Brasil

Canineu, do HRW: presídios fora de controle

Gian Kojikovski Mais um massacre dentro de presídio na noite da última sexta-feira, dessa vez em Roraima, resultou em 33 mortos – são 95 nos primeiros seis dias do ano. A tragédia foi classificada pelo presidente Michel Temer como um “acidente”. Na manhã de sexta, o ministro da Justiça detalhou o plano de segurança para […]

CANINEU: “como os presos ainda conseguem matar uns aos outros?” / Divulgação

CANINEU: “como os presos ainda conseguem matar uns aos outros?” / Divulgação

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 7 de janeiro de 2017 às 07h02.

Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h01.

Gian Kojikovski

Mais um massacre dentro de presídio na noite da última sexta-feira, dessa vez em Roraima, resultou em 33 mortos – são 95 nos primeiros seis dias do ano. A tragédia foi classificada pelo presidente Michel Temer como um “acidente”. Na manhã de sexta, o ministro da Justiça detalhou o plano de segurança para tentar conter os problemas nos presídios do país, além de outras ações contra a violência. Em entrevista a EXAME Hoje, a diretora da organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) no Brasil, Maria Laura Canineu, falou sobre o plano apresentado por Moraes e as complicações do sistema penitenciário brasileiro que levaram ao atual cenário. Canineu é advogada, mestre em direito internacional ao desenvolvimento e direitos humanos e já trabalhou nessa área para o governo federal. A HRW é uma das maiores e mais influentes organizações de defesa de direitos humanos do mundo.

Como a senhora avalia o plano apresentado pelo ministro da Justiça Alexandre de Moraes? A situação dos presídios parece ser urgente, o plano atende às expectativas?

Primeiro tenho que apontar que o ministro atacou algumas questões que são urgentes de serem resolvidas, como a quantidade excessiva de presos que ainda não têm julgamento. Isso é urgente! Outras medidas, como aumentar a quantidade de agentes de custodia, fazer uma força tarefa de defensores públicos para lidar com situações que já deveriam estar resolvidas, tudo isso é importante e foi anunciado. Encontramos casos de presos que poderiam estar livres há mais de 10 anos, mas ainda estavam no presídio. No entanto, a questão da falta de controle sobre o sistema carcerário é emergencial. O Estado precisa retomar o controle desses estabelecimentos. As mortes em Roraima criaram outra crise, mais uma vez, quatro dias depois do que aconteceu no Maranhão e isso reforça, mais uma vez, a absoluta falta de controle do Estado sobre os presídios. Esse mesmo presídio, em Roraima, já teve pelo menos 10 mortes em outubro do ano passado e isso se repetiu agora.

O Estado não tem o controle dos presídios, mas também não admite que eles estão sob domínio das facções. Como é essa situação?

O ministro falou que não foi uma briga de facções, que eram mortes decorrentes de rivalidade dentro da própria facção criminosa, porque os presos são separados por facção nesse presídio. Pode ser, mas como eles ainda conseguem matar uns aos outros? Mesmo que não sejam facções diferentes, alguns presos não podem conseguir matar a outros. A responsabilidade pela segurança de quem está na penitenciária é do Estado, mas o sistema está no controle dos próprios presos. Faltaram, no plano, menções em relação à investigação dessas mortes, é necessário que os órgãos conversem mais, é responsabilidade de todo mundo fazer que isso não aconteça de novo. Inclusive as autoridades públicas. Por outro lado, foi positivo ele citar que não basta construir presídios ou transferir os presos, é necessária uma mudança estrutural.

Muitos especialistas dizem que a maneira como os presídios estão organizados contribui para que os presos façam parte de organizações criminosas. É isso mesmo?

