Brasil

O brasileiro está mais alerta sobre fake news — mas ficou paranoico

Oito em cada dez brasileiros dizem que notícias falsas são um problema grave. Quase nenhuma instituição escapou da onda de desconfiança

Carolina Riveira
Carolina Riveira

Repórter de Economia e Mundo

Publicado em 11 de agosto de 2021 às 06h00.

Última atualização em 10 de abril de 2023 às 10h39.

Redes sociais: com alguns anos de uso massificado no Brasil, os brasileiros aprenderam a questionar informações online (Tunahan Turhan/SOPA Images/LightRocket)

Era 2016 quando a equipe do Dicionário Oxford elegeu "pós-verdade" como a palavra do ano — um conceito em que os fatos, por vezes, têm menos influência do que emoções e crenças pessoais.

Meses antes, o mundo passara por reviravoltas profundas, como o referendo do Brexit que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia ou a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, tendo como um dos combustíveis as notícias falsas e negação dos fatos crescendo como nunca nas redes sociais. O Brasil, com a expansão do acesso à internet somada à crise política, também viveria seus próprios episódios de turbulências.

De lá para cá, o cenário mudou, e a dinâmica das redes sociais não é mais grande novidade.

Mas novos dados sobre o patamar de confiança dos brasileiros mostram que o tema da desinformação, definitivamente, não foi um debate passageiro, tendo se tornado central para a população.

Oito em cada dez brasileiros (79%) consideram a disseminação de notícias falsas, as chamadas "fake news", como sendo um problema grave, segundo pesquisa dos institutos IDEIA e Vero, que entrevistaram 2.000 pessoas em todo o país em julho.

A fatia é maior entre os sem religião e os com ensino superior (88%), mas se mantém alta entre todos os grupos socioeconômicos e todas as regiões. Facebook e WhatsApp também foram os canais percebidos como mais impactados por notícias falsas dentre as redes sociais.

"Há cinco anos, não haveria esse grau de preocupação com as fake news", diz o pesquisador Maurício Moura, fundador do IDEIA e um dos organizadores da pesquisa, obtida em primeira mão pela EXAME. "As fake news passaram a ser um tema na sociedade, e o próprio termo se popularizou."

O inimigo está em todo lado

A atenção às "fake news" mostra que o brasileiro está cada vez mais ciente de que a desinformação é um problema, o que é positivo.

Nos primórdios da internet, seria mais fácil enganar um interlocutor com informações deliberadamente falsas e pouco elaboradas, diz Caio Machado, diretor executivo do Instituto Vero e pesquisador da Universidade de Oxford, do Reino Unido.

"As pessoas foram aprendendo um pouco 'na marra' com o passar do tempo, e hoje têm mais ciência de que precisam questionar a informação que recebem", diz.

Mas o consenso para por aí. A desconfiança constante trouxe também um desafio adicional: uma descrença generalizada nas fontes de informação. Isso é quase tão perigoso quanto receber notícias falsas sem questioná-las, diz Machado. Com o "pé atrás" que o brasileiro desenvolveu nos últimos anos, mesmo instituições que deveriam ser críveis passaram a ser negadas — incluindo a própria democracia.

Quase ninguém escapa das interrogações. Os graus de confiança na imprensa, nos governos, no judiciário, na polícia ou nas universidades não passam de um terço dos entrevistados.

"A trama que mantém a sociedade coesa é a confiança, seja no seu vizinho ou no representante eleito. Sempre há um grau de desconfiança, claro; mas quando isso aumenta e chega a um nível intolerável, a sociedade começa a se desfacelar", diz Machado, que é especialista em desinformação online.

"Criou-se uma lógica de o tempo todo você estar exposto a um perigo, a um inimigo."

(Arte/Exame)

A pandemia mostrou o auge desse problema. Em meio à maior crise dos últimos 100 anos, muitos brasileiros não viram as fontes oficiais como seguras, ao mesmo tempo em que foram bombardeados por desinformação na internet — nesta terça-feira, 10, por exemplo, o Facebook tirou do ar uma rede de perfis que espalhava negacionismo sobre vacinas, incluindo no Brasil.

