Plenário da Alerj: encontro reuniu promotores do MPE, representantes da Polícia Civil, especialistas em segurança pública, deputados, sociedade civil organizada e parentes de desaparecidos (Thaisa Araújo/Alerj)
Da Redação
Publicado em 13 de agosto de 2013 às 18h28.
Rio de Janeiro – Um manequim coberto por um véu e manchas vermelhas simulando sangue chamava a atenção das pessoas que passavam pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), no centro da capital fluminense, na manhã de hoje (13).
O boneco sem rosto portava cartazes, também borrados de tinta vermelha, denunciando os 5.934 desaparecidos em 2012 em todo o estado, conforme levantamento do Instituto de Segurança Pública (ISP).
O ato foi organizado pela Anistia Internacional e pela organização não governamental (ONG) Rio de Paz e continuou no interior da Alerj, com mais um manequim e jovens com roupas sujas de tinta vermelha, na audiência pública sobre desaparecidos no Rio de Janeiro.
O encontro reuniu promotores do Ministério Público Estadual, representantes da Polícia Civil, especialistas em segurança pública, deputados, sociedade civil organizada e parentes de desaparecidos.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, Marcelo Freixo, disse que a audiência pretende impulsionar ações que culminem em políticas públicas eficazes para combater o problema.
“O que buscamos aqui é uma articulação e parceria entre o Ministério Público, a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, o ISP, a Polícia Civil e a sociedade civil para qualificarmos as informações sobre desaparecimentos, termos um cadastro mais confiável e, a partir daí, um diagnóstico real do que acontece com cada um desses desaparecidos e suas famílias, que tipo de assistência e ação concreta o Estado deve ter”, disse.
“Não sabemos quantos desses desaparecidos são crianças, quantos são idosos, o que o Poder Público faz sobre isso. Quantos são homicídios? Quantos retornam às suas casas? Apenas constatamos o número de desaparecidos, mas não temos um bom diagnóstico”, completou.
Parentes de desaparecidos relataram seus dramas e demonstraram indignação com o despreparo e a falta de iniciativa das autoridades competentes para lidar com o problema. Elizabeth Gomes, mulher do ajudante de pedreiro Amarildo Dias da Silva, desaparecido há quase um mês, depois de ser levado por policiais, e Izildete Santos da Silva, mãe de um menino sumido desde 2003, após abordagem policial, disseram ter sido humilhadas na delegacia quando foram fazer a ocorrência dos desaparecimentos.
“Diziam que meu filho estava com mulheres, que tinha ido trabalhar”, disse Izildete. “Não procuraram meu filho, arquivaram meu processo. Pegaram meu outro filho deram uma surra nele, quase o mataram, disseram que iam matar meu filho especial. Tudo isso eu passei e fico vendo pela televisão acontecer as mesmas coisas”, declarou.
Para o fundador da Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, tortura, execução e ocultação de cadáver são ocorrências quase não registradas no Rio. “De 2007 a 2013, 35 mil pessoas desapareceram no estado do Rio de Janeiro e não se sabe quantas morreram, fora as pessoas que desapareceram que não tiveram registro em delegacias”. Costa disse ainda que é comum que autoridades tentem desqualificar a vítima na perspectiva de se justificar da ação criminosa, como foi o caso de Amarildo, cuja família foi acusada por um delegado de ter envolvimento com o tráfico de drogas.
Adryano Amieiro, irmão da engenheira Patrícia Amieiro, desaparecida há cinco anos, demonstrou apoio aos parentes de Amarildo e os encorajou a continuar lutando e se manifestando para descobrirem o que aconteceu com o assistente de pedreiro. “Essa é a hora que tem que falar e gritar, senão cai no esquecimento”, disse ele aos parentes.
A engenheira desapareceu na noite de 14 de junho de 2008. Ela voltava de uma festa na zona sul e ia para a casa onde morava na Barra da Tijuca. O carro de Patrícia foi encontrado no Canal de Marapendi. A perícia feita no veículo detectou vestígios de tiros. Quatro policiais militares são acusados de matar e ocultar o cadáver da engenheira, que teve morte presumível decretada pela justiça em junho de 2011.
Adeildo Rabelo Girão procura há 14 anos pelo filho. Adonias. Ele tinha 17 anos quando sumiu na zona oeste, região dominada por milícias. “Colocaram meu filho em um lugar esmo que ninguém sabe até hoje onde está. Estou cansado. É perda, é saudade, é trauma, que são acumulados nesses anos e anos. Tive problema de depressão, estou muito doente”, disse.
O pesquisador Fábio Araújo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) disse que o desaparecimento de pessoas tem ocorrido desde a época da ditadura, um método de repressão utilizado muitas vezes por integrantes do Estado, embora seja tratado como um problema doméstico, familiar na maioria dos casos.
“É preciso conhecer a dinâmica dos territórios do Rio de Janeiro, pois esses desaparecimentos estão ligados tanto à atuação da polícia, violentíssima, como das milícias e do tráfico de drogas. O que vi em minha pesquisa de campo é que ora há disputa entre esses atores nos mercadores ilícitos, ora eles trabalham colaborativamente no ato de desaparecer os corpos”, declarou. “É preciso sair das estatísticas oficiais e fazer mais pesquisas de campo sobre esses desaparecimentos”, cobrou.
O pesquisador ressaltou que há casos de parentes de desaparecidos que não fazem boletim de ocorrência por temer represália de policiais que integram milícias. O pesquisador defendeu a criação de redes de apoio psicossocial e jurídica para os parentes. “O que caracteriza o desaparecimento é não ter um corpo, a família não ter um momento de luto. É uma morte eterna, uma dor que nunca para”, completou.
Tanto Antônio Carlos Costa como Fábio Araújo declararam que a existência de cemitérios clandestinos e o despejo de corpos em rios e na Baía de Guanabara são relatados cotidianamente por moradores de comunidades pobres dominadas pelo tráfico ou pela milícia.
Dados do ISP apontam que a maioria dos desaparecidos no estado é composta por homens, jovens e solteiros, moradores de favelas e da periferia.