Carlos Vereza: ator é apoiador do governo Bolsonaro, mas criticou a administração cultural (Valter Campanato/Agência Brasil)
EFE
Publicado em 16 de agosto de 2019 às 15h45.
Última atualização em 16 de agosto de 2019 às 17h42.
Madri — Um dos poucos artistas brasileiros abertamente partidários de Jair Bolsonaro, o ator Carlos Vereza, avalia negativamente a gestão cultural do presidente em entrevista à Agência Efe, em Madri, onde apresentou o primeiro longa metragem do qual é diretor, "O Trampo".
"Bolsonaro está levando mal a gestão cultural por preconceito dos seus assessores, não dele", disse o ator, que visitou o presidente durante a recuperação da facada sofrida em Juiz de Fora, no interior de Minas Gerais, ainda durante a campanha eleitoral, no ano passado.
"O fato de que votei por ele não significa que eu seja um fanático. O seu partido o faz priorizar certas imagens militares, com as quais não estou de acordo. Não posso pedir a Bolsonaro que os seus ídolos sejam Baudelaire, Rimbaud ou Velázquez", argumentou Vereza.
Segundo o artista, o presidente tem a percepção de que a cultura foi "muito mal utilizada e explorada de maneira incorreta" pelos governos anteriores e que por isso foi ao extremo oposto.
"Ele tem um olhar um tanto sectário para a cultura porque os artistas o criticaram fortemente. Acredito que ainda tem um rastro de vingança e acho que tem que ser mais flexível com a cultura", opinou.
Vereza reprova a intenção do presidente de transferir a agência reguladora do cinema brasileiro, a Ancine, do Rio de Janeiro para Brasília. Segundo o diretor de "O Trampo", os profissionais que trabalham no órgão escolherem trabalhar na 'Cidade Maravilhosa', e não na capital federal.
Mas, ao mesmo tempo, elogia a mudança de ideia de Bolsonaro sobre acabar com a agência, por, em sua visão, ter tomado consciência de que a Ancine não é culpada por ter sido má gerida anteriormente.
Sobre a lei de incentivo da cultura, conhecida como Lei Rouanet, Vereza pediu um teto maior de captação de recursos para os musicais, de até R$ 6 milhões, por se tratar de uma indústria com um custo de produção e manutenção mais alto que o cinema.
"O limite passou de 60 milhões para 1 milhão de reais. Com este dinheiro, eu faço dois longas-metragens, mas quem faz um musical, não", comentou, fazendo alusão à despesa com dançarinos e músicos.
Em linhas gerais, Vereza definiu o governo de Bolsonaro como muito bom. Segundo ele, algumas medidas positivas, como a supressão dos impostos à importação de remédios contra o câncer e o HIV e o viés liberal na economia, com a intenção de privatizar empresas, "não saem na imprensa, que é de esquerda".
Ele garantiu que não se arrepende "ainda" de ter votado no atual presidente, mas advertiu que pode mudar de ideia caso não goste do que o governo vier a fazer.
Depois de 60 anos como ator, Vereza estreou como diretor nesta semana no International Filme Fest (IFF), festival de cinema emergente em Madri.
A história de "O Trampo" relata o assassinato de uma juíza por parte de dois matadores de aluguel. O de mais idade, interpretado por Vereza, enfrenta um conflito ético depois do crime.
O ator afirmou que o tema principal do filme reflete uma realidade ainda vigente no Brasil. "O Rio de Janeiro está repleto de assassinos. Você pode chamá-los de milicianos, como quiser", declarou.
"São assassinatos por encomenda ou o que se chama de 'trampo pago' neste contexto", explicou Vereza, que negou que a história tenha qualquer referência com mortes como a da juíza Patrícia Acioli, em 2011, e a da vereador e ativista dos direitos humanos Marielle Franco, no ano passado.
O filme "O Trampo" concorre em três categorias do IFF: melhor filme em língua estrangeira, melhor trilha sonora e melhor ambientação. Segundo Vereza, a estreia no Brasil será previsivelmente no primeiro semestre do ano que vem, já que a estratégia até então é exibi-lo antes em festivos internacionais.