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Brandão, da TI: Países contra a corrupção

Carol Oliveira A Operação Lava-Jato conseguiu deixar claro que a corrupção não existe só no Brasil – e que uma mesma empresa, como a empreiteira Odebrecht, consegue atuar com pagamento de propinas em diferentes países. Uma investigação transnacional já começa a se delinear. Em procuradores de dez países vieram a Brasília para uma reunião com o Procurador-Geral […]

BRUNO BRANDÃO: Especialista em combate à corrupção fala das vantagens e desvantagens da cooperação internacional em investigações / Divulgação

BRUNO BRANDÃO: Especialista em combate à corrupção fala das vantagens e desvantagens da cooperação internacional em investigações / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 21 de março de 2017 às 21h06.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h10.

Carol Oliveira

A Operação Lava-Jato conseguiu deixar claro que a corrupção não existe só no Brasil – e que uma mesma empresa, como a empreiteira Odebrecht, consegue atuar com pagamento de propinas em diferentes países. Uma investigação transnacional já começa a se delinear. Em procuradores de dez países vieram a Brasília para uma reunião com o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. A Transparência Internacional, que atua no combate à corrupção pelo mundo e vem acompanhando de perto a Lava-Jato, a cooperação pode criar “novos precedentes para a cooperação jurídica na região”. Em entrevista a EXAME Hoje, o coordenador da organização no Brasil, Bruno Brandão, falou sobre medidas que Brasil e latino-americanos deveriam adotar para evitar novos casos como o da Odebrecht.

Na reunião com Janot, os procuradores latino-americanos assinaram a “Declaração de Brasília sobre a cooperação jurídica internacional contra a corrupção”, para criar equipes conjuntas de investigação. Como vai funcionar essa cooperação entre os países e por que ela é importante?

Isso tem uma importância muito grande, porque vai além da troca bilateral de inteligência. A equipe conjunta é como se fosse uma grande força-tarefa, só que internacional, envolvendo procuradores e policiais de dois ou mais países. Um dos ganhos em cooperação internacional foi a evolução tecnológica: hoje os procuradores conversam o tempo inteiro por WhatsApp, Telegram. Claro, essas informações trocadas, para servirem judicialmente, tem de ser homologadas e vir por vias legais. Mas com uma equipe conjunta instaurada, eles não estão só trocando informação, mas também traçando e executando estratégias de atuação de forma permanente.

É comum que o Brasil coopere com as Justiças de outros países?

Esse instrumento já é usado amplamente no âmbito da União Europeia e é recomendado por várias convenções internacionais contra a corrupção. Mas recentemente na América Latina só foi usado uma vez, numa cooperação entre o Ministério Público do Brasil e da Argentina para investigar crimes cometidos na Operação Condor, durante a ditadura. Essa é a única experiência mais consistente que me recordo. Mas o Brasil tem avançado muito nisso, e a cooperação internacional foi um dos fatores que possibilitaram o sucesso da Lava Jato. Para organizar essa cooperação no Brasil, temos dois órgãos: um vinculado ao Ministério da Justiça e outro vinculada à PGR. Às vezes há até uma certa “disputa” entre as instituições nesse sentido. Esse acordo de cooperação para a Lava-Jato pode criar um novo paradigma de cooperação jurídica na América Latina, que pode servir para vários outros casos, como organizações de narcotráfico, controle de fronteiras e crime transnacional.

Dentre os países afetados pelos esquemas de propina da Odebrecht, o Brasil é o que tem as investigações mais avançadas? 

Essa independência e competência que têm mostrado as instituições brasileiras no caso Lava-Jato é um ponto fora da curva, que está longe de ser realidade na maioria dos países. As autoridades de vários países só se mobilizaram mesmo quando o caso veio a público como veio, com divulgação ampla dos Estados Unidos. Tendo acesso total a essa informação, as autoridades começaram a reagir para dar uma resposta. E a criação de uma equipe conjunta de investigação pode ajudar a acabar com essa inércia das autoridades dos países afetados.

