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MPs incentivam invasão de terras na Amazônia, diz analista do ISA

Em entrevista, Ciro Campos, do Instituto Socioambiental, explica como as Medidas Provisórias 756 e 758 vão afetar a Amazônia

CIRO CAMPOS: Especialista fala sobre medidas provisórias que avançam no Congresso e colocam em risco a Amazônia / Divulgação
IS

Isabel Seta

Publicado em 31 de maio de 2017 às 11h01.

Última atualização em 23 de junho de 2017 às 14h56.

Em meio à crise política, medidas polêmicas relacionadas sobre áreas de conservação ambiental avançam no Congresso. Na última terça-feira 23, apenas uma semana depois da aprovação na Câmara, o Senado ratificou duas Medidas Provisórias (MPs) que reduzem áreas de proteção ambiental no estado do Pará e agora seguem para sanção ou veto do presidente Michel Temer.

As MPs em questão, a 756 e a 758, alteram os limites da Floresta Nacional do Jamanxim e do Parque Nacional do Jamanxim, na região de Novo Progresso (PA), transformando 486 mil hectares (37% do total) em Área de Proteção Ambiental (APA). A crítica ao projeto é que as APAs possuem regras de proteção ambiental menos rígidas, o que poderia facilitar a regularização de terras griladas e aumentar grilagem e o desmatamento de áreas protegidas.

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Na semana passada, dez pessoas foram mortas em ação da polícia no município de Pau D’Arco, também no Pará. EXAME Hoje entrevistou o analista socioambiental Ciro Campos, do Instituto Socioambiental (ISA), sobre os possíveis efeitos das medidas do governo federal e sobre a escalada da violência em conflitos por terra.

As MPs podem mesmo incentivar o desmatamento e a grilagem de áreas protegidas? Como?

Estudos mostram que a redução de unidades de conservação aumentam em 50% a taxa de desmatamento em relação ao período anterior à redução, e isso foi demonstrado pelo Imazon [instituto de pesquisa cuja missão é promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia]. Essa forma de redução que transforma de Parque Nacional ou Floresta Nacional para Área de Proteção Ambiental (APA) é uma diminuição total. No mapa, fica claro o que significa uma APA na Amazônia.

Qual a diferença entre uma uma Floresta Nacional (Flona), um Parque Nacional e uma APA?

A diferença principal é que Parque e Flona são terras públicas, são terras da União. Na APA, a terra é privada, então pode ser regularizada, negociada ou vendida. A APA também pode permitir o desmatamento legal para a instalação de pastagens e para outras atividades econômicas.

O governo afirma que a ideia das MPs é acabar com um conflito de terra local e regularizar a posse de pequenos produtores rurais. Qual é a visão do ISA sobre isso? Quem se beneficia com essa mudança?

A mudança beneficia tanto as famílias que realmente têm direito, porque chegaram lá antes da criação da unidade de proteção ambiental, como também beneficia os ocupantes que chegaram depois da unidade, pessoas que estão desmatando grandes áreas com a finalidade de lucrar com a posterior regularização e venda da terra. Isso já foi bem demonstrado pelo Ibama e pela Polícia Federal, com várias operações que vem acontecendo desde 2008, como a Boi Pirata, a Castanheira, Rios Voadores e outras. É uma região que está sobre influência do crime organizado, a máfia da madeira, das terras e do garimpo, que vai ser capitalizada por essa medida porque vão poder regularizar áreas griladas e vender para financiar novas ocupações ilegais. Segundo informações que recebemos esta semana do ICMBio, já foi iniciado um processo de invasão nessas áreas. A simples aprovação dessas medidas no Congresso já foi combustível para novas invasões que visam a regularização posterior. E mais, o Pará alega que está engessado, sufocado, pela quantidade de terras sob proteção ambiental, mas o Pará é apenas o quinto estado nesse quesito. Se o Pará acha que pode reduzir as áreas protegidas porque está engessado, isso pode dar o exemplo para Amazônia, Roraima, Amapá, Acre, praticamente todos os estados da Amazônia, e criar um baque em série que poderia atingir até 6 milhões de hectares protegidos.

