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10 medidas para acabar com a crise

Especialistas apontam um pacote de soluções para tirar o país do colapso no sistema aéreo. São medidas cuja implantação depende mais da vontade política do que da disponibilidade de recursos

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h30.

O apagão aéreo é hoje um problema tão atrelado à imagem do Brasil no exterior quanto a corrupção, a violência e a desigualdade social. Poucos dias antes do anúncio da escolha do país como sede da Copa do Mundo de 2014, o jornal inglês Financial Times, um dos veículos econômicos mais respeitados do mundo, publicou uma reportagem dizendo que os problemas dos aeroportos brasileiros podem transformar num caos a vida dos turistas e inviabilizar a realização do torneio. O artigo provocou protestos de autoridades brasileiras. Mas como ignorar os fatos? Cerca de um ano após o surgimento da crise, os principais aeroportos do país seguem caóticos. No ato mais recente da confusão que reina nessa área, ocorrido no final de outubro, o diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, pediu demissão do cargo. Alguns meses antes, outros quatro diretores já haviam se desligado do órgão, que vem sendo considerado um dos principais responsáveis pela situação de caos nos aeroportos do país.

No balanço final sobre sua gestão à frente da Anac, Zuanazzi defendeu a idéia de o Brasil já ter superado a fase do apagão aéreo e de os problemas recentes serem fruto da falta de verbas para adequar o setor a um ritmo forte de crescimento. Suas declarações provocaram espanto entre as pessoas que acompanham atentamente a área. "Há dificuldades relacionadas à falta de dinheiro, é verdade, mas os recursos existentes também não são bem empregados, por causa de problemas de gestão", afirma Frederico Turolla, diretor da consultoria Pezco. A aviação civil deve ser administrada por profissionais especializados, com capacidade técnica reconhecida e livres de indicações políticas. Só assim os aeroportos brasileiros poderão algum dia chegar ao nível do Aeroporto Internacional de Hong Kong, apontado como o melhor do mundo em uma pesquisa do Conselho Internacional de Aeroportos, baseada na avaliação de 12 milhões de passageiros. Construído na ilha artificial de Chek Lap Kok, ele foi inaugurado em 2000 e substituiu o antigo terminal de Kai Tak, considerado na época o mais perigoso do planeta. De acordo com especialistas ouvidos pelo Anuário EXAME, o Brasil tem muito a aprender com o aeroporto de Hong Kong, um modelo mundial em termos de eficiência operacional e facilidade de acesso. A seguir, as dez medidas destacadas pelos estudiosos no assunto para que o Brasil saia da atual crise aérea.

1 Privatizar a administração dos aeroportos
O tráfego aéreo brasileiro aumenta 9% ao ano, mas o governo não tem recursos para investir na ampliação dos aeroportos e acompanhar esse ritmo de crescimento. Segundo os especialistas, a solução é privatizar a gestão dos aeroportos, hoje nas mãos da Infraero. A estatal, que registrou prejuízo de 590 milhões de reais em 2006, administra os principais terminais do país, responsáveis por 97% do tráfego aéreo nacional. Nos últimos anos, os investimentos realizados pela Infraero foram direcionados para obras de conforto, como estacionamentos e centros comerciais, em detrimento de infra-estrutura física e segurança. Com isso, os terminais encontram-se subdimensionados. Uma maior participação da iniciativa privada no setor poderia resolver muitos dos problemas atuais. Apenas quatro aeroportos nacionais estão hoje nas mãos de empresas. Um deles é o de Porto Seguro, assumido pelo grupo baiano Sinart em 1999. Desde então, o movimento de passageiros cresceu de 300 000 para 700 000 e a alfândega, anteriormente com expediente de 8 horas, passou a funcionar o dia todo.

2 O governo deve se limitar à regulamentação
Cabe ao governo se preocupar com questões que envolvam principalmente a segurança dos passageiros. "Como numa partida de futebol, o melhor árbitro é o que não aparece, deixa o jogo correr e penaliza quando acontece a falta", diz Respicio Espirito Santo, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas Públicas em Transporte Aéreo (Cepta). Assim, o governo não deveria perder tempo com detalhes como a distância mínima que deve haver entre as poltronas das aeronaves, como fez em agosto o ministro da Defesa, Nelson Jobim.

3 Traçar um plano de metas de longo prazo
Estima-se que o movimento de passageiros no país deverá triplicar até 2025. No entanto, não existe um programa de quais obras são prioritárias e como o governo vai arrecadar recursos para construí-las. Em países da Europa, já se sabe o que será feito nas próximas duas décadas. O aeroporto de Hong Kong, considerado um dos melhores do mundo, tem um plano traçado para os próximos 25 anos. "O planejamento deve ser dinâmico, atualizado anualmente ou a cada dois anos", diz Alfredo Malan D'Agrogne, consultor especializado em aviação civil.

