Rodrigo Maia: Silvio Cascione, analista para Brasil da consultoria Eurasia, diz que Maia não é “competitivo” (Reuters/Reuters)
Raphael Martins
Publicado em 24 de fevereiro de 2018 às 09h44.
Brasília – Portas fechadas. Quem procurou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na última terça-feira não o viu circular pela Casa. Os únicos indícios de que o democrata estava por ali eram o carro da Presidência estacionado na chapelaria do Congresso Nacional e alguns jornalistas na porta de seu gabinete. Pelo celular, seu inseparável parceiro, não havia resposta às mensagens. Maia estava bravo.
Enquanto os discursos na sessão do Congresso — presidida por Eunício Oliveira (MDB-CE), mas que o democrata costuma frequentar — se discutia a intervenção federal em seu estado natal, Maia mantinha-se fechado em sua sala. A irritação era visível, pontuada pelo hábito mais intenso de curvar a cabeça enquanto fala. Nas reuniões que teve ao longo da tarde, em Brasília, explicava o motivo da frustração. Não tinha gostado nada do envio da lista de projetos de lei de incentivo à economia pelo Executivo, um arremedo de 15 projetos, boa parte deles já em tramitação na Câmara. A intervenção no Rio impede a tramitação de propostas de emenda à Constituição e, por consequência, a reforma da Previdência estava oficialmente enterrada. Era uma oportunidade que o democrata tinha de ser protagonista nos projetos de auxílio que tramitavam na Câmara.
A resposta veio a galope, quando finalmente se “desencastelou” do gabinete da Presidência. “A apresentação de ontem foi um equívoco, foi um pouco de desrespeito ao Parlamento e nós vamos pautar o que nós entendemos relevante, no nosso tempo, e da forma que nós entenderemos melhor para o Brasil e para o Parlamento”, disse aos repórteres que o esperavam. “Esse é um café velho e frio, que não atende como novidade à sociedade.”
Maia está sem paciência e faz questão de mostrar na imprensa. No próximo dia 7, de outubro, o democrata indica que quer voltar às urnas, desta vez, como candidato à Presidência da República. Aliado fiel do governo até aqui, o tom de suas declarações recentes indicam uma tentativa de se afastar de Temer e dos 5% de aprovação de seu governo.
O mesmo padrão ríspido se repetiu desde o início do ano. Irritou-se escancaradamente com a entrevista dada pelo presidente Michel Temer (MDB) ao jornal O Estado de S. Paulo, em que disse que o governo federal fez “o que podia” pela reforma da Previdência. Maia sentiu que o governo queria transferir ao Congresso a responsabilidade pela não aprovação do texto, pauta que lhe interessa eleitoralmente.
Mais recentemente, o presidente da Câmara foi avisado em cima da hora a respeito da intervenção no Rio e também chiou. Perdeu, afinal, a oportunidade de ser protagonista numa ação que tem como palco seu estado natal.
Valendo-se de um enxugamento ainda mais agressivo do Estado, da defesa de reformas fiscais, como a da Previdência, e do poder que angariou como presidente da Câmara, Maia quer aproveitar a onda de maior aceitação de uma agenda pró-mercado para se colocar como alternativa de centro-direita ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e possíveis candidatos governistas, como Henrique Meirelles (PSD) e o próprio presidente da República, Michel Temer (MDB). Só falta combinar com os russos — no caso, com o eleitorado. Hoje, ele tem 1% das intenções de voto, segundo o Datafolha.
Dia 7 de outubro é uma data que traz recordações amargas ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em 2012, foi neste dia que seu maior fracasso nas urnas tomou forma: amargou o terceiro lugar na corrida para prefeito do Rio de Janeiro. Não parece mau resultado, não fosse o fato que teve 3% dos votos válidos. O vencedor em primeiro turno foi Eduardo Paes (MDB), com um banho de 64,6% das preferências do eleitorado.
Na disputa, Maia não conseguiu qualquer vantagem por ser ex-presidente de seu partido, deputado federal por quatro mandatos ou filho do ex-prefeito César Maia. O momento era péssimo para seu partido. O DEM passava por franca decadência. Entre 1999 e 2011, havia perdido enorme capilaridade regional, com redução de 105 para 43 deputados no período — hoje são 33. Paes, por sua vez, surfava como aliado da centro-esquerda, ala poderosa no pós-Lula, e no controle total do MDB do Rio no estado. São tempos anteriores à explosão da Operação Lava-Jato, que dizimou não só o PT no cenário, mas Sérgio Cabral (MDB) e companhia na região.
