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"Somos um modelo para outras empresas"

Fundação Mozilla é um exemplo para as demais, afirma sua presidente

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h38.

Em uma entrevista por telefone, a principal executiva da Fundação Mozilla, Mitchell Baker, disse à EXAME que seu modelo administrativo, apoiado na colaboração gratuita de programadores espalhados pelo mundo, pode servir de exemplo a outras companhias. Mitchell aproveitou para criticar a rival Microsoft e sugeriu que a maior empresa de software do planeta inova pouco por estar em uma confortável posição de monopólio.

EXAME - Como a Mozilla, sendo tão pequena, consegue competir no mercado de navegadores?

Mitchell Baker - É verdade que somos pequenos e que mesmo assim conseguimos bons resultados. Estamos nos aproximando de uma equipe de 100 pessoas, mas o Firefox começou a ganhar participação de mercado de forma muito significativa quando a versão 1.0 foi lançada. À época, tínhamos cerca de uma dúzia de funcionários. Ocorre que cada funcionário representa um grupo muito maior de pessoas que trabalham no produto. Algo como 30% a 35% do código vem de não-funcionários. É claro que não é possível para a Fundação Mozilla empregar pessoas o bastante para ser efetiva. Precisamos ser uma comunidade unida tentando construir alguma coisa. Nossos funcionários formam a espinha dorsal, mas o número de pessoas realmente envolvidas com o Firefox é muito maior. E o que é interessante do ponto de vista de uma organização é a dedicação desses colaboradores, seu comprometimento e entusiasmo no processo de fazer a Mozilla.

EXAME - Como a fundação obtém recursos para pagar os funcionários e as demais despesas?

Baker - A maior parte de nossas receitas vem de propaganda relacionada à busca. O Firefox tem o que chamamos de caixa de busca, que conta com patrocínio de Google, Yahoo, eBay e Amazon. Sempre que uma busca é feita, temos uma receita desses parceiros. Nosso faturamento é público. O último dado disponível é de 2005 e foi algo como 50 milhões de dólares ou 55 milhões de dólares. Em 2006 crescemos mais. Muitas pessoas questionam como é possível obter receitas com um navegador, um tipo de software que é gratuito. Mas há muitas formas de fazer dinheiro com um browser. A questão realmente importante é gerar receita de uma forma que os usuários gostem, que não atrapalhe a experiência de navegação. Há navegadores que vendem alguns endereços que aparecem no "preferidos" ou coisas assim, mas os usuários muitas vezes não gostam disso, não enxergam valor nisso. Que valor de marketing há em colocar alguém em frente de algo que de outra maneira ele não iria procurar? Então somos muito cuidadosos quanto a isso. A busca é uma das poucas exceções que encontramos para obter um ingresso de receitas sem incomodar o usuário.

EXAME - O Firefox é sustentado por publicidade. A senhora acredita que a propaganda pode substituir a tradicional venda de licenças como modelo de negócios para os fornecedores de software?

Baker - Em alguns casos, provavelmente. Mas não estou tão certa de que o modelo de licença de software com o qual estamos tão familiarizados desde os anos 90 sobreviveria de qualquer forma. Qual o sentido de pagar uma taxa para ter um software, considerando que o programa não funciona em outras máquinas e não conversa com outros sistemas? Isso não parece estar em linha com os interesses dos usuários. Já esperava que este modelo apresentasse problemas mesmo antes do surgimento da propaganda e dos mecanismos de busca como uma forma de obter receitas com software. Sempre acreditei que o software evoluiria mais para um modelo de serviços. Em relação à propaganda, acho que em alguns casos pode ser interessante, sim. Sobretudo no browser, porque este é um software que serve para procurar outras coisas, procurar informações. Mas suspeito que propaganda de busca em outros programas não será proveitosa para o usuário. Com o tempo deve ficar claro que este é um modelo válido para browsers e alguns outros tipos de software nos quais o usuário percebe valor na publicidade. Mas a propaganda talvez não sirva para todos os tipos de programas.