Na semana passada, 10 posseiros foram mortos pela polícia no Pará, resultado de conflitos de terra. Antes disso, em abril, 10 pessoas foram assassinadas em um assentamento no interior do Mato Grosso. Estamos vivendo um aumento da violência no campo?

Sim. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de assassinatos vem aumentando desde 2014. De 36 assassinatos em 2014 passamos para 50 em 2015, 61 em 2016 e 26 assassinatos até maio deste ano.

O que explica essa escalada na violência?

O governo está emitindo um sinal de que o crime compensa, que vale a pena invadir e grilar áreas públicas que depois eles vão ser recompensados.

Alterar a legislação ambiental é uma opção para resolver esses conflitos?

Só para ampliar os conflitos. Essas MPs já estão causando a invasão de novas áreas pela sensação que vale a pena invadir para regularizar. O governo está incentivando os conflitos no campo.

O que poderia ser feito para resolver esses conflitos?

Eles poderiam excluir do desenho da unidade de proteção apenas as áreas das propriedades legítimas. Existem estudos desde 2009 mostrando quem estava e quem não estava antes da criação da área. O correto é o governo realizar alterações exclusivamente para quem já estava lá. O problema é que o desenho que está sendo feito não se restringe às ocupações, mas sim à toda área. A desproteção vai muito além do que o necessário. O objetivo do governo era viabilizar a construção de uma estrada de ferro, a 170 [conhecida como Ferrogrão]. Mas o tamanho da área destinada para a construção não atingia nem 1000 hectares, eram 862 hectares. Agora, aumentaram o tamanho da área em 120 vezes, é um aumento criminoso, numa área que está precisando ser protegida.

Há outros projetos fortalecidos pela bancada ruralista no Congresso que afetam a Amazônia?

Sim, além desses projetos da redução da unidade de conservação, também tem a mudança da lei de licenciamento ambiental, que simplesmente isenta as obrigações de licenciamento para o setor da agropecuária. É uma lei geral de licenciamento, muito grande, no nível do Código Florestal. Ela versa sobre todos os cuidados que precisam ser tomados para atividades econômicas, como uso de agrotóxicos, barragens, etc. E tem ainda a MP 759, destinada sob medida para regularizar as terras públicas ocupadas ilegalmente, as terras griladas, porque reduz as exigências para a regularização, acaba com os requisitos ambientais, aumenta a área de 1.500 para 2.500 hectares, e ainda permite que pessoas jurídicas regularizem áreas, resultando em um mesmo dono com muitas áreas. Com ela, será possível regularizar uma área como pessoa física e várias como pessoas jurídicas. Essa MP foi aprovada pela Câmara e, nesta semana, vai à votação no Senado.

 

A legislação atual é suficiente para conter o avanço no desmatamento? O que precisa ser feito?

A legislação atual é boa. O que precisa é fortalecer os órgãos que precisam zelar pelo cumprimento da lei. O que está acontecendo é justamente o contrário: é enfraquecimento, diminuição de pessoal e orçamento e redução da capacidade do poder público de atuar ao longo das rodovias que cortam a Amazônia.

Para além da questão ambiental, quais os outros efeitos dessas MPs?

A forma encontrada para alterar as unidades de conservação, via medida provisória, traz insegurança jurídica para a construção da Ferrogrão, porque a Constituição determina que a alteração de unidades de conservação só pode ser feita por lei específica, então podemos ter uma judicialização da Ferrogrão antes mesmo do início da obra. Eu acho que o que deveria interessar ao setor do agronegócio era começar essa obra, que eles consideram tão prioritária, de maneira correta, e não desse jeito que só gera insegurança jurídica para o investimento.

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