CLAUDIA CRUZ E EDUARDO CUNHA: ela é investigada por ter se beneficiado de dinheiro ilícito após gastar fortunas em lojas de grife / Pedro Ladeira/Folhapress
Gian Kojikovski
Publicado em 8 de junho de 2016 às 20h28.
Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h05.
O início da operação Lava-Jato estremeceu as relações na família de Sérgio Machado, o ex-presidente da Transpetro que ficou famoso nas últimas semanas por seu prolífico gravador. Um de seus filhos, Sérgio, se indispôs com o restante da família em 2014, ao saber dos esquemas de corrupção nos quais o pai se envolvera com o apoio de dois irmãos, Expedito Machado, o Did, e Daniel Machado. No final das contas, os quatro acabaram firmando acordos de delação premiada em maio.
Eis uma descoberta curiosa da enxurrada de delações e de investigações da Lava-Jato. No Brasil, assim como as duplas sertanejas e as cantinas italianas, saquear os cofres públicos virou um negócio de família.
A família mais famosa sob investigação – e ainda sem nenhuma acusação formal – é a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele e seu filho Fábio Luís Lula da Silva seriam donos de um sítio em Atibaia. O sítio está em nome de Fernando Bittar, mas era Lulinha quem autorizava a entrada de pessoas no local. Outro filho de Lula, Luís Cláudio, é investigado por receber dinheiro ilícito em outra operação da Polícia Federal, a Zelotes. O dinheiro veio do escritório de Lobby Marcondes e Mautoni na mesma época em que o escritório recebeu recursos de empresas interessadas em medidas provisórias aprovadas pelo governo.
Versão pra cá, versão pra lá
Um dos principais estudiosos da tradição brasileira de misturar o público e o privado, e consequentemente de colocar a família em negócios espúrios, é o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Para ele, isso vem de uma disfunção histórica do Estado, o patrimonialismo. Desde os reis de Portugal existe a dificuldade para separar o dinheiro deles do que seria para benefício da população.
De acordo com Barroso, o que prova que essa tradição histórica está presente no país são dois fatos. Primeiro, a Constituição brasileira ser a única no mundo que precisou determinar que o administrador público não pode fazer propaganda pessoal com o dinheiro público e o nepotismo. Segundo, o nepotismo só foi proibido Supremo Tribunal Federal em 2008.
Processos que envolvem mais de um familiar, na teoria, aumentam as chances dos investigadores. Ainda mais em operações como a Lava-Jato, ancoradas em dezenas de delações. É mais gente para abrir o bico, para entrar em contradição, para deixar pontas soltas. Um exemplo é o do deputado afastado Eduardo Cunha e sua mulher Claudia Cruz. Cunha recebe 33.000 reais de salário como deputado federal e é réu de um processo da Lava-Jato e é alvo de outras seis ações. Todas giram em torno de seu enriquecimento por vias ilícitas.
Claudia, e isso está provado, gastou centenas de milhares de reais em joias, lojas de grife e até aulas de tênis no exterior. As compras foram pagas com um cartão de crédito abastecido por uma conta que teria recebido mais de cinco milhões de dólares em propina por ajudar a viabilizar um campo de petróleo na África. A filha de Cunha, Danielle, também é citada no processo. Elas são investigadas por terem se beneficiado do dinheiro ilícito.
Em Curitiba, em depoimento para os procuradores da operação, Claudia afirmou que Cunha autorizou os gastos no cartão de crédito feitos no exterior e que o dinheiro vinha de uma conta no estilo “trust”. O deputado, por sua vez, havia dito no depoimento ao conselho de ética que os gastos de Claudia são de responsabilidade dela. A procuradoria continua investigando a ligação de ambas com o caso.
Cunha, Cláudia e Danielle exemplificam outra situação inusitada criada pelas famílias na mira da Lava-Jato. Ele (ainda) é deputado e (ainda) em foro privilegiado. Elas, não. A família Cunha gostaria que o processo contra Danielle e Claudia continuasse com o Supremo Tribunal Federal para dificultar, por exemplo, pedidos de prisão cautelar. No final de março, no entanto, o ministro Teori Zavascki desmembrou o processo e enviou a parte referente a elas para a 13ª Vara Federal, do juiz Moro. Para evitar a prisão, elas deixaram seus passaportes à disposição da justiça.
Cada caso é um caso
O nível de envolvimento das famílias com os casos de corrupção é variável. O filho mais novo de Sérgio Machado, Did Machado, morava em Londres, onde administrava um fundo de investimentos que, para os investigadores da Lava-jato, seria abastecido com dinheiro de propina paga ao PMDB. Cerca de 700 milhões de reais teriam passado pelas contas de Did.
Já o marqueteiro das campanhas de Lula e Dilma, João Santana, e a mulher, Monica Moura, eram sócios no casamento, na vida empresarial e, mais recentemente, na prisão, já que ambos estão atrás das grades em Curitiba. Eles teriam recebido dinheiro ilegal no exterior vindo da Petrobras para o pagamento dos trabalhos realizados nas campanhas eleitorais.
Caroline Medeiros, a mulher do senador Fernando Collor e também denunciada pela Procuradoria-Geral da República, é sócia do ex-presidente em uma empresa que não tem funcionários, nem atividade, mas é dona de carros que valem juntos 6,2 milhões de reais. Collor é investigado em cinco inquéritos sobre a operação Lava-Jato no Supremo.
A Lava-jato também tem o ramo das famílias que não estavam envolvidas nos procedimentos, mas influenciaram de alguma maneira a operação. No início de novembro do ano passado, Bernardo Cerveró gravou a oferta do ex-senador Delcídio do Amaral para que seu pai, Nestor Cerveró, preso, não realizasse delação premiada. A gravação levou Delcídio e o dono do banco BTG Pactual, André Esteves, para a prisão.
Meses depois, o próprio Delcídio, alegando que não aguentava mais ver sua família sofrer com sua estada na cadeia, fez a própria colaboração premiada. Ela ampliou o escopo de investigação da Lava-Jato para novos nomes e, com isso, deve colocar mais famílias na berlinda.
(Gian Kojikovski)