EXAME - A senhora acha que o modelo de gestão da Mozilla pode ser útil a outras empresas?

Baker - Sim, acho. Estou bastante confiante de que muitas das técnicas que usamos podem ser muito úteis para outros tipos de empresas. Mas o modelo integral pode ser copiado? Aí já tenho dúvidas. Se alguém olhar para o que fazemos e falar ';Ok, aqui está um novo modelo de gestão, vamos replicá-lo na nossa empresa';, não estou certa de que isso funcionaria. Mas alguns dos aspectos do que fazemos, sem dúvida.

EXAME - Quais aspectos, exatamente?

Baker - Por exemplo, administrar uma organização em que os voluntários são tão importantes. Como se gerencia voluntários? Como manter a motivação de um grande grupo? Como continuar inovando sempre? Sabemos que é possível obter receitas com um browser de maneiras que não agradem muito aos usuários. É possível rechear o navegador com botões extras que os internautas não usam, não compreendem, e que tornam sua experiência confusa. Mas mesmo que estivéssemos tentados a usar esses truques para obter mais receitas, não poderíamos fazer isso. No nosso caso, realmente não temos escolha. Porque o grupo de pessoas que cria o Firefox e faz o produto ser um sucesso não é um grupo de funcionários. Se eles não gostarem do produto que fazemos e distribuímos, eles não vão nos ajudar mais. Nossos colaboradores amam o que fazem e isso se reflete no produto. Muitas empresas adorariam ter esse tipo de relação com seus colaboradores. Chegamos a isso porque não dispomos de muitas das ferramentas de gerenciamento que as companhias tradicionais usam para fazer as pessoas trabalharem, como salários ou promoções. Fazemos um produto que gera entusiasmo e por isso as pessoas acham que vale a pena trabalhar nesse projeto. Este é um exemplo de algo que fazemos que seria útil a outras empresas. Além disso, nossa forma de operação permite que as pessoas sejam inovadoras e testem todos os tipos de idéias. Esta é uma questão recorrente para os negócios. As grandes empresas precisam manter seu modelo e sua tecnologia, pois esta é a base de seu sucesso. Mas como fazer isso e inovar ao mesmo tempo? Temos milhões de usuários e muitos não são versados em tecnologia. Então precisamos, de um lado, fazer um produto de alta qualidade, profissional; e, de outro, temos de ser inovadores, porque muitas das pessoas que ajudam a fazer o Firefox são os chamados "power users", os aficionados em tecnologia. Conseguimos esse equilíbrio. Mas vejo diversas companhias apostando na estratégia de ter um modelo consolidado e buscar a real inovação fora - seja adquirindo outras empresas que fazem coisas inovadoras ou tentado estabelecer parcerias com elas. Porque de outra forma não saberiam inovar. Acho ainda que a Mozilla mostra o valor de pegar informações que normalmente são secretas e abri-las paras o mundo. Isso é verdade para o código de nossos produtos, obviamente, mas também para outros tipos de informações gerenciais e administrativas. Somos um modelo para o tipo de recompensa, envolvimento, liderança e respeito que realmente geram uma participação engajada de funcionários e colaboradores. Acho que há uma lição importante sobre como gerar uma participação dedicada dos funcionários que pode ser válida para muitas outras empresas. Por fim, também somos um modelo pelos erros que cometemos e que devem ser evitados. Porque as coisas que tentamos, tentamos publicamente - e ninguém é perfeito. Erramos várias vezes e as pessoas podem aprender com isso.

EXAME - O fato de o Firefox ter feito a Microsoft inovar e atualizar o Internet Explorer é positivo? A Mozilla acredita que conseguiu trazer ao menos um pouco de competição a esse mercado?