O indivíduo que vai preso, se não faz parte de uma facção, se vê compelido a isso. Ele se “associa” como forma de buscar sua segurança e da família fora do presídio, mas essa seria a obrigação do Estado, que tem abdicado por anos da responsabilidade de controlar a ordem e garantir a segurança que estão sob sua custódia, e isso é muito grave. Se o Estado não confere essa segurança, os próprios membros da facção se oferecem para prover. Fizemos um trabalho em Manaus concluímos que a própria ausência direta e indireta do Estado contribuía para o recrutamento de novos membros para as facções. Quando os indivíduos davam entrada na prisão, o próprio Estado perguntava para qual facção ele pertencia para que eles fossem divididos dentro do presídio. Além disso, por muito tempo não se disponibilizou ambientes neutros no presídio, o que ajudaria a conter esse crescimento das facções.

De maneira geral, o plano de segurança do governo federal é uma resposta efetiva para o problema dos presídios?

Acho que o plano é uma resposta, mas não é suficiente. É preciso ter um comprometimento de outros órgãos que são responsáveis pela segurança pública, como o Ministério Público e a própria Justiça. Ele também deixou de tocar em alguns pontos importantes, como a política antidrogas extremamente retrógrada que tempos no país. Hoje, mais que 60% das mulheres presas respondem por crimes relacionados às drogas, e 30% dos homens. Isso precisa ser revisto, não estava no discurso dele, mas é fundamental que esteja. Outra coisa essencial é a viabilização de reais possibilidades de ressocialização. Hoje, apenas 10% dos presos têm uma atividade educacional dentro do presídio e apenas 16% têm possibilidade de trabalho. Ou seja, não adianta reduzir o número de presos provisórios ou aumentar a pena de criminosos mais perigosos, como o ministro falou que quer fazer, se as pessoas não têm reais oportunidades de fazer outra coisa que não tramar outros crimes enquanto estão na prisão.

Uma das medidas anunciadas é reduzir o número de presos provisórios. Assim, fica claro que até para o ministério da Justiça a grande quantidade de encarceramento é um dos problemas que causa a crise nos presídios. Como combater isso?

O superencarceramento colabora muito para o que está acontecendo. Em partes, o conservacionismo do judiciário na aplicação das penas agrava o problema. Construir mais presídios não é a única solução, porque logo todos estarão lotados. O judiciário vai continuar prendendo pessoas independentemente do crime que cometeram porque acha que a reclusão é a saída para o problema da segurança pública, mas isso não tem funcionado até hoje e não significa que vai funcionar daqui para a frente.

Como a senhora enxerga a fala do presidente Michel Temer, que classificou o caso ocorrido em Manaus como um acidente?

A palavra acidente é muito infeliz, se ele demorou tanto para falar, então poderia ter se preparado melhor. Acidente é imprevisto, e a tragédia em Manaus foi anunciada. Em todo o país, o número de presos é excessivo, a capacidade carcerária já foi ultrapassada há muito tempo, e o nível de descaso gera um ambiente de absoluta violência nas prisões. Inclusive, nos presídios que são gerenciados pela iniciativa privada, a situação tende a ser pior, porque a qualificação dos agentes penitenciários e as condições de trabalho deles são piores. A gente verificou situações em que os agentes têm salários mais baixos que agentes públicos. Existe ainda o medo de realizar um trabalho que traz perigos e as péssimas condições de serviço trazem uma rotatividade enorme de pessoas na profissão, porque a situação é hostil. E a gente ainda discute algumas medidas, inclusive apoiadas pelo governo, como a redução da maioridade penal, para que mais pessoas ingressem nesse sistema penitenciário falido e indigno. No longo prazo, a gente precisa investir na recuperação de jovens. É isso que impactará na questão prisional no futuro.

Acompanhe tudo sobre:EntrevistasExame Hoje

Mais de Brasil

Como o FGTS surgiu?

Incidentes cibernéticos em sistemas do governo dobram no primeiro semestre de 2024

Luciano Hang é condenado à prisão pela Justiça do RS por ataques a arquiteto

Com atraso, abrangência menor e sem Lula, governo lança programa Voa Brasil para aposentados de INSS

Mais na Exame