A negociação geralmente ocorre caso a caso e somente quem apoia o governo costuma ser contemplado (Sergio Barzaghi / Governo do Estado de SP/Flickr)
Agência de notícias
Publicado em 18 de janeiro de 2024 às 10h04.
Em um gesto político, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) permitirá que deputados e senadores de São Paulo destinem recursos do governo estadual para municípios. A concessão é importante principalmente em ano eleitoral, quando os parlamentares intensificam o uso de emendas para financiar obras e impulsionar candidaturas de aliados em suas bases eleitorais.
Parlamentares federais indicam emendas somente ao Orçamento do governo federal. Historicamente, no entanto, eles conseguem direcionar de maneira informal recursos do orçamento estadual por meio de articulações no governador de turno. A negociação geralmente ocorre caso a caso e somente quem apoia o governo costuma ser contemplado.
A novidade é que Tarcísio acertou que as emendas de bancada impositivas, atualmente em R$ 316 milhões, sejam divididas igualmente entre o custeio do Hospital das Clínicas e o programa Muralha Paulista, que integra câmeras de monitoramento do Estado e das prefeituras. O valor pode variar porque o Orçamento de 2024 ainda não foi sancionado.
Em troca, cada um dos 70 deputados federais e três senadores, inclusive da oposição, indicarão R$ 10 milhões no orçamento paulista, em um total de R$ 730 milhões. O acordo foi publicado no site do governo de São Paulo, com a lista de indicações de cada parlamentar. Até o ano passado, o endereço mostrava apenas indicações dos deputados estaduais.
"É um gesto de parceria com a bancada federal. No passado recente, sempre tinha atendimento feito aqui e acolá. Agora, a gente fez com total transparência", disse ao Estadão o secretário de Governo, Gilberto Kassab (PSD). Segundo ele, o acordo representa a retomada de uma prática adotada durante a gestão de Mário Covas, governador de São Paulo entre 1995 e 2001. Kassab afirmou que o desejo do governo era adotar a prática já no ano passado, mas não foi possível porque o orçamento de 2023 foi aprovado em 2022 ainda na gestão de Rodrigo Garcia.
Além de o valor das indicações ser superior às emendas de bancada, o arranjo é favorável aos deputados e senadores porque as emendas de bancada precisam ser destinadas para obras estruturantes ou custeio de ações que tenham caráter estadual ou regional. Agora, os parlamentares podem "picotar" os recursos e destiná-los a ações e projetos de prefeituras e outras entidades que atuam nos municípios. A única regra é que 50% precisam ir para a saúde.
O instrumento ganha ainda mais importância política em um ano eleitoral. Já foram feitas 1.159 indicações, uma média de quase 16 por parlamentar. São recursos para bancar o custeio de hospitais e Santas Casas, adquirir ambulâncias e máquinas para as prefeituras, comprar equipamentos para unidades de saúde e órgãos de segurança e reformar equipamentos públicos.
"Se ele cumprir isso, vai para o céu. Se não cumprir, vai ficar muito ruim e vai ter que aguentar nossa língua", disse o deputado Fausto Pinato (PP-SP). "É uma parceria. Ele fez isso para fazer política, para ficar bem com a bancada", afirmou o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que é oposição ao governador. "Para nós, é vantagem porque podemos indicar emendas para onde temos interesse", declarou o petista.
Tarcísio não é obrigado a pagar as indicações feitas pelos deputados e senadores. Em seu primeiro ano de governo, a demora no pagamento das indicações feitas por deputados estaduais foi uma das principais reclamações de bolsonaristas e de outros aliados na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Coordenador da bancada paulista, Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) disse que "não há vantagem nem de um lado nem de outro" porque Tarcísio conseguiu alocar as emendas de bancada onde precisava e os deputados federais também. "Ficou bom para todo mundo", declarou Rodrigues. "Os governadores sempre deram emendas aos deputados federais, mas apenas os da situação eram atendidos."
O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, avaliou que, embora o valor das emendas de bancada (R$ 316 milhões) seja inferior à soma das indicações ao orçamento de São Paulo (R$ 730 milhões), o impacto fiscal é reduzido, porque a maior parte das indicações é para o custeio da máquina pública.
"Boa parte do que os deputados estão indicando já iria ser alocada e gasta. É uma forma de simplesmente dar protagonismo aos deputados e a oportunidade de eles dizerem 'esse dinheiro fui eu que mandei'. É mais um gesto político do que efetivamente direito de alocação de recursos", disse o economista.
Diretora de Programas da Transparência Brasil, Marina Atoji comparou as indicações às chamadas "emendas Pix" - modalidade em que o dinheiro é transferido para contas de prefeituras sem que haja vinculação a uma obra ou programa específico. "Tem muitas indicações absolutamente genéricas. 'Infraestrutura urbana' pode ser desde asfaltamento até colocar placa ou pintar o meio-fio. Isso não representa, necessariamente, uma melhoria na qualidade do gasto público", observou ela.
Marina disse não enxergar irregularidade no acordo, mas criticou a destinação de verbas para o programa Muralha Paulista, que considera pouco transparente. A iniciativa utiliza inteligência artificial para vigilância, a partir de câmeras de monitoramento. Em pelo menos uma ocasião, também teriam sido usados dados de biometria facial de cidadãos.
"O governador desidrata um programa que comprovadamente tem resultados positivos na segurança pública, que são as câmeras corporais, e incrementa um programa sobre o qual os próprios cidadãos têm muito pouca informação, inclusive sobre a segurança dos dados", afirmou a diretora da Transparência Brasil.
A Secretaria de Segurança Pública disse, por meio de nota, que 19 mil infratores foram detidos no ano passado com o auxílio da Muralha Paulista e que 88 armas ilegais haviam sido retiradas de circulação até novembro após avisos emitidos pelo sistema.
"As informações das câmeras de todo o território são interligadas às forças de segurança, com monitoramento de rodovias e cidades, além da integração com o sistema Córtex, software de inteligência que reúne várias bases de dados do País com análise de informações a partir do CPF", informou a pasta.
Ainda segundo a secretaria, o programa de câmeras corporais para policiais está mantido para 2024, assim como os contratos para a manutenção dos equipamentos. Em entrevista no início do ano, Tarcísio disse que não iria investir na compra de mais câmeras pois considerava que o equipamento não protege o cidadão. O governador afirmou que é necessário direcionar o recurso para outras ações de segurança.