A presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer: relação entre PT e PMDB foi conturbada desde o início do mandato da petista (Lula Marques/Agência PT)
Rita Azevedo
Publicado em 29 de março de 2016 às 11h24.
São Paulo – Daqui a poucas horas, o clima político no país deve ficar ainda mais tenso. Isso porque está marcada para esta terça-feira (29) a votação que irá decidir a permanência (ou não) do PMDB na base governista.
A expectativa, segundo especialistas consultados por EXAME.com, é de que o partido comandado pelo vice-presidente Michel Temer desembarque “parcialmente” do governo, ou seja, rompa a relação com o PT oficialmente, mas permita que alguns de seus membros continuem apoiando a presidente Dilma Rousseff.
No que quase ninguém aposta é que o PMDB siga com o Planalto. A debandada do diretório do Rio de Janeiro – um dos mais influentes e “fiéis” a Dilma – na última semana só contribuiu para aumentar a impressão de que a aliança chegou ao fim. Na noite desta segunda-feira (28), o ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves entregou sua carta de demissão, sendo o primeiro a desembarcar oficialmente do governo.
Enquanto o posicionamento oficial do PMDB não é divulgado, relembre algumas das fases do casamento de PT e PMDB.
Começo de namoro
Em 2002, enquanto o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva sonhava com o mais alto cargo político, a maior parte do PMDB apoiava a campanha do tucano José Serra à presidência.
Depois dos resultados das eleições – Lula eleito presidente com 53 milhões de votos e o PMDB com cinco governadores, 74 deputados e 19 senadores –, as duas siglas começaram a esboçar uma aliança que foi se fortalecendo ao longo dos dois primeiros mandatos do PT.
“O Lula começou o governo com pouco PMDB e foi aumentando a participação do partido gradativamente. No final, quase todos apoiavam o ex-presidente. Durante o mensalão, ele praticamente dividiu o governo no meio com os peemedebistas”, diz Ricardo Sennes, da consultoria política Prospectiva.
O bom relacionamento culminou na escolha de Michel Temer como vice-presidente de Dilma Rousseff nas eleições de 2010.
A primeira crise do casamento
Se na era Lula a articulação com o PMDB foi se desenvolvendo ao longo dos anos, com Dilma o processo foi inverso.
“Enquanto Lula abraçava todo mundo, Dilma foi centralizando sua gestão em um gabinete que só pertencia a ela. Não era nem do PT, nem do PMDB. Em 2012, em meio a muitas demissões, a presidente tirou do governo muitos peemedebistas, o que acabou desgastando a relação com Temer e outras lideranças”, diz Sennes.
Em janeiro de 2014, o PMDB chegou a cogitar uma saída drástica da base aliada depois que a presidente resistiu em dar mais um ministério à sigla, que, na época, comandava cinco pastas (Minas e Energia, Previdência, Turismo, Agricultura e Secretaria de Aviação Civil). Depois que a presidente cedeu, o partido decidiu continuar no governo.
Discussão de relacionamento
No segundo mandato de Dilma, os conflitos entre PT e PMDB ficaram ainda mais públicos.
Em março de 2015, o então ministro da Educação Cid Gomes (ex-PROS) foi convocado pela Câmara para dar explicações sobre uma declaração dada durante uma reunião em uma universidade. Na ocasião, Gomes afirmou que a Casa tinha de 300 a 400 parlamentares que “achacam”.
No plenário, Gomes subiu o tom e fez um apelo aos deputados "oportunistas" - que detêm cargos na administração federal, mas não dão apoio ao governo no Congresso - para que "larguem o osso".
Depois do depoimento, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o PMDB ameaçaram deixar o governo caso Gomes não fosse demitido. A demissão – que partiu de Cid Gomes – foi anunciada por Cunha antes mesmo de ter sido oficializada.
O filho rebelde
Em julho do ano passado, Eduardo Cunha anunciou que, sozinho, faria parte da oposição de Dilma Rousseff. A decisão foi tomada logo após o peemedebista ser acusado pelo lobista Julio Camargo de receber 5 milhões de dólares em um esquema de corrupção na Petrobras.
Depois da ruptura, o presidente da Câmara assumiu uma nova posição no jogo político, se tornando uma peça chave no processo de impeachment de Dilma – e influenciando também no aumento dos conflitos entre petistas e peemedebistas.
A carta de desabafo
Em dezembro, o desgaste entre PT e PMDB foi, mais uma vez, levado à público com o vazamento de uma carta desabafo escrita por Temer e enderçada à Dilma.
Em 17 parágrafos, o vice-presidente expõe suas mágoas, diz que Dilma não confia em sua figura e que ele passou os quatro primeiros anos de governo sendo um “vice decorativo”.
“Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”, escreveu Temer.
No final da carta, uma frase dá o tom do que viria daí para a frente. “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”.
O fim da relação?
Nesta terça-feira, o PMDB deve decidir em qual posição irá atuar daqui para a frente. Na lista de opções há desde o rompimento total da aliança e a entrega dos sete ministérios comandados pela sigla até um “abandono parcial”.
Na manhã de ontem, Dilma se reuniu com ministros peemedebistas. A atitude foi interpretada como uma das últimas tentativas do Planalto para salvar a relação entre os dois partidos. A reação dos ministros, no entanto, não foi das mais agradáveis, com alguns deles sinalizando um possível abandono do cargo.
Além da perda de votos no processo do impeachment, o temor atual do Planalto é que a saída do PMDB possa, entre outros efeitos, provocar a saída de outras legendas da base aliada, como o PRB e o PP.
A divisão do (maior) bem
Caso Dilma Rousseff saia da presidência, o PMDB herda o cargo de Presidente da República e se torna ainda mais poderoso, concentrando o comando do Executivo, da Câmara e do Senado. Apesar disso, garantem especialistas, o governo de Temer não será dos mais fáceis.
“O PMDB é um partido conhecido por sustentar a governabilidade. Toda a máquina do PMDB está ajeitada para eleger o máximo de deputados possíveis para, com isso, ter poder de barganha. Ele nunca mirou o Executivo então será difícil ocupar essa posição”, diz Rafael Araújo, cientista político da PUC-SP.
Um dos maiores desafios a serem enfrentados, segundo Araújo, é lidar com próprio PT, só que dessa vez como oposição. “É possível que haja uma união entre partidos menores e de esquerda e a calma do PMDB não duraria mais que dois meses. Movimentos sociais devem ocupar os espaços e o desenrolar da Operação Lava Jato pode complicar a vida de figuras do partido”, diz ele.
É quase impossível prever qual será o futuro do PMDB sem o PT e do PT sem o PMDB. As duas siglas, no entanto, dificilmente voltarão para a lua-de-mel.