Brasil

A briga pela liderança do etanol

Brasil e Estados Unidos disputam qual será o primeiro país a produzir álcool de celulose -- quem vencer a corrida terá a supremacia do mercado mundial desse combustível

Usina em Pirassununga: multiplicação da capacidade de produção  (--- [])

Usina em Pirassununga: multiplicação da capacidade de produção (--- [])

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h30.

Responda sem pestanejar: que país ocupa a liderança do mercado mundial de etanol? Para alguns, a resposta óbvia é o Brasil. Afinal, o país tem o menor preço de produção do mercado, 22 centavos de dólar por litro (ante 30 centavos dos Estados Unidos), além de vastas áreas disponíveis para o plantio de matéria-prima. Outros dirão que são os Estados Unidos, atuais donos da maior produção anual, algo em torno de 20 bilhões de litros de combustível. Nos próximos anos, essa pergunta não deve mais gerar tanta dúvida. Os dois países estão em meio a uma briga que deve assegurar ao vencedor a liderança isolada do mercado de álcool. A diferença é que, dessa vez, a disputa não se dará nas plantações de cana-de-açúcar e milho ou nas usinas -- mas, sim, em laboratórios altamente sofisticados. O que cientistas estudam hoje é uma forma de transformar capim, palha de milho, lascas de madeira e dezenas de outras fontes de celulose em álcool. Conhecido como etanol celulósico, esse tipo de biocombustível aproveita os restos do processo industrial para gerar energia -- no caso da cana-de-açúcar, a produtividade pode dobrar na mesma área plantada. "Isso faz com que a gente aproveite ao máximo a terra disponível", afirma Alberto de Oliveira Fontes, coordenador do Programa de Energias Renováveis da Petrobras. Embora já existam projetos experimentais de produção de etanol celulósico no Brasil e nos Estados Unidos, o grande desafio é tornar a empreitada economicamente viável.

Em termos de investimentos em pesquisa, os americanos, que desbancaram o Brasil no posto de maior produtor mundial de etanol em 2006, estão na frente. Só em 2007, foram canalizados nos Estados Unidos cerca de 1,5 bilhão de dólares para as pesquisas no setor (veja quadro). O dinheiro vem de empresas como a British Petroleum, que anunciou a doa  ção de um terço dessa quantia à Universidade da Califórnia, em Berkeley, para estudos que têm como objetivo encontrar maneiras mais eficientes de transformar a celulose em açúcar e, depois, em combustível. O governo americano também aposta no futuro do etanol celulósico. Por meio do Departamento de Energia, liberou 385 milhões de dólares para financiar as pesquisas de projetos que trabalham para fazer com que o etanol com base em palha e lascas de madeira seja viável em escala industrial. Entre essas empresas, a que se encontra num estágio mais avançado é a Iogen Biorefinery. Com sede no Canadá, ela fechou parceria com a Shell e a PetroCanada e montou uma planta piloto com capacidade de produção de 4,5 milhões de litros por ano. Até 2010, a empresa espera aumentar esse volume para 205 milhões de litros por ano.

Eles investem quase quatro vezes mais
A diferença entre o Brasil e os Estados Unidos na corrida pelo etanol celulósico
 BrasilEstados Unidos
Linha de pesquisaO bagaço de cana, abundante no país, é a principal matéria-prima. Para ser transformado em etanol, passa por processos químicos resultantes da ação de ácidos ou de bactérias geneticamente modificadasApostam em várias fontes de material celulósico, como palha de milho, trigo ou lascas de madeira, que se transformam em etanol por processo termoquímico, pela ação de ácidos ou de bactérias geneticamente modificadas
Principais empresas envolvidasBiocell/Votorantim,Dedini, PetrobrasAbengoa, Iogen(1),Verenium
Total de investimentos anunciados em pesquisa400milhões de dólares(2)1,5 bilhão de dólares(3)
(1) Empresa com sede no Canadá, mas que também atua nos EUA
(2) Inclui verba para a pesquisa de biocombustíveis em geral
(3) Inclui fundos de capital de risco
Fontes: Finep, Fapesp,Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil e Departamento de Energia dos Estados Unidos