Quando questionados sobre a principal fonte de informação sobre o coronavírus, só 9% apontaram o governo federal, e fatia menor ainda (4%) se informou majoritariamente por governos estaduais e municipais ou via Legislativo (1,4% - veja no gráfico acima).

Quando a pergunta foi especificamente sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro, seis em cada dez brasileiros (60%) também dizem não confiar nada ou confiar pouco no governo.

A "antipolítica" resiste

A desconfiança geral intensifica ainda outra característica histórica da população, que é a aversão à política institucional ou partidária. Há um grau relativamente alto de brasileiros que se dizem interessados por política, mas o número não se reflete em uma ideologia clara.

Cerca de 67% da população diz estar interessada em política (dos "às vezes" interessados aos "extremamente" interessados). No grupo com ensino superior, a fatia de interessados sobe e vai a 77%.

Na outra ponta, somente pouco mais da metade dos brasileiros (54%) afirma ter alguma posição política, seja ela de esquerda, direita ou centro. Esquerda e direita estão empatadas na casa dos 20% dos eleitores cada, e o centro vem atrás, com 10%.

"Culturalmente no Brasil, quando alguém define posição política, é como se passasse um recibo de que é manipulado, que tem segundas intenções. É um pouco da nossa cultura também, essa visão de que a política é sempre ruim", diz Machado.

(Arte/Exame)

Antes de momentos como a operação Lava-Jato, que estourou sobretudo a partir de 2015, e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, o número de brasileiros "em cima do muro" estava na casa do um terço, e já era alto, diz Moura, do IDEIA.

"Em um país onde metade da população não tem posição, sobra mais espaço para apelos personalistas dos candidatos, independentemente das propostas de fato."

Espalhar é fácil, apagar é difícil

Os mais informados tendem a se posicionar mais politicamente, em todos os espectros políticos. Do grupo que se diz "muito interessado" por consumir notícias, a média dos que definem posição política é maior do que a nacional (65%) — e o grupo se espalha da esquerda à direita.

O desafio é que, em um cenário de polarização, o interesse por informação tende a ficar limitado em consumo de notícias com o chamado "viés de confirmação", comportamento que é intensificado pelos algoritmos das redes sociais.

"Vender isenção não é comercialmente viável. As pessoas consomem cada vez mais um nicho", diz Moura. "As que se dizem mais politizadas acabam sendo as que também alimentam o viés de autoafirmação, se interessando somente por aquilo que confirma o que pensam."

A vida nas bolhas online gera ainda um grupo peculiar no contexto da desinformação: pessoas que, mesmo sabendo estar compartilhando uma informação potencialmente falsa, seguem espalhando uma mentira que corrobore um ponto político.

É o caso de 21% dos brasileiros, que admitiram ter alguma vez compartilhado uma notícia política mesmo suspeitando que a informação não fosse verdadeira. 

"O que leva essas pessoas a, na prática, toparem espalhar uma mentira? É um grupo que chegou a um nível tamanho de animosidade que aceita inclusive violar seus valores em busca de um fim político", diz Machado.

Há ainda os que só descobriram ter repassado informações falsas posteriormente. Desse grupo, no entanto, 68% ou não avisaram depois que a informação era falsa ou avisaram, mas sem enviar a informação correta — outra mostra de como espalhar notícias falsas é, ainda, muito mais rápido do que consertar o estrago.

"A gente está avançando, mesmo que informalmente, no conhecimento de mídia por parte da população, que foi usando e aprendendo", completa Machado. "Mas há ainda desafios que não conseguimos resolver somente com educação midiática ou com os acordos políticos-sociais que temos hoje".

Do setor público ao privado, a crise de confiança brasileira está posta. E, assim como um tecido esgarçado, o país precisará encontrar formas de emendar os fios rompidos para poder continuar a avançar.

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