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Aeroportos: o leilão da incerteza

Michele Loureiro A menos de 24 horas do leilão de concessão dos aeroportos de Fortaleza (CE), Salvador (BA), Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS), as incertezas jurídicas rondam o setor aéreo. O exemplo mais conhecido é o embate entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) por conta da […]

AEROPORTO: A aviação internacional, apesar de ser um eixo da globalização, é tipicamente susceptível ao protecionismo / Veja.com (foto/VEJA)

AEROPORTO: A aviação internacional, apesar de ser um eixo da globalização, é tipicamente susceptível ao protecionismo / Veja.com (foto/VEJA)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de março de 2017 às 16h58.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.

Michele Loureiro

A menos de 24 horas do leilão de concessão dos aeroportos de Fortaleza (CE), Salvador (BA), Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS), as incertezas jurídicas rondam o setor aéreo. O exemplo mais conhecido é o embate entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) por conta da cobrança proporcional pelas bagagens, que pode ter novos capítulos a qualquer momento.

A agência reguladora entrou com uma liminar para que a resolução da cobrança de passagens, que começaria na quarta-feira 14, passe a vigorar o quanto antes, mas a apreciação foi indeferida e a agência ainda estuda os próximos passos. Em Pernambuco, onde o Procon local também se manifestou contra a iniciativa das companhias aéreas, a Justiça deu ganho de causa à Anac.

Segundo Eduardo Sanovicz, presidente da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), a liminar do MPF faz com a que a regulamentação do setor volte a níveis da década de 70 e se equipare a países como a Venezuela. “É uma decisão anacrônica, que traz instabilidade jurídica para o setor em um momento que estamos falando de concessões de aeroportos e fôlego novo para a economia do país”, diz.

Para Sanovicz, o interesse dos administradores privados na concessão dos terminais está diretamente ligado ao volume de passageiros transportados. Na lógica da Abear, a cobrança proporcional de bagagens culminaria em redução do valor das passagens e, consequentemente, em mais passageiros. Para cada 10% de redução nas tarifas, há um incremento de cerca de 14% no volume de passageiros. Este é um dos principais atrativos para os administradores privados em processos com o de amanhã — e, com a insegurança na mesa, fica mais difícil fazer contas.

Os quatro terminais que serão concedidos para a iniciativa privada no leilão desta quinta-feira movimentaram aproximadamente 24 milhões de passageiros em 2016. Em conjunto, os aeroportos operam atualmente 12,4% de passageiros, 12,6% de cargas e 8,6% das aeronaves do tráfego aéreo brasileiro. Mesmo assim, a disputa que envolvia seis grupos em janeiro acabou com apenas três interessados reais, que entregaram a documentação e as propostas na Bolsa de Valores de São Paulo na segunda-feira 13: os franceses da Vinci Airport, os alemães da Fraport e os suíços da Zurich Flughafen.

O grupo argentino Corporación America, o Pátria Investimentos, além das concessionárias brasileiras CCR, Invepar e EcoRodovias, que haviam sinalizado interesse, recuaram. A grande pergunta é por quê? Segundo executivos do setor, há dois motivos. O primeiro é que o modelo definido pelo governo custaria muito caro no curto prazo.

Os lances mínimos fixados nos editais pelos quatro aeroportos somam 3,7 bilhões de reais e para atender à necessidade de caixa da União e os vencedores terão de desembolsar, imediatamente, 25% da outorga (que nos outros editais era dissolvida durante os anos de concessão), mais o ágio. O investimento nos terminais será de 6,6 bilhões de reais. O segundo motivo é a insegurança da rentabilidade, por dúvidas quanto ao aumento de passageiros e por passivos ambientais. “O material da Anac traz projeções de crescimento de frequência de passageiros que não se mostram reais. Além disso, há questões falhas como uma lista de processos ambientais que não informa os custos de forma clara e isso pode levar a ônus altos e imprevistos”, afirma um executivo do setor.

Em entrevista à Reuters, Leonardo Vianna, diretor de novos negócios da CCR, confirmou que as contas não fecham. “Na hora que a gente simula a demanda (de passageiros) projetada com os estudos apresentados pelo governo a defasagem é muito grande. No caso de Salvador chega a 20%”, disse.

Este pode ser o primeiro leilão em que grupos brasileiros não fazem ofertas por aeroportos. Em novembro de 2013, o consórcio formado pela Odebrecht e a operadora de aeroportos Changi, de Cingapura, obteve a concessão do aeroporto do Galeão, ofertando cerca de 19 bilhões de reais, quase quatro vezes acima que o lance mínimo definido pelo governo. Já o aeroporto de Confins (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, foi arrematado pelo consórcio liderado pela CCR, com lance final de 1,8 bilhão de reais, ágio de 66%.

Nos dois casos, passivos jurídicos jogaram uma sombra sobre o setor — o que, na visão de analistas, também joga contra a atratividade do plano do governo. Desde o agravamento da crise econômica no país e do aprofundamento das investigações da operação Lava Jato, a Odebrecht vem enfrentando dificuldades para honrar compromissos e está devendo cerca de 2 bilhões de reais para a União e o governo federal por conta do Galeão. A empresa culpa a falta de sustentabilidade do negócio e pode vender sua participação no consórcio. Um dos nomes mais cotados para a transação é o fundo canadense PSP Investments, mas o jogo está aberto e pode atrais novos interessados.

Em Confins, o ex-ministro de Aviação Civil (e atual ministro da Secretaria de Governo), Moreira Franco, é suspeito de ter tratado do leilão com Otávio Marques de Azevedo (o presidente afastado da Andrade Gutierrez, uma das controladoras da CCR). Moreira Franco foi quem estruturou o programa de concessões de Temer, que tem nos aeroportos a esperança de dar início a um ciclo virtuoso de investimentos na economia.

Em meio às turbulências das bagagens e da contagem de passageiros, o leilão de amanhã buscará mais que apoio privado, mas também credibilidade.

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