Brasil

"Palavras importam": estudo revela como Bolsonaro prejudicou isolamento

Após episódios de fortes críticas do presidente contra a quarentena, levantamento identificou queda imediata no isolamento em cidades pró-Bolsonaro

Bolsonaro: níveis de adesão à quarentena caíram, em média, até três pontos percentuais em municípios que concentram mais apoiadores do presidente (Ueslei Marcelino/Reuters)

Bolsonaro: níveis de adesão à quarentena caíram, em média, até três pontos percentuais em municípios que concentram mais apoiadores do presidente (Ueslei Marcelino/Reuters)

CC

Clara Cerioni

Publicado em 1 de maio de 2020 às 08h30.

Última atualização em 6 de maio de 2020 às 13h17.

As falas do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus influenciaram diretamente a taxa de isolamento em municípios onde ele recebeu mais votos nas eleições de 2018. Essa é a conclusão de um estudo em desenvolvimento liderado por três economistas da Faculdade Getulio Vargas e da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Para o levantamento, os pesquisadores usaram dados de geolocalização anônimos de 60 milhões de aparelhos celulares e cruzaram com informações do resultado do pleito presidencial, disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

As informações de geolocalização, disponibilizadas pela empresa InLoco, consideram furar o isolamento a pessoa que se afasta da sua residência primária por uma distância acima de 450 metros.

A metodologia revelou que os níveis de adesão à quarentena caíram, em média, até três pontos percentuais em municípios que concentram mais apoiadores de Bolsonaro em dois eventos específicos, que tiveram grande repercussão nacional e internacional, nos dias 15 e 24 de março. Em ambas as situações, o presidente minimizou os impactos da covid-19.

O primeiro foi quando ele participou de manifestações em Brasília em ato pró-governo e contra o Congresso Nacional. Na ocasião, ele tocou em manifestantes, pegou celulares para fazer selfies e abraçou apoiadores. Naquele mesmo dia, o secretário de comunicação de Bolsonaro, Fábio Wajngarten, havia testado positivo para a covid-19. A atitude do presidente foi destaque em todos os veículos de comunicação naquele dia e tomou conta das redes sociais.

Dez dias depois, Bolsonaro fez um pronunciamento em cadeia nacional onde criticou a quarentena impostas por governadores, além de ter dito que "nada justificava o fechamento de escolas", já que o grupo de risco da doença são os idosos. Em seguida, ele adotou a postura de que o país precisava voltar à "normalidade" o quanto antes.

Os pesquisadores identificaram que depois desses dois eventos a diferença nas taxas de isolamento em cidades pró e anti-Bolsonaro, que antes era insignificante, passa a crescer e persiste por ao menos uma semana.

Essa relação pode ser vista no gráfico a seguir, em que os pontos vermelho são o nível médio de isolamento entre cidades pró-bolsonaro em comparação às anti-bolsonaro. O ponto negativo do eixo vertical mostra que os municípios tiveram menos adesão ao isolamento, em média.

(Arte/Exame)

Há pesquisas que mostram, de fato, uma menor adesão de eleitores de Bolsonaro ao confinamento, como mostrou o Datafolha desta semana. Daqueles que não concordam com o isolamento, 67% são apoiadores do presidente.

A inovação deste estudo, no entanto, é mostrar que há diretamente uma causa e um efeito na população logo após as falas do presidente, segundo Nicolás Ajzenman, um dos autores do levantamento.

"Não é apenas uma relação entre votar em Bolsonaro e não respeitar isolamento. Essa correlação pode acontecer por vários motivos. Um ponto importante da pesquisa é o "timing" dos eventos: ela mostra que queda do isolamento social acontece apenas depois ele falar. E a principal conclusão da pesquisa é: os líderes importam", diz em e-mail à EXAME.

A influência dos líderes

O impacto da influência do discurso de líderes políticos na sociedade é uma das especialidades do brasileiro Leonardo Bursztyn, PhD em Harvard e professor de economia da Universidade de Chicago, a meca do liberalismo econômico mundial.

Em conversa com a reportagem, Bursztyn avalia que o comportamento de Bolsonaro é semelhante ao do presidente dos EUA, Donald Trump, que recentemente sugeriu que a injeção de desinfetante poderia ajudar no tratamento contra o novo coronavírus. Naquela semana, Nova York registrou alta em intoxicação pelo produto.

"As pessoas olham para os líderes e seus comportamentos e isso as influencia de diversas formas, como identificação com a atitude do presidente, uma desculpa para tomar atitudes semelhantes ou até mesmo uma questão de identidade em um cenário tão polarizado como o Brasil", diz.

Ele analisa, contudo, que em uma pandemia viral, onde o distanciamento é a melhor forma de proteção, as consequências das atitudes dos governantes podem ser letais, já que não é só a vida do eleitor que está sendo colocada em risco, mas de terceiros.

Bursztyn, inclusive, é um dos autores de um estudo que foi publicado em abril "Misinformation During a Pandemic", que mensurou o impacto da covid-19 por meio de dois programas da Fox News, um que ignorou e outro que alertou sobre os riscos do novo coronavírus.

Usando uma enquete com os leitores da emissora com mais de 55 anos e dados disponíveis publicamente, eles calcularam que os espectadores da Fox que assistiam mais ao programa que ignorou a gravidade da doença eram menos propensos a aderir às regras de distanciamento social. As áreas desses espectadores também tiveram maiores taxas de infecção e morte.

Acompanhe tudo sobre:CoronavírusEXAME-no-InstagramJair BolsonaroMortes

Mais de Brasil

São Paulo tem 88 mil imóveis que estão sem luz desde ontem; novo temporal causa alagamentos

Planejamento, 'núcleo duro' do MDB e espaço para o PL: o que muda no novo secretariado de Nunes

Lula lamenta acidente que deixou ao menos 38 mortos em Minas Gerais: 'Governo federal à disposição'

Acidente de ônibus deixa 38 mortos em Minas Gerais