Bolsonaro atuou "com sadismo" promovendo atos, diz presidente da OAB
Orientado a ficar em isolamento até refazer testes para o coronavírus, Bolsonaro cumprimentou apoiadores que se manifestavam no Palácio do Planalto
Estadão Conteúdo
Publicado em 15 de março de 2020 às 17h50.
Última atualização em 15 de março de 2020 às 17h57.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro atentou contra a democracia neste domingo, 15, ao promover as manifestações pró-governo em meio à pandemia de coronavírus no País. "Com requintes de sadismo", completou Santa Cruz.
"O pensamento egoísta de quem não se considera no grupo de risco parece incapaz de ultrapassar o raciocínio mais básico de que ninguém é uma bolha; e que todos cercamos pessoas para as quais a contaminação pode, sim, representar mais que uma gripe qualquer", afirmou. "As renúncias que este momento exige são uma demonstração de compromisso com o coletivo".
Orientado a ficar em isolamento até refazer testes para o coronavírus, Bolsonaro cumprimentou apoiadores que se manifestavam no Palácio do Planalto. O presidente chegou a usar o telefone celular de algumas pessoas para tirar selfies ao lado delas, além de cumprimentá-las com as mãos abertas. Em alguns momentos, chegou a colar o rosto ao de apoiadores para fazer fotos.
Além de participar do ato em Brasília, Bolsonaro passou o dia compartilhando vídeos e fotos sobre as manifestações no Twitter. Em uma delas, era possível ler faixas 'Fora Maia ', em referência ao presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), 'Fora STF' e 'SOS Forças Armadas'. Bolsonaro identificava a imagem como sendo de Maceió, Alagoas. A foto foi apagada da conta de Bolsonaro.
Santa Cruz escreveu que a promoção dos atos por parte de Bolsonaro "dolosamente aumenta o risco de um pico de contágio pelo coronavírus ". "Em um momento de união e prudência, todas as instituições estão se reunindo para suspender eventos, encontros e reuniões, cujas importâncias ficam absolutamente relativizadas diante do interesse maior de proteger nossa população e nosso sistema de saúde".
Bolsonaro x Santa Cruz
Bolsonaro e Santa Cruz têm um histórico longo de desavenças. Tudo começou em 2011, quando o então deputado federal afirmou em palestra na Universidade Federal Fluminense (UFF) que Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente da OAB, teria morrido "bêbado" após pular o carnaval. Militante do grupo "Ação Popular", Fernando foi preso pelo governo em 1974 e nunca mais foi visto.
À frente da OAB-Rio, Felipe iniciou movimento em 2016 para pedir ao Supremo Tribunal Federal a cassação do mandato de deputado federal de Jair Bolsonaro por "apologia à tortura". Ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, o então parlamentar fez uma homenagem a Carlos Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi de São Paulo, centro de tortura durante a ditadura.
No ano passado, já presidente, Bolsonaro falou que poderia "contar a verdade" sobre como o pai de Felipe Santa Cruz desapareceu na ditadura militar.
"Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade", disse. Bolsonaro questionava a atuação da OAB ao falar das investigações sobre Adélio Bispo, responsável pela facada contra o presidente em 2018. Adélio foi considerado inimputável pela Justiça por transtorno mental. O presidente não recorreu.
Em resposta na época, Santa Cruz afirmou que as declarações de Bolsonaro demonstravam "crueldade e falta de empatia". "Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro - e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos", diz.
Deputados criticam participação
Deputados criticaram a atitude do presidente Jair Bolsonaro de ter participado da manifestação pró-governo na área externa do Palácio do Planalto, interagindo com manifestantes. "As consequências do ato de Bolsonaro hoje vão além do ataque à democracia. Trata-se de uma irresponsabilidade sem tamanho, uma ameaça à vida das pessoas, expostas a um vírus que tem matado milhares ao redor do mundo", o líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ).
O presidente da comissão que trata da segunda instância na Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM) disse que a participação do presidente hoje ao Palácio do Planalto mostra falta de compromisso com a agenda econômica. "Deixa claro que ele não tem nenhuma responsabilidade com a agenda econômica do país. Se estivesse, estaria procurando unir o povo em torno dela e não dividir o povo em torno de pautas antidemocráticas e secundárias", disse Ramos.