Bandeira do Quênia é agitada: no Quênia, é mais fácil comprar tomates através do celular do que ter água potável (©AFP/Arquivo / Roberto Schmidt)
Da Redação
Publicado em 3 de outubro de 2013 às 10h52.
Nairóbi - No Quênia é mais fácil comprar tomates através do celular do que ter água potável. Após revolucionar a vida de seus cidadãos através de um sistema pioneiro que permite lidar com o dinheiro sem necessidade de um banco, o país quer se transformar no laboratório digital da África.
"O Quênia já é o centro