Em 2014, o deputado federal conseguiu seu novo mandato na Câmara dos Deputados, com pouco mais de 53.000 votos e um 29º lugar no estado. Muito à frente estavam nomes como Jair Bolsonaro (PSC-RJ), também presidenciável e que teve 464.000 votos, sua vice na campanha de 2012, Clarissa Garotinho (PR-RJ), com 335.000 votos, e Eduardo Cunha (MDB-RJ), 232.000 votos. Na lista de reeleitos, Maia foi o quinto de trás para a frente.
A campanha custou mais de 2,3 milhões de reais. Os principais financiadores foram o próprio pai, que lhe deu 284.000 reais, e o banco BMG, 550.000 reais, o mesmo acusado pelo Ministério Público de ter cometido gestão fraudulenta ao abastecer o mensalão. Vale destaque também a doação da (hoje delatora) JBS, que lhe forneceu 100.000 reais para a campanha. Não é por esta relação, contudo, que Maia está no bolo de políticos investigados pela Operação Lava-Jato. Seu nome surgiu muito antes em dois casos com empreiteiras.
De acordo com a revista Época, ele aparece em mensagens de celular trocadas com Léo Pinheiro, sócio da empreiteira OAS. Suspeita-se de caixa dois à campanha de 2014. Mas o vínculo mais conhecido é com a Odebrecht. Na famosa planilha de apelidos, Maia é chamado de “Botafogo” nas planilhas de contabilidade de propina da empreiteira e suspeito de receber 600.000 reais para campanhas. Recentemente, o jornal O Globo afirma que a Polícia Federal encontrou registros de entrada de Maia na sede da Odebrecht no Rio no mesmo dia em que o sistema Drousys, de pagamentos ilícitos, registra repasse destinado ao seu pai, Cesar Maia, apelidado do Déspota. (DEM-RJ). Maia foi à sede da empresa uma vez por ano, entre 2010 e 2013. Ele nega todas as acusações.
Foi quando a bomba da Operação Lava-Jato explodiu em Eduardo Cunha que Rodrigo Maia se tornou poderoso. Em sua primeira eleição na Câmara, venceu em segundo turno o deputado federal Rogério Rosso (PSC-DF) por 285 votos a 170. Rosso era visto como aliado de Eduardo Cunha. Maia conseguiu convencer PT e PCdoB a apostarem nele como nome da estabilidade.
Tornou-se presidente da Câmara aos 46 anos, dezoito anos depois de iniciar na política. Em 1998, foi eleito deputado federal pela primeira vez, ainda no PFL. Foram mais de 96.000 votos. Justamente nessa época, Maia foi um dos principais articuladores da refundação do partido, em processo que criou o DEM. Assumiu como presidente nacional do partido em 2007 e permaneceu até 2011. No meio tempo, foi reeleito por três vezes consecutivas, em 2002, 2006 e 2010.
“Eu nunca imaginei que poderia estar disputando a presidência da Câmara dos Deputados”, disse em plenário. “Eu vou ser um de 513. Nós vamos governar essa casa juntos”.
Por “juntos”, leia-se com uma gama extensa de aliados. Em pouco tempo, Maia ganhou simpatia da oposição, remendou o centrão e se fez mais poderoso que Cunha. Suas conexões o permitiram tanto ser reeleito na Presidência da Câmara como ser peça fundamental na articulação política de Temer, que lhe garantiu a aprovação de projetos no início de governo e a salvação do mandato quando chegaram as denúncias da Procuradoria-Geral da República. Favores que podem ser de grande serventia.
Apesar do poder que obteve pelo cargo que ocupa, os mais diversos links com o status quo levam a crer que a ousadia presidencial não cabe na lógica. Todos os cientistas políticos e adversários consultados pela reportagem apostam no blefe de Maia.
A estratégia é usar o poder da Câmara dos Deputados para atrair para o DEM os deputados federais insatisfeitos em seus partidos e criar alianças fortes com partidos médios e pequenos para “vender mais caro” o seu apoio nas próximas eleições — o DEM imagina que passará de 33 para 42 deputados na próxima janela partidária.
