Exame Logo

A que se deve a explosão de casos de dengue no Brasil?

Professor da USP de Ribeirão Preto mostra o que está por trás do surto de dengue no Brasil

Mosquito da dengue Aedes aegypti (James Gathany/Wikimedia Commons)

Talita Abrantes

Publicado em 26 de abril de 2015 às 07h32.

São Paulo – A cada minuto, três pessoas são diagnosticadas com dengue no Brasil. Apesar de chocante, a explosão do número de casos da doença nas últimas semanas não é novidade.

Desde a década de 80, quando a urbanização se intensificou no país, os brasileiros convivem com fases de avanço explosivo da doença. Nos últimos 10 anos, mais de 6 milhões de pessoas contraíram o vírus.

A expectativa é que, até o próximo ano, já esteja disponível no mercado uma vacina os quatro sorotipos de dengue. Mesmo assim, a erradicação da doença não deve vir tão cedo, segundo Amaury Dal Fabbro, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. “O Aedes aegypti se adaptou muito ao ambiente urbano”, afirmou em entrevista.

Para o especialista, não há apenas um culpado para a atual conjuntura. Governo e população têm sua parcela de culpa na expansão da doença. Veja trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.com por telefone.

EXAME.com – Quais as razões para o atual surto de dengue?
Amaury dal Fabbro –
O que está acontecendo não é uma novidade. Essa é uma epidemia que se alastra por ondas. Uma hora ela está mais forte em um lugar, outra hora, em outro. Isso acontece de acordo com a presença do vetor e de pessoas que ainda não tiveram aquele sorotipo.

Quais as características do Brasil que favorecem tal recorrência de epidemias da doença?
Por um lado, as temperaturas mais elevadas devido ao aquecimento global têm contribuído para aumentar a população de Aedes aegypti. Paralelamente a isso, temos um processo de urbanização caótico. O terceiro problema é a circulação de pessoas. Quanto mais gente com o vírus circula, maior a probabilidade de você ter contato com vetores.

A crise da falta da água no estado de São Paulo ajuda a entender o cenário?
Pode ser, mas tenho minhas dúvidas. O Aedes aegypti não precisa destes novos reservatórios de água para se proliferar. Mesmo sem crise, já existem recipientes com água suficientes para a proliferação.

O mosquitoAedes aegyptiestá de fato mais resistente?
Não. O Aedes aegypti é o mesmo. O que existe é uma dificuldade logística para controlar o bicho. Imagine quantos milhões de possibilidades existem para a proliferação do mosquito em uma cidade como São Paulo. Ainda que todos os mosquitos fossem mais suscetíveis a um determinado inseticida, como você chegaria até eles?

Os programas de controle têm um grau de ineficiência reconhecido. Não há condições de estar todo momento na casa das pessoas. Segundo, cerca de 30% dos imóveis que os agentes tentam visitar estão fechados. Só estes já justificam uma manutenção do Aedes. Terceiro, a dificuldade de acesso aos locais. Qualquer inseticida mata o mosquito, o problema é de logística. Para resolvê-lo, precisaria colocar o Exército nas ruas.

Veja também

Qual é a parcela de responsabilidade do governo?
Toda a sociedade tem culpa. As pessoas colocam culpa no governo e jogam lata de cerveja pela janela, que pode se tornar um criadouro de Aedes. Você tem uma coleta regular do lixo na cidade, mas atira o lixo pelo muro no terreno baldio. A gente tem que colocar na cabeça que este é um problema coletivo.

Nos últimos dias, o Exército começou a ajudar na fiscalização de residências na cidade de São Paulo. Esta medida chega tarde?
Você tem que ter um programa contínuo de controle de vetores, mas a dengue tem uma caraterística de epidemia explosiva, que acelera muito rápido. Quando chega nesta situação, é preciso mobilizar mais forças para dar conta do recado. É isso que ele está fazendo agora.

Na semana passada, o governo federal anunciou o repasse de 150 milhões de reais para os governos locais para lidar com o avanço da doença. Qual a maneira mais eficaz de usar este dinheiro?
Numa situação grave de dengue, você tem que cuidar dos infectados para que eles não tenham complicações.

O que pode ser feito para impedir novos surtos no futuro?
Tem que fazer atividade educativa exaustiva, fiscalização de estabelecimentos, controle de terrenos baldios e inspeção das casas para você mostrar ao morador onde está o problema.

É possível erradicar a dengue?
Não. Estamos chegando a uma situação hiperendêmica, em que a transmissão nunca mais voltará a zero. O único jeito da gente acabar com essa doença seria a vacina que deve sair no ano que vem. Mesmo assim, vai demorar muito. O Aedes aegypti se adaptou muito ao ambiente urbano e tem muita oportunidade de sobrevivência. É muito difícil acabar com ele e, portanto, com a dengue. O que precisamos fazer é tentar diminuir os vetores.

