Gilmar Mendes, Bruno Dantas e Rodrigo Pacheco no Fórum Esfera Internacional: crescente discussão sobre o protagonismo do Supremo Tribunal Federal (João Luiz Mendonça Bulcão/Divulgação)
Diretor de redação da Exame
Publicado em 14 de outubro de 2023 às 08h14.
Última atualização em 14 de outubro de 2023 às 09h00.
PARIS - "Deixa eu cumprimentar o presidente Pacheco se não vocês vão ficar comentando". Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, tinha acabado de conceder uma entrevista coletiva a jornalistas reunidos no subsolo do Pavillon Vendôme, em Paris, cercado por alguns dos maiores empresários do Brasil.
Estão todos reunidos para o Fórum Internacional do Grupo Esfera, evento que debateu oportunidades de investimentos no Brasil. Assim como no debate político em Brasília, segurança jurídica e separação de poderes foram pontos centrais dos debates ao longo dos dois dias na capital francesa.
No primeiro dia de painéis, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy chegou a dizer que Luís Roberto Barroso, presidente do STF, estava pronto para "uma nova presidência", após Barroso apresentar uma agenda para o Brasil. Barroso precisou, depois, dizer que não cogitava um cargo ser candidato. Mas o debate sobre a mistura de papéis entre Judiciário, Legislativo e Executivo ficou ainda mais relevante aos olhos de empresários e investidores.
O ponto alto do segundo dia de evento, neste sábado, foi um debate entre Gilmar Mendes, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União, que tratou da relação entre os poderes Legislativo e Judiciário. O pano de fundo é uma crescente discussão sobre o protagonismo do Supremo Tribunal Federal em pautas que vão de aborto a demarcação de terras indígenas. O Congresso, por sua vez, avança com projetos que limitam o mandato de ministros do STF e a validade de decisões monocráticas tomadas pela Suprema Corte.
No palco, em Paris, predominou uma discussão sobre a interpretação dos papéis constitucionais de Legislativo e Judiciário. "Vivemos uma crise de credibilidade das instituições. Precisamos fazer um caminho de pacificação das autoridades e dos poderes constituídos", começou Pacheco. "Sempre defendi as prerrogativas do Supremo. Isso não significa que estejamos inertes a modificações que possam ser úteis".
Gilmar tratou de posicionar a atuação do judiciário dentro de um contexto de crise que, segundo ele, começou em 2013 e culminou no mandato de Jair Bolsonaro. "A luta contra o poder absoluto´ou abusivo envolve também a luta da memória contra o esquecimento", disse, citando Milan Kundera. "Não viemos contar uma história de fracasso, mas de uma instituição que soube defender a democracia, até contra impulsos de parte significativa da elite, inclusive de alguns aqui que defenderam ações que poderiam levar ao fechamento do supremo".
Bruno Dantas, presidente do TCU e cotado para assumir uma cadeira no STF, concordou que a especificidade dos últimos anos levou a um debate mais acirrado sobre o papel das instituições, mas disse que o momento é de caminhar para uma normalização. "É um debate que clareia a visão de investidores que queiram levar dinheiro para o Brasil", afirmou.
Segundo Pacheco, o Supremo teve de fato um papel relevante na defesa da democracia nos últimos anos, mas não agiu sozinho. "Nenhuma instituição ou poder tem o monopólio dos acertos", disse. A defesa da democracia foi mérito, em sua visão, também do TCU, da imprensa, de partidos políticos e do Congresso.
"A Constituição dá o manual claro e foi concebida pelo poder Legislativo. É o caminho. Ao judiciário cabe resolver o conflito como última instância, e não há possibilidade de se permitir ao supremo que formate as regras, porque isso cabe ao Legislativo", afirmou.
Gilmar rebateu. "A Constituição previu também que o tribunal teria atuação no que concerne à omissão institucional. E esse é um espaço de que tem se servido o tribunal e a sociedade. Não há uma banca na frente do supremo pedindo causas. Nós somos provocados pela sociedade civil", afirmou, reforçando que o acesso à Suprema Corte é muito fácil.
Bruno Dantas reforçou com números: enquanto nos Estados Unidos a Suprema Corte julga 60 casos por ano, no Brasil o STF se debruça sobre 20 mil casos todos os anos.
Pacheco elencou reformas feitas pelo Congresso nos últimos dez anos, período em que, segundo ele, foi o mais reformista do mundo: reforma trabalhista, previdência, teto de gastos, marco do saneamento, lei do gás, lei de licitações, marco de startups. Outras estão por vir: reforma tributária, lei de inteligência artificial, crédito de carbono. A reforma tributária, reforçou, será votada no Senado no início de novembro.
"É importante que o Judiciário veja que é opção do Legislativo decidir as leis e alterações constitucionais", afirmou. Entre as prioridades do Congresso, segundo Pacheco, estão também discutir o fim da reeleição e uma coincidência de mandatos nacionais e estaduais em cinco anos. "Isso é cortar na nossa própria carne", afirmou.
Gilmar tratou de pacificar o debate. "Quando falei de omissão não me referia a falta de ação do legislativo. É uma questão técnica, não uma imputação de falta política", disse. Segundo ele, casos como do aborto chegam ao STF porque a corte é provocada a julgar. Afirmou ainda que o Supremo não tem pretensão de definir o orçamento, mas que tem a prerrogativa de decidir que não pode ser secreto – um ponto de conflitos nos últimos meses. "Ninguém no Supremo imaginou que podia fazer alocação de verbas", disse.
O debate entre os papéis de Executivo, Legislativo e Judiciário agora cruza o Atlântico para continuar, com novos capítulos, no Brasil.
*O jornalista viajou a convite do Grupo Esfera