Baker - Sem dúvida. Vemos as melhorias no produto da Microsoft como um endosso fundamental do projeto Mozilla. Ainda há centenas de milhões de pessoas usando Internet Explorer e saber que essas pessoas terão uma experiência melhor é uma coisa positiva. Mas eu não iria tão longe a ponto de dizer que a Microsoft voltou a inovar, porque muito do que está no novo Internet Explorer se parece com funções do Firefox. Então não sei se há inovação ou não. Mas mesmo assumindo que não há, se o que os usuários ganharam são características do Firefox reimplementadas no Internet Explorer, isso já é um benefício para os usuários de qualquer forma.

EXAME - A Mozilla tem metas? Por exemplo, conquistar uma determinada participação de mercado, ou obter um certo faturamento - embora a organização não tenha fins lucrativos, ela tem necessidade de recursos - ou mesmo superar a Microsoft?

Baker - Sim, temos metas. Nosso objetivo é ajudar a criar uma internet que seja aberta, interoperável, participatória, descentralizada. As pessoas podem participar, escolher entre várias opções. Se escolher um sistema operacional ele deve conversar com outros produtos -- seus dados são seus, não pertencem a alguma empresa. Esse é nosso objetivo. Nossa meta é conquistar quanta participação de mercado for necessária para levar esse objetivo adiante. Mas não sabemos que número é esse. Se for 20% de participação de mercado, estamos felizes com 20%. Se for 30%, então queremos 30%.

EXAME - Hoje, qual a participação de mercado do Firefox mundialmente? E no Brasil?

Baker - Os números que temos visto são de 15% em todo o mundo e cerca de 15% nos Estados Unidos também. Vi números entre 10% e 15% no Brasil, mas não consigo verificar se estão corretos. Na Europa, nossa participação sobe. Na Alemanha, temos 35% do mercado.

EXAME - Como a Mozilla, que é uma organização pequena, consegue ganhar mercado da Microsoft? E como explicar que algumas de suas inovações foram incorporadas pela companhia?

Baker - Acho que isso é uma conseqüência natural de uma posição de monopólio. É uma decisão de negócios completamente racional para monopólios. Nos ano 90, o Internet Explorer subiu até 95%, 97% de participação de mercado e se manteve assim. Por que inovar? Por que mudaríamos algo se a situação está tão boa? Então faz sentido -- fez sentido até que uma concorrência inesperada surgiu. O senso comum dizia que a Mozilla não poderia nunca ter sucesso. Quando isso se provou errado, a Microsoft investiu recursos para garantir que seu produto seria bom o suficiente para enfrentar a concorrência.

EXAME - O Google é um parceiro importante da Mozilla e é uma das empresas de maior sucesso que surgiram nos últimos anos. A senhora acredita que o Google se parece com a Microsoft dos anos 90?

Baker - Acho que o Google é fundamentalmente diferente pelo fato de que seu negócio básico depende de interoperabilidade e de conexão com outras empresas. Sua essência, seu DNA, é ligar as pessoas a informações para que elas possam tomar suas decisões. O Google faz muitas coisas hoje, mas seu negócio principal é pesquisa. E pesquisa não é conseguida colocando tudo dentro do Google; é o oposto, é preciso se conectar. Não quero ser parcial sobre o poder do Google e tudo o que ele pode fazer. Isso seria ingenuidade. Mas o Google é fundamentalmente diferente da Microsoft devido à natureza de seu negócio.

EXAME - A AOL cometeu um erro quando abriu mão da Mozilla?

Baker - Acho que o fato de a Mozilla ter tido a chance de se tornar independente foi importante. A AOL foi completamente respeitosa com o projeto Mozilla depois que adquiriu a Nestcape, mas esse era um negócio fundamentalmente diferente do modelo de operação da AOL. Então a chance de sermos independentes e de controlarmos nosso destino foi essencial. Nesse sentido, acho que a AOL tomou a decisão certa. A AOL ainda nos deu uma injeção inicial de dinheiro para darmos os primeiros passos sozinhos. Quando a Fundação Mozilla foi formada em 2003, a AOL nos deu 2 milhões de dólares. Poderia ser mais, mas foi o suficiente para começar a achar nosso caminho.

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