É fácil entender como funciona. Como presidente da Câmara, Maia se tornou mais conhecido do eleitorado. Terá também um palanque forte no Rio, pois César Maia é pré-candidato a governador. O domínio do MDB não existe mais, o que lhe dá mais espaço de articulação regional. Uma reeleição a deputado federal, portanto, não será tão traumática quanto a anterior, em que ele quase ficou fora. Com um partido maior e mais minutos de TV nas mãos, cresce o poder de barganha para fechar uma aliança com o candidato de melhor desempenho na centro-direita no plano nacional.
A estratégia pode aumentar a bancada e a capilaridade regional do DEM, que perdeu nos anos 2000. De volta à Câmara, é automaticamente o favorito a ser presidente da Casa em 2019, criando novo círculo de alianças e garantindo mais força ao DEM. De quebra, será protagonista da reforma da Previdência, que certamente voltará à pauta no ano que vem. “Ele tem muito mais a perder do que a ganhar sendo candidato à Presidência”, diz um alto parlamentar tucano. “Hoje, o alcance regional do DEM é mínimo. Rodrigo pode trabalhar para mudar esse cenário e deixar o partido muito mais forte para 2022”.
Silvio Cascione, analista para Brasil da consultoria Eurasia, diz que Maia não é “competitivo”. “Ainda há uma raiva do governo e Maia não conseguiu manter distância. Não descartamos a candidatura, mas ele é muito confundido com a agenda federal.”
Para Thiago Vidal, analista político da consultoria Prospectiva, o tucano Geraldo Alckmin ainda é o único nome competitivo do espectro político que Maia quer conquistar. “Para uma campanha presidencial é preciso ter capacidade de criar alianças regionais e Alckmin é o que melhor pode fazê-las”, diz. “O DEM vem diminuindo sua média de votos e Maia não tem histórico no Executivo.”
Para quem é cético com a candidatura, a movimentação do DEM tem ainda mais um aspecto: disputar a força nos bastidores com o MDB. Desde que chegou ao Planalto, o partido de Temer cedeu seu espaço tradicional de segunda força da República. Enorme regionalmente, com um quinto das prefeituras nacionais, cabia ao MDB cargos como vice-presidente, presidentes do Congresso e nomeações importantes em ministérios. O DEM estaria buscando inchar o partido justamente para conseguir essa parcela assegurada ao MDB nas alianças.
Carisma não é diferencial entre os candidatos postos na centro-direita, mas o democrata não é diferente. Entre os mais chegados, Rodrigo Maia é descrito como “tímido e desconfiado”. Não gosta de delegar tarefas de confiança, tem um staff pequeno na Câmara, com seus poucos e bons. Tudo o que pode, resolve por WhatsApp. Sempre que está sentado ao centro da Mesa Diretora da Câmara, está conectado pelo aplicativo de mensagens, trocando recados com os aliados.
É amigo pessoal de pouquíssimos deputados. Em seu último aniversário, havia uma dezena deles. Como político, porém, é habilidoso e agregador, respeitado pelos líderes de partidos amigos e opositores. Até hoje, desde o episódio de sua primeira eleição, que se posicionou contra Cunha, é visto como um presidente republicano, que dá espaço à oposição. A consequência, por vezes, é o prolongamento das sessões madrugada adentro.
A capacidade de articular é o que faz parlamentares do DEM acreditarem que a candidatura de Maia seja uma forma de cacifar o partido para parcerias futuras. Rodrigo Maia não deu entrevista, os aliados, sim. “A candidatura própria é para valer e o Rodrigo tem um papel fundamental nesse processo”, afirma o ex-líder do DEM na Câmara Pauderney Avelino. “Ele tem mostrado equilíbrio, bom senso e competência a frente da Câmara. Será nosso destaque no dia 8, quando faremos uma convenção do partido. Não vamos lançar pré-candidatura, mas daremos destaque à atuação.”
Para o líder do DEM, Rodrigo Garcia (SP), a tese do blefe não faz sentido pois se o partido fosse para negociação de coligação, teria hoje com o poder adquirido “tudo o que gostaríamos de ter”. “[Teríamos] a Presidência da Câmara, vice nacional, espaço nos estados. Já temos essa condição”, diz. “Podemos correr o risco porque acreditamos que há esse espaço. Se ficar claro que esse não é o caminho, podemos rever.”
O imbróglio deve se arrastar até maio ou junho. Só lá ficará claro se o DEM quer dar um passo maior que a perna ou se Rodrigo Maia passará, em quatro anos, de “eleito por um triz” a “presidente da República”.