4 A Anac deve ter atuação técnica e independente
A Anac precisa de um corpo técnico-profissional competente, não pode virar um cabide de empregos ou ficar sujeita a ingerências político-partidárias. O órgão regulador deve ter autonomia, e as regras do jogo não podem ser alteradas ao sabor das vontades políticas. Além disso, o consultor Alfredo Malan, especializado em aviação, critica o atual formato de decisões da agência, dependente de um órgão colegiado constituído por um diretor-presidente e quatro diretores. "A necessidade de decisões urgentes é incompatível com o atual modelo", afirma.

5 Mecanismos para atrair a iniciativa privada
Para Protógenes Pires Porto, professor aposentado do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), os aeroportos de Congonhas, Guarulhos, Santos Dumont e Brasília poderiam ser privatizados pelo modelo de parcerias público-privadas (PPPs). Caso o governo opte pelo sistema de concessão à iniciativa privada, considerado o mais viável, as ofertas poderiam ser divididas em lotes, cada um deles contendo aeroportos lucrativos e outros menos rentáveis, de modo que garanta o equilíbrio do sistema.

6 Aumentar os investimentos em tecnologia
O Aeroporto Internacional de Hong Kong investe constantemente em tecnologia da informação. É pioneiro, por exemplo, no uso do sistema RFID (identificação por radiofreqüência) na administração de bagagens, o que reduz a quantidade de malas extraviadas e o tempo dos aviões em solo. No Brasil, a escassez de investimentos em tecnologia afeta a segurança. A falta de manutenção de equipamentos já tirou radares do ar e deixou controladores de vôo sem enxergar os aviões nas telas dos computadores. Foi um dos motivos que contribuíram para o acidente com um Boeing da Gol e um jato Legacy, em setembro de 2006.

7 Melhorar o controle de tráfego aéreo
A experiência canadense pode servir de exemplo para o controle de tráfego aéreo no Brasil. Em 1996, a atividade foi transferida da Transport Canada, órgão do governo federal, para a Nav Canada, uma entidade privada. De saída, o custo do controle de tráfego caiu 30%. A Nav Canada emprega 5 000 pessoas, sendo 2 000 controladores. A receita provém de taxa cobrada sobre pousos e decolagens. Os especialistas entendem que o modelo canadense é viável no Brasil e seria uma alternativa à desmilitarização da atividade. O consultor Alfredo Malan defende a transferência do controle do tráfego aéreo para civis, com plano de carreira compatível e legislação rígida sobre o direito de greve. Atualmente, o salário dos oficiais especialistas -- sargentos que trabalham como controladores -- fica limitado à carreira militar, desestimulando a formação de novos profissionais.

8 Priorizar algumas obras
Décadas de atraso na modernização da infra-estrutura de transportes não podem ser resolvidas em pouco tempo. Mas algumas ações possuem um caráter mais urgente por ter reflexo em todo o sistema aeroportuário brasileiro. Uma delas é a construção do terceiro terminal e da terceira pista do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. É importante também limitar ainda mais o tráfego de aeronaves em Congonhas, reduzindo drasticamente o número de escalas no aeroporto da capital paulista. Outros dois aeroportos estratégicos que estão subdimensionados são o de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e o de Brasília.

9 Elevar a participação estrangeira nas empresas
Para proteger as empresas de capital nacional, a legislação brasileira restringe a participação do capital estrangeiro em companhias aéreas. Para o consultor Alfredo Malan, o limite à participação do investidor estrangeiro deveria ser elevado dos atuais 20% para 49% do controle acionário, a exemplo do que foi feito na União Européia. Lá, a maior abertura ao capital estrangeiro permitiu o crescimento das companhias regionais de baixo custo, que oferecem passagens mais baratas, operam em aeroportos secundários e dispõem de maior quantidade de linhas.

10 Reduzir a carga tributária do setor
As companhias aéreas poderiam obter uma economia de 200 milhões de dólares por ano se a alíquota do ICMS fosse unificada em 12% em todos os estados brasileiros. Em São Paulo, onde está o maior fluxo de aeronaves do país, cobra-se 25%. Hoje, em busca de vantagens fiscais, as companhias aéreas preferem viajar com um avião de tanque cheio a abastecer em estados que cobram alíquotas maiores de ICMS. A decisão afeta a segurança dos vôos. Com vontade política, o governo federal também poderia aprovar a isenção de PIS e Cofins sobre o combustível de aviação, tirando um peso adicional de 60 milhões de dólares por ano das despesas das companhias aéreas.

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