Maria Carolina de Jesus: livro narra as agruras de viver na favela em São Paulo (Audálio Dantas/Agência Brasil/Agência Brasil)
Luiza Calegari
Publicado em 9 de março de 2018 às 06h30.
Última atualização em 9 de março de 2018 às 06h30.
São Paulo – Desde que as mulheres conquistaram espaço para pensar (e escrever) sobre o Brasil e sobre o papel social que lhes coube, a história, a sociologia e a literatura no país ficaram muito mais ricas e interessantes.
Para marcar o Dia Internacional da Mulher, EXAME compilou sete sugestões de livros, entre tratados sociológicos, clássicos da literatura e grandes reportagens que marcaram época e nos apresentaram a aspectos ainda pouco explorados de nossa história.
As professoras Lília Schwarcz (USP) e Heloísa Starling (UFMG) dão forma a um projeto ambicioso: registrar as contradições que construíram a sociedade brasileira ao longo de 500 anos, escancarando vários aspectos aparentemente paradoxais, mas que funcionam como complementos na formação do caldeirão cultural que somos hoje. Para isso, elas recorrem não apenas à “Grande História” (que revisam com rigor), mas também aos relatos sobre indivíduos quase anônimos e a aspectos da vida privada, que se entrelaçam para articular uma das biografias possíveis do país.
Esta coletânea de artigos de diversos autores, organizada pela historiadora Mary del Priore, resgata a história das mulheres desde o Brasil colônia para traçar um panorama que engloba ainda as histórias das famílias, do trabalho, da sexualidade, da literatura e das representações. Em quase 700 páginas, 18 autores diferentes (um deles é a escritora Lygia Fagundes Telles) exploram as diferenças regionais, econômicas e temporais que compõem o mosaico de mulheres no Brasil. Estão presentes temas como psicanálise, magistratura, literatura, maternidade e homoerotismo.
Um clássico da literatura brasileira escrito quando a cearense tinha apenas 21 anos, O Quinze conta a história de uma família de retirantes nordestinos que enfrenta percalços em seu trajeto em busca da riqueza e de melhores condições de vida em São Paulo. Sem apelar para a pieguice nem a recursos exagerados para provocar a comoção do leitor, Queiroz alcança neste livro a dupla tarefa de compor uma obra literária que merece entrar para o cânone e um retrato poético e realista das condições de vida e pobreza dos moradores de um Nordeste assolado pela seca, pela fome e pelo descaso do poder público.
A jornalista Daniela Arbex conseguiu, neste livro, fazer o que nenhum brasileiro tinha alcançado antes: registrar e dimensionar o impacto do funcionamento do maior hospício brasileiro em Barbacena, Minas Gerais (MG). Na obra, que foi escolhida como o melhor Livro-Reportagem do Ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte em 2013, ela reconstitui as histórias e a rotina dos que foram internados no local: prostitutas, homossexuais, epilépticos, alcoólatras e mulheres que engravidaram antes do casamento. O livro subsidia um importante debate no campo da saúde mental no Brasil, trazendo à mostra a crueldade e a ineficácia das internações manicomiais nestes moldes.
A publicação deste livro por uma editora universitária de Minas Gerais em 1978 rendeu à doceira de então com 88 anos o reconhecimento de ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade. Apesar de só ter concluído os estudos até a quarta série do ensino fundamental, foi agraciada com um título universitário honoris causa por causa de seus poemas. Ela passou boa parte da vida morando no interior de São Paulo, mas seus poemas retratavam a candura da vida doméstica na área rural de Goiás, um território pouquíssimo explorado pela literatura antes de Cora.
Mais um livro de uma jornalista, desta vez dando voz às mulheres que são tratadas como homens nos presídios brasileiros. Queiroz costura os relatos das próprias presas e de seus familiares, relatando os eventos que as levaram ao encarceramento e as condições a que são submetidas depois que foram presas. Segundo ela, o fato de as presas femininas serem tratadas iguais aos homens é uma questão de dignidade: o Estado esquece que elas precisam de absorventes, exames como Papanicolau e pré-natais, só para começar.
O subtítulo deste livro é “diário de uma favelada”. Tendo estudado apenas dois anos do ensino fundamental, Maria Carolina de Jesus narra seu cotidiano como catadora de lixo e “fazedora de bicos” em São Paulo, e nos carrega para o ambiente de pobreza, degradação e humilhação que ela tem de atravessar para garantir o sustento próprio e de seus filhos. Seu retrato sobre a fome, a miséria e a mesquinhez do cenário pelo qual estava cercada alcançou mais repercussão internacional do que nacional, mas, em iniciativas recentes, sua história tem sido resgatada para que mais brasileiros conheçam uma realidade que a conveniência social faz de tudo para esconder.