São Paulo - A cidade de São Paulo registrou 20.764 casos de dengue , segundo último balanço divulgado pela Secretaria Municipal da Saúde. O número é 190% maior na comparação com o mesmo período do ano passado e leva em consideração casos da doença até 11 abril.  A cidade não enfrenta  uma epidemia da doença, uma vez que é considerado surto quando 300 casos são registrados para cada 100 mil habitantes, segundo Ministério da Saúde . Na capital, de acordo com último balanço, a incidência ainda é de 187,7 casos para 100 mil pessoas. “Eu só falo em epidemia quando eu pego uma base territorial inteira na qual eu estou trabalhando. Eu só vou falar em epidemia quando o município de São Paulo [por inteiro] atingir um determinado valor", afirmou Paulo Puccini, secretário-adjunto de saúde, em nota.  Alguns bairros, no entanto, apresentam números elevados de dengue e, segundo a Secretaria Municipal da Saúde já enfrentam nível epidêmico do problema. Ainda de acordo com dados do último balanço, cinco mortes já foram confirmadas por dengue na cidade.  A Zona Norte de São Paulo concentra o maior número de casos da doença, de todos os já registrados, 38,5% estão na região. Por lá, a prefeitura tem contado com o apoio de 50 soldados de exército para combater focos de criadouros dos mosquitos.  Veja, nas imagens, oito bairros de São Paulo com as maiores incidências da doença, segundo a Secretaria Municipal da Saúde.  Os números de casos de 2014 são referentes ao ano todo. Já os números de 2015 são referentes às 14 primeiras semanas do ano.
  • 2. Brasilândia - 2.384 casos

    2 /13(Avelino Regicida /Flickr /Creative Commons)

    Casos: 2.384
    Índice para cada 100 mil habitantes: 899,9
    Casos em 2014: 1074
    Índice para cada 100 mil habitantes: 405,4
  • 3. Cidade Ademar - 1.329 casos

    3 /13(Reprodução Google Maps)

    Casos: 1.329
    Índice para cada 100 mil habitantes: 498,3
    Casos em 2014: 367
    Índice para cada 100 mil habitantes: 137,6
  • 4. Jaraguá - 1.029 casos

    4 /13(.)

    Casos: 1029
    Índice para cada 100 mil habitantes: 556,8
    Casos em 2014: 831
    Índice para cada 100 mil habitantes: 449,6
  • 5. Pirituba - 969 casos

    5 /13(Wikimedia Commons/Leonardo Ré Jorge)

    Casos: 969
    Índice para cada 100 mil habitantes: 577
    Casos em 2014: 1.171
    Índice para cada 100 mil habitantes: 697,3
  • 6. Cachoeirinha - 581 casos

    6 /13(Divulgação/Prefeitura de SP)

    Casos: 581
    Índice para cada 100 mil habitantes: 404,8
    Casos em 2014: 412
    Índice para cada 100 mil habitantes: 287,1
  • 7. Raposo Tavares - 511 casos

    7 /13(Wikimedia Commons)

    Casos: 511
    Índice para cada 100 mil habitantes: 527,8
    Casos em 2014: 869
    Índice para cada 100 mil habitantes: 897,6
  • 8. Freguesia do Ó - 477 casos

    8 /13(Divulgação/Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó)

    Casos: 447
    Índice para cada 100 mil habitantes: 314,1
    Casos em 2014: 497
    Índice para cada 100 mil habitantes: 349,2
  • 9. Perus - 427 casos

    9 /13(Humberto Do Lago Müller/Wikimedia Commons)

    Casos: 427
    Índice para cada 100 mil habitantes: 532,5
    Casos em 2014:380
    Índice para cada 100 mil habitantes: 473,9
  • 10. Limão - 373 casos

    10 /13(Wikimedia Commons/Jurema Oliveira)

    Casos: 373
    Índice para cada 100 mil habitantes: 464,9
    Casos em 2014: 206
    Índice para cada 100 mil habitantes: 256,8
  • 11. Casa Verde - 260 casos

    11 /13(Leonardo Ré-Jorge/Wikimedia Commons)

    Casos: 260
    Índice para cada 100 mil habitantes: 303,7
    Casos em 2014: 196
    Índice para cada 100 mil habitantes: 228,9
  • 12. Parque do Carmo - 227 casos

    12 /13(Wikimedia Commons/ Raphael Igor)

    Casos: 227
    Índice para cada 100 mil habitantes: 332,6
    Casos em 2014: 52
    Índice para cada 100 mil habitantes: 76,2
  • 13. Onde a violência é endêmica em São Paulo

    13 /13(Thinkstock)

  • Acompanhe tudo sobre:DengueDoençasEpidemiasMinistério da SaúdeSaúdeSaúde no Brasil

    Mais lidas

    exame no whatsapp

    Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

    Inscreva-se

    Mais de Brasil

    Mais na Exame