melhorar a saúde pública e fazer o Brasil finalmente avançar na saúde.
Como a crise afeta os negócios do hospital?
Tivemos um ano de 2015 acima do esperado. Nosso faturamento cresceu 15,7% e conseguimos o resultado para lidar com o ciclo de investimentos bem agressivo que tivemos pela frente. E no primeiro trimestre de 2016 ficamos 20% acima do ano passado. Para isso, estamos dando especial atenção a três indicadores: atração de demanda, ganho de eficiência e expansão de qualidade. Projetos que não incluam duas dessas três direções não vão para frente.
Esse bom momento é apenas do Sírio, ou o mercado consegue se descolar da crise?
O mercado de saúde é naturalmente anticíclico no curto prazo, em que tende a haver um hiper-utilização. O problema é que no longo prazo, com a persistência da crise, nós vamos absorver as consequências do desemprego, do rebaixamento dos planos mais altos e da contenção de gastos das famílias, porque a renda está caindo. Até agora, nada disso nos afetou. Mas afetou nossos concorrentes, já que o mercado de hospitais privados encolheu 1,8% em 2015. A diferença é que os hospitais são muito baseados em convênios, e sofrem diretamente com o desemprego. Aqui no Sirio temos a vantagem de depender menos dos convênios –24% de nossos pacientes são particulares. No mercado, a média não chega a 10%.
A inflação médica está batendo 20% ao ano, o desemprego passou de 10%, as pessoas envelhecem e não conseguem pagar tratamentos particulares. Qual a solução?
No sistema de saúde brasileiro existem os problemas dados, como o envelhecimento da população e o encarecimento dos tratamentos, e existem os problemas auto impostos, que vêm sobretudo da má gestão. Não basta colocar um caminhão de dinheiro. A sociedade precisa decidir quanto quer dedicar para as necessidades básicas, como saúde, educação, saneamento, segurança. Essa é uma discussão que deveria ser mais madura, com base nas necessidades de momento. É como as empresas fazem: analisam cenários e decidem os melhores setores para alocar recursos. Não temos essas discussões.
E qual o papel do setor privado nessa discussão?
Na minha opinião, a gestão privada e a pública têm que ser discutidas em conjunto. Você não pode ter dois sistemas dissociados. Deveria ser um sistema com duplo financiamento. No Brasil de hoje, com as leis e ferramentas de gestão em vigor, é impossível prestar um bom serviço com hospitais públicos. Eles só podem contratar por concurso, só podem comprar por licitação, não conseguem planos de carreira nítidos. Uma das soluções é a concessão para a iniciativa privada. Assim, o ente público fica responsável pela conceituação, priorização, regulação, e o ente privado ficaria responsável pela execução. Existe uma resistência de lado a lado para um modelo mais integrado. No governo, há um debate muito ideologizado, muito contra o lucro. E há uma resistência também do mercado privado. No limite, se o setor público funcionasse muito bem, diminuiria o espaço de atuação do setor privado. Tem um lavar de mãos nesse jogo.
O que o Sírio faz?
Criamos um instituto para gerir hospitais públicos com as limitações de recursos do setor. É um risco de imagem, mas é um modelo em que acreditamos e que achamos que podemos fazer um trabalho melhor que a média. O estado sofre uma grande dificuldade de contratação, mas queremos expandir. Já temos três hospitais, dois estaduais e um municipal, então temos relação com PT e com PSDB. Os dois estaduais são o Hospital Geral do Grajaú, e o Hospital Regional de Jundiaí, e o Hospital Infantil Menino Jesus.
Alguma dessas mudanças está sendo discutida?
Tem, sim. Eu vejo coisas andando. Mas precisa de um governo com autoridade e com coragem para propor mudanças. Estamos numa época política do em que um dos poucos consensos é que é preciso fazer mudanças econômicas e políticas estruturais. Não é jogar tudo fora. É avaliar as lacunas, e agir com coragem. A iniciativa pública tem muito a ensinar. Os programas de vacinação, de prevenção básica, de entrada no sistema por médicos de família. É um sistema muito bem conceituado, mas que tem dificuldades por falta de recurso mesmo. O setor privado tem seus próprios problemas – é hiperespecializado, exige exames desnecessários. Os dois lados têm muito a aprender trabalhando em conjunto.
(Lucas Amorim)