O etanol celulósico é uma das prioridades de George W. Bush. No começo do ano, o presidente dos Estados Unidos anunciou que até 2017 o país vai produzir mais de 130 bilhões de litros de biocombustível. A estratégia tem como objetivo reduzir o consumo de petróleo dos Estados Unidos, que importam 60% do combustível usado no país. Além de depender da boa vontade de países do Oriente Médio (onde os americanos colecionam inimigos), seu preço voltou a disparar no final de 2007. O barril de petróleo chegou perto da casa dos 100 dólares em novembro. O problema é que os Estados Unidos estão muito longe de atingir sua meta na área de biocombustíveis. Em 2006, as usinas americanas despejaram 20 bilhões de litros de álcool no mercado. Para complicar, como o país usa o milho como principal matéria-prima do etanol, o esforço para aumentar a produção vem gerando uma pressão sobre o preço do alimento. Os especialistas estimam que o limite de produção americano esteja perto de 55 bilhões de litros de etanol -- ou quase um terço do pretendido por Bush.

Se nos Estados Unidos sobram recursos para pesquisas com etanol celulósico, o Brasil ainda depende da iniciativa de empresas interessadas em conquistar um pedaço desse mercado. Uma das companhias que se destacam pela qualidade de suas pesquisas é a Biocell. Criada pela Votorantim no começo do ano, A Biocell vai investir 50 milhões de reais na construção da primeira usina brasileira desse tipo de etanol. O projeto deve ficar pronto até 2011. A empresa acredita tanto no sucesso da tecnologia que mandou patenteá-la nos Estados Unidos. Se a fábrica for mesmo bem-sucedida, a Biocell poderá ajudar o país a triplicar a produção nacional do combustível. Outra empresa que está se destacando é a Dedini Indústrias de Base, sediada em Sertãozinho, no interior de São Paulo. A empresa vai fechar 2007 com 100 milhões de reais investidos em pesquisas nesse tipo de biocombustível. Em sua maior parte, essa verba é canalizada para a usina experi  mental de etanol celulósico da companhia. O negócio está instalado na cidade de Pirassununga, no interior de São Paulo. "Se tudo der certo, iniciamos a unidade semicomercial daqui a três anos", diz José Luiz Olivério, vice-presidente de tecnologia da Dedini. Até a Petrobras entrou na corrida, inaugurando em outubro, em seu centro de pesquisas no Rio de Janeiro, uma usina piloto de etanol celulósico. A estatal tem verba de 500 milhões de reais reservada para investimentos em biocombustíveis nos próximos anos.

O etanol é uma das alternativas mais viáveis para o fim do petróleo e para reduzir o problema do aquecimento global. Seu consumo deve explodir nos próximos anos no mundo. Até 2012, deve passar dos atuais 50 bilhões de litros por ano para 113 bilhões de litros. Hoje, o Brasil seria capaz de suprir sozinho a demanda pelo combustível. Se usasse 20% de suas áreas de pastagem para o plantio de cana-de-açúcar, o país produziria o suficiente para substituir 10% da gasolina consumida no mundo. Na corrida pela nova fronteira do etanol, os pesquisadores nacionais levam vantagem sobre seus colegas americanos na experiência acumulada em três décadas de pesquisas relacionadas à produção do combustível. Outro diferencial é o uso de matéria-prima barata e encontrada em abundância por aqui, o bagaço de cana-de-açúcar. "Em razão de todos os investimentos que estão realizando, os Estados Unidos podem até desenvolver as primeiras usinas comerciais de etanol celulósico", afirma Fernando Reinach, diretor da Votorantim Novos Negócios. "Mas, no final das contas, vai vencer essa corrida quem chegar a um produto com preço final mais barato. O Brasil tem tudo para continuar sendo o país mais competitivo do mundo nessa área."

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