Guga considera que, sem lesões, poderia ter sido penta na França. (Buda Mendes/Getty Images)
Rafael Kato
Publicado em 1 de novembro de 2016 às 16h14.
Última atualização em 1 de novembro de 2016 às 16h52.
Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play.
Acostumados às páginas esportivas, o ex-tenista Gustavo Kuerten e o jogador Neymar ganharam os cadernos de economia na última semana. O motivo: ambos recorreram ao tribunal do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) para tentar se livrar do pagamento de multas e impostos.
Os dois processos devem servir como jurisprudência para outros recursos de profissionais do esporte, já que muitos lucram com direitos de imagem e patrocínio, além do salário registrado para Pessoa Física. Mas o caso poderá ser exemplo não só para esportistas, mas também para qualquer outra empresa ou prestador de serviço. Num ambiente de negócios cada vez mais dominado pelos freelancers e por empresas terceirizadas, o debate sobre como tributar os rendimentos é mais atual do que nunca.
Guga pode ser punido com multas que chegam a 5 milhões de reais e escolheu fazer pessoalmente sua defesa. A Receita Federal questiona o pagamento de imposto sobre receitas e patrocínios do tenista entre 99 e 2002 – ele pagou via uma empresa, e o governo acredita que a tributação deve ser feita sobre a pessoa física. A diferença de alíquota subiria de 20% para 27,5%. Na primeira sessão, a relatora Patrícia da Silva votou a favor do ex-tenista, mas duas conselheiras foram contra. Após pedido de vista, a decisão foi adiada para novembro.
Com Neymar, o buraco é mais embaixo. O jogador foi multado em 188 milhões de reais pelo fisco e teve seus bens bloqueados por não ter pago impostos pelos rendimentos de imagem enquanto defendia o Santos e também por irregularidades na sua negociação com o Barcelona. Neymar tem duas ações correndo no Carf.
“Infelizmente ainda não temos uma definição a ponto de elucidar a situação. Pela Receita está todo mundo infringindo, mas o Carf é que pode balizar isso de forma equilibrada. Foi ótimo o caso (Guga) ter ido para o Carf”, disse Rinaldo José Martorelli, Presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo.
“Qualquer profissional está sujeito a esse tipo de ação. Isso já está sendo feito em outros negócios – até nos escritórios de advocacia, quando a Receita Federal entende que pode haver contratos simulados como pessoa jurídica”, diz Daniela Ismael Floriano, tributarista da Rayes & Fagundes Advogados Associados.
Nos casos de Guga e Neymar a grande parte dos lucros declarados irregularmente, de acordo com o Carf, vêm de contratos de imagem e patrocinadores. Para outros cidadãos, a fonte de renda pode ser questionada através de ganhos obtidos fora de uma remuneração estabelecida em contrato com um tomador de serviços, por exemplo. Trabalhos além do usualmente prestado, se não forem devidamente detalhados na declaração, podem acabar caindo em um problema como o dos atletas.
Na opinião dos especialistas, o argumento principal de defesa de um profissional com firma aberta é o contrato de trabalho redigido formalmente. Neste caso, a melhor prevenção de problemas com é um contrato que explicite a remuneração e quem paga o quê e para quem. “Se tudo estiver acordado com contratos bem redigidos, dificilmente você terá uma desconstituição de operações. Se eu tenho um salário isso é a remuneração do meu trabalho, é pessoal. Outras coisas que eu recebo posso acordar receber de determinada forma, inclusive por Pessoa Jurídica. O que importa é o que foi acordado por esses outros rendimentos. Isso já é um primeiro passo para que eu possa me defender”, diz Daniela Floriano.
De acordo com dados do Portal do Microempreendedor Individual, 6.534.580 pessoas estão atualmente na ‘categoria de entrada’ do empresariado. E o grupo, que engloba autônomos, profissionais e freelancers, cresce a cada ano impulsionado pela crise econômica, deixou mais de 11 milhões de desempregados. De janeiro a julho deste ano, 1.199.373 empresas foram abertas no país e dessas, 79,5% são MEIs, segundo a Serasa Experian.
Além disso, cerca de 38% das pequenas empresas brasileiras têm mais da metade das equipes formada por freelancers, aponta um estudo realizado no primeiro semestre de 2016 pelo site Workana, plataforma especializada para a categoria. Outro bom exemplo é a divulgação mais recente do número de profissionais do site Freelancer.com. De 2012 a abril de 2016, o número de cadastros saltou de 17.000 para 342.900, aumento de mais de 20 vezes. Com rendimentos menores, as chances de problemas com o fisco diminuem bastante. Ainda assim, os milionários processos de Guga e de Neymar terão repercussão muito além dos campos e das quadras.
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