Brasil

A política em 2024: a agenda econômica sob coalizão dividida

OPINIÃO | Dois pilares da agenda econômica serão testados em 2024

Plenário da Câmara dos Deputados durante a promulgação da reforma tributária
 ( Roque de Sá/Agência Senado)

Plenário da Câmara dos Deputados durante a promulgação da reforma tributária ( Roque de Sá/Agência Senado)

Rafael Cortez
Rafael Cortez

Colunista

Publicado em 4 de janeiro de 2024 às 06h05.

Última atualização em 4 de janeiro de 2024 às 16h54.

A paisagem política do Brasil nos últimos anos gerou diversos desafios para a gestão da política econômica. A radicalização entre governo e oposição e as consequentes tensões institucionais promoveram episódios de manifestações contra organizações fundadoras da democracia liberal: o sistema eleitoral brasileiro e a lisura das urnas tornaram-se debate cotidiano, o Supremo Tribunal Federal passou por um processo de deslegitimação e as forças militares passaram a fazer política. O Brasil viveu episódios de violência política e transição de governo tumultuada, o que culminou na invasão da Praça dos Três Poderes. Sob o olhar estritamente político, o desafio de 2023 era basicamente de reconstruir as bases da política centrista, marca da “era de ouro” (1994-2014) da política brasileira, quando a alternância de poder não gerava percepção de risco tão elevada.

A agenda econômica sofreu as consequências desse ambiente político turbulento. O voluntarismo na gestão da agenda econômica em 2022 agravou os desafios fiscais a partir da corrosão das bases políticas da antiga emenda do “teto de gastos”.  A criação de um estado de emergência constitucional, o desenho das políticas sociais e mudanças em tributos tornaram-se armas eleitorais. A reconstrução da política fiscal aos olhos do debate econômico era o principal desafio do governo Lula III.

Em resumo, o desafio do novo presidente era pacificar o País e promover uma reconstrução fiscal em meio à insegurança política, incluindo, a percepção de risco quanto à própria continuidade do mandato.

Leia também: Articulações no governo indicam aperto tributário e regulatório em 2024

O governo respondeu a esse duplo desafio com duas políticas: a PEC da transição e a construção do novo arcabouço fiscal. Dito de modo mais direto: a economia política da política radicalizada gerou uma estratégia fiscal com expansão real de gastos públicos e uma regra para seu controle.

O ano de 2023, então, serviu para minimizar o risco de um quadro pessimista para a economia brasileira. A avaliação dos riscos políticos para esse novo ciclo econômico foi muito contaminada pelo ambiente eleitoral. As visões mais pessimistas ignoraram o pragmatismo da nova equipe econômica e especialmente os sistemas de freios e contrapesos com seus alarmes de incêndio.

A opção pelo comando político do Ministério da Fazenda trouxe dividendos adicionais para o novo governo. O ministro Fernando Haddad construiu uma relação política com as lideranças parlamentares que escapou dos problemas da gestão da coalizão de governo. A reforma tributária do consumo foi aprovada, o que deve resultar em choque positivo para a economia brasileira, o que já aparece nos movimentos das agências de rating, como da S&P, que elevou a classificação do País, igualando com as demais agências.

O desafio de 2024 no plano político é dar consistência temporal a essa estratégia fiscal ancorada na recomposição das bases tributárias em um sistema partidário de maioria de centro-direita. A tendência natural das casas legislativas vai na direção contrária à estratégia de ajuste fiscal pelas receitas, devido a preferências por desonerações tributárias ideais para o eleitor mediano.

Avaliação de Lula

Os condicionantes do ambiente político devem seguir pouco convidativos para a política fiscal.

A figura a seguir retrata basicamente estabilidade da percepção dos brasileiros em relação ao desempenho do governo Lula, o que corrobora a tendência da cristalização do conflito político. Nota-se que não houve incremento da popularidade presidencial mesmo com crescimento mais positivo da economia e a recomposição das políticas sociais. Em 2024, a tendência é de perda de ritmo da economia somada aos conflitos das eleições municipais, o que deve exacerbar as divisões políticas da coalizão de governo.

Figura 1: Avaliação de governo - (%)

Fonte: Quaest/Genial (elaboração Tendências)

A percepção de um País dividido é também corroborada pela leitura da maioria do eleitorado de que o presidente Lula não faz um governo pacificador. Aqui, há uma contradição da comunicação política do governo: ele legitima suas agendas a partir das referências ao governo Bolsonaro, o que gera percepção em parte do eleitorado de revanchismo político.

Figura 2: Papel do presidente Lula em unificar o País (%)

Fonte: Quaest/Genial (elaboração Tendências)

Essa visão da sociedade sobre o papel divisor do presidente Lula não condiz com as escolhas estratégicas do seu mandato. Lula ampliou o papel da centro-direita na sua coalizão. Apenas o PL entre as legendas relevantes não faz parte da base aliada, ou seja, trata-se de uma administração de “frente ampla”.

A paisagem política esperada para 2024 é de repetição desse modus operandi: a centro-direita está na base do governo, mas não dá apoio natural à agenda governamental. Não por acaso, o governo teve decretos, MPs e vetos derrubados em itens importantes das pautas legislativas.

A relação de rivalidade/cooperação entre o presidente Lula e as lideranças legislativas deve seguir a mesma dinâmica. Trata-se do triunvirato da política brasileira. Pacheco e Lira precisam construir seus projetos eleitorais no campo da direita. Assim, a pauta legislativa deve incluir itens distantes das preferências do governo, tais como reforma administrativa e proibição de reeleição.

Este ano, então, vai testar dois pilares da agenda econômica: o capital político para realizar os contingenciamentos necessários para concretizar a estratégia fiscal desenhada pelo governo (primário zero) e a blindagem política do debate sobre a reforma tributária (votação da legislação complementar da PEC).

Há riscos relevantes de que as condições políticas resultem em gradualismo ainda mais lento de acomodação do endividamento público. O governo deve entrar em 2024 com percepção elevada de risco político e os parlamentares estarão ávidos para executar emendas em ano eleitoral.

De todo modo, o modelo de agenda competitiva entre esquerda e direita e a aposta no diálogo político podem produzir um cenário que coloque o Brasil como destaque entre as economias emergentes, considerando o momento do contexto global.

Acompanhe tudo sobre:Governo LulaFernando HaddadLuiz Inácio Lula da SilvaCongressoCâmara dos DeputadosSenadoReforma tributária

Mais de Brasil

Mais de 600 mil imóveis estão sem luz em SP após chuva intensa

Ao lado de Galípolo, Lula diz que não haverá interferência do governo no Banco Central

Prefeito de BH, Fuad Noman vai para a UTI após apresentar sangramento intestinal secundário

Veja os melhores horários para viajar no Natal em SP, segundo estimativas da Artesp