Existe algum ponto negativo em compartilhar informações?

Sim. Uma equipe conjunta também apresenta riscos. Afinal, estão sendo compartilhadas informações sensíveis das investigações. Quem garante que uma autoridade da Venezuela, do Peru ou da República Dominicana não está usando informações para extrair inteligência e beneficiar autoridades locais investigadas? Com esse acesso, é possível gerar meios de blindar os políticos locais, por exemplo.

A Transparência Internacional publicou cinco princípios que, na visão da instituição, devem nortear investigações de corrupção como a Lava-Jato. Uma delas é a transparência das investigações. A organização é a favor do fim do sigilo nos depoimentos de delação?

O parâmetro é: fazer uma análise do que é sensível para as investigações e ver o que pode comprometer o andamento das investigações. Tudo aquilo que não for comprometedor deve ser franqueado, por prática padrão. O padrão é a transparência e o acesso à informação. Mas não adianta só liberar, tem que ser feito de forma ampla e organizada, num formato adequado jornalistas, ativistas e todos entenderem.

A Odebrecht vai pagar uma multa recorde, de 6,9 bilhões de dólares, a Brasil, Estados Unidos e Suíça. Os depoimentos de delatores da empreiteira no Brasil são extremamente importantes para as investigações, e acordos de leniência já estão sendo fechados em outros países. Esses acordos terão o mesmo valor que tiveram aqui?  

Esse é um ponto muito pouco discutido. No Brasil, a Odebrecht só conseguiu acordo depois de quase três anos de investigação. Temos que lembrar que, há um ano, a empresa ainda negava tudo e tentava dificultar as investigações. Essa mudança de postura foi recente, e só foi possível porque a empresa estava cercada de provas – foi preciso mudar de estratégia. Nos outros países (como República Dominicana, Panamá, Colômbia), a Odebrecht está fechando acordo sem que nenhuma investigação completa tenha sido feita. Nem se sabe a dimensão dos crimes cometidos. O princípio central de um acordo de leniência é obter informação nova para avançar uma investigação, não é só para pagar multa ou compensar o suposto dano. Pelo grau de pouca independência das autoridades e instituições nesses países, nos preocupa que os acordos sejam apenas uma maneira de acalmar a opinião pública e parar as investigações.

A Transparência defende a punição não somente de empresas e pessoas físicas, mas também de instituições financeiras que participaram dos esquemas. Qual o grau de participação de órgãos como o BNDES nesses casos?

Instituições como o BNDES têm de se perguntar qual o grau de responsabilidade de um banco público que financia empresas corruptas. Mesmo que não tenha havido nenhum crime dentro da instituição, é um chamado de atenção importantíssimo para melhoria das práticas. É preciso conhecer o cliente; não se emprestar dinheiro para narcotraficante, por exemplo. Não se pode emprestar para empresas corruptas com juros subsidiados, vindos do contribuinte. Tem que reformular as práticas e punir os responsáveis.

A Lava-Jato pode ser um marco que levará a mudanças nas práticas de instituições brasileiras, tanto públicas quanto privadas? O que é preciso fazer para que um esquema como esse não volte a se repetir?

Em nenhum país se viu grandes mudanças na corrupção apenas com ações isoladas. Sempre é uma combinação de reformas, progresso institucional e uma sociedade cada vez mais livre, atuante, informada. Esses fatores podem ajudar na identificação e punição dos responsáveis. A transparência é um elemento central, que facilita o controle político, do mercado, do adversário. A transparência dá mais “olhos” para a população. Mas também não funciona sozinha se não tiver um comportamento de integridade enraizado, e um Sistema Judiciário que dê respostas. Tem que efetivamente punir, não adianta identificar os culpados e eles não serem punidos. Com impunidade, nada muda.

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