Luís Roberto Barroso: "É estatística que traz constrangimento e desprestígio para o STF" (Antonio Cruz/ABr/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 31 de maio de 2017 às 19h55.
Última atualização em 31 de maio de 2017 às 20h36.
No início do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode limitar o alcance do foro privilegiado, o autor da proposta ministro Luís Roberto Barroso, apresentou em seu voto a tese segundo a qual "o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionado às funções desempenhadas".
O julgamento foi suspenso devido ao horário e retorna na próxima sessão, marcada para esta quinta-feira, 1º.
Barroso propôs também que, mesmo se alguma autoridade assumir ou deixar um cargo que lhe garanta foro especial, nenhuma ação penal deverá mudar de instância se a produção de produção de provas já estiver sido concluída e restar apenas a apresentação das alegações finais.
Citando dados da Secretaria de Gestão Estratégica do STF, Barroso disse que 37 mil autoridades têm de foro privilegiado.
O ministro disse que há mais de 500 processos na Corte envolvendo mais de 1/3 do congresso nacional.
"Segundo dados da Secretaria de Gestão Estratégica, já prescreveram mais de 200 processos. Portanto é estatística que traz constrangimento e desprestígio para o STF", afirmou o ministro.
Atualmente, o que define a prerrogativa de foro privilegiado é o cargo ocupado, independentemente do momento em que o ato ilícito for praticado.
Barroso citou números da FGV, segundo os quais o Supremo ficaria com apenas 10% dos processos que atualmente têm.
"O sistema é ruim, funciona mal, traz desprestígio ao Supremo, traz impunidade. Eu penso que a impunidade em geral no Brasil decorrente de um sistema punitivo ineficiente de uma maneira geral fez com que o direito penal perdesse no Brasil o seu principal papel, que é o de funcionar como prevenção geral. As pessoas não praticam crimes pelo temor muitas vezes de que vão sofrer uma consequência negativa", disse.
Boa parte do voto de Barroso foi dedicada a argumentar que o Supremo tem a competência para restringir a interpretação da Constituição, no caso, sobre o foro.
O ministro citou precedentes do Supremo neste sentido, inclusive, em relação à limitação da imunidade material concedida a parlamentares.
Barroso afirmou que há uma mudança na realidade em relação a 1988, quando a Constituição previu a ampliação do número de autoridades com foro.
Também ressalta o papel do Supremo como Corte Constitucional, e não como local para processos penais em primeiro grau.
"Tudo que faz com que a Justiça funcione mal, tudo que desprestigie o que a gente simboliza e o que a gente faz, deve ser revisitado. A interpretação constitucionalmente adequada do instituto do foro é aquela que o restringe aos atos praticados no cargo e em razão do cargo, e isso não só é compatível mas acho que é o que decorre da constituição à vista da realidade fática que reveste o julgamento destas ações", disse Gilmar.
"A norma se destina a proteger a independência e não a acobertar crimes que não guardam qualquer relação com o exercício do mandato", diz Barroso.
O ministro também chamou de "anomalia" o fato de o plenário do Supremo ter levado 69 sessões sobre o Mensalão.
Segundo Barroso, há no STF mais de 800 agentes com prerrogativa de foro, incluindo o Presidente da República, o vice-presidente, 513 deputados e 81 senadores.
"Há também os atuais 31 ministros de estado, os 3 comandantes militares, 90 ministros de tribunais superiores, 9 ministros do Tribunal de Contas da União, 138 chefes de missão diplomática em caráter permanente", disse.
Seriam 30 mil detentores de prerrogativas em Tribunais de Justiça estaduais e Tribunais Regionais Federais.
Em manifestação no julgamento, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, concordou com Barroso e disse que, se a redução não acontecer, o número de processos criminais envolvendo parlamentares e autoridades do governo poderá inviabilizar o funcionamento do Supremo Tribunal Federal.
"A prerrogativa do foro visa garantir o exercício do cargo ou do mandato e não proteger a quem o exerce", afirmou. Janot disse ter "absoluta certeza" que se não houver "mudanças de paradigmas" no julgamento que ocorre nesta quarta-feira, 31, o STF terá que voltar ao tema em breve por uma questão prática.
Para o procurador-geral da República, "o aumento exponencial de denuncias criminais irá inviabilizar o regular funcionamento da corte em breve espaço de tempo".