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Trabalho enfatiza tratamento de distúrbios genéticos raros

Acredita-se que os casamentos entre parentes em Monte Santo (BA) possam ter favorecido o surgimento de doenças de origem genética

Monte Santo: nos últimos anos, cidade tem sido o palco de tratamento e prevenção de doenças genéticas raras (Wikimedia Commons)

Monte Santo: nos últimos anos, cidade tem sido o palco de tratamento e prevenção de doenças genéticas raras (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 29 de agosto de 2014 às 09h25.

Monte Santo - José de Andrade Pereira é um homem de fibra. Em 2004, ele levou o filho mais velho, que aos 3 anos era muito baixo, tinha dedos curtos, cabeça grande e dificuldade de fala – e mais uma vez estava com forte dor de ouvido –, a um posto de saúde de Monte Santo, interior da Bahia.

O médico lhe disse que, além de cuidar da dor de ouvido, não poderia fazer mais nada diante de uma doença que não conhecia e que ele deveria apenas esperar o menino morrer. Pereira reagiu: “Esperar é o que não vou fazer, nunca!”. Ele fez a viagem de seis horas até Salvador e perguntou a um porteiro do Hospital Universitário Professor Edgard Santos quem ele deveria procurar para tratar de um menino como aquele.

Os médicos examinaram o menino e depois o irmão de 11 meses, na viagem seguinte, e concluíram que os dois tinham mucopolissacaridose tipo 6, uma doença rara de origem genética então sem tratamento. Pereira alertou: “Tem outras crianças assim por lá”. Sua visão de mundo mudou a história desta cidade do sertão baiano.

Monte Santo foi um acampamento para as tropas do governo que lutaram na guerra de Canudos. A praça principal exibe uma escultura em madeira de Antonio Conselheiro, o beato que liderou os sertanejos vistos como opositores da república nascente.

Apontada para a escultura há uma matadeira, canhão usado nas batalhas em que morreram 25 mil revoltosos e 5 mil soldados. Nos últimos anos Monte Santo tem sido o palco de outras batalhas: a identificação, o tratamento e a prevenção de doenças genéticas raras, que começaram a ser reconhecidas a partir da indicação de Pereira.

Antes as crianças com doenças como a mucopolissacaridose permaneciam em suas casas. Seus pais achavam que nada mais poderia ser feito. Médicos e pesquisadores de Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre foram a Monte Santo pela primeira vez em 2006 e se espantaram com a diversidade de doenças raras que viam em um só lugar.

Já diagnosticaram 13 pessoas com mucopolissacaridose tipo 6, uma proporção 240 vezes maior do que a média nacional, 84 com deficiência auditiva de possível origem genética, 12 com hipotireoidismo congênito, nove com fenilcetonúria, que pode causar deficiência intelectual se não tratada, quatro com osteogênese imperfeita, marcada pela extrema fragilidade dos ossos, e quatro com síndrome de Treacher Collins, que prejudica a formação dos ossos do crânio.

Acredita-se que os casamentos entre parentes, antes muito frequentes, possam ter favorecido o surgimento de doenças físicas e mentais de origem genética. Muitas pessoas se casavam sem saber que tinham ascendentes próximos em comum.

José Pereira e sua esposa, Júlia Isaura dos Santos Pereira, souberam que eram parentes só há poucos anos, ao reconstituírem a genealogia da família com os pesquisadores de Salvador, e enfim entenderam por que tinham ouvido falar de tios com a mesma doença dos dois filhos mais velhos.

Talvez as raízes mais profundas desses problemas estejam na própria história do lugar. Vários relatos do historiador baiano José Calasans indicam que o município hoje com 52 mil moradores – espalhados em 47 povoados ao redor do núcleo urbano – foi um centro de convergência de pessoas doentes em busca dos milagres do Conselheiro, que reforçou a fama religiosa do lugar. Foi ele quem reformou as capelas ao longo da via-sacra, um caminho íngreme e sinuoso de pedras, com 2,8 quilômetros (km) de extensão, que termina em uma capela erguida no alto do morro em 1786 por um padre italiano.

Todo ano, milhares de romeiros sobem o caminho de pedras, às vezes de joelhos ou com uma pedra na cabeça, para pagar promessas. Por serem geralmente pobres, os doentes, curados ou não, seus familiares e romeiros podem ter tido dificuldade para voltar para suas terras de origem ou preferido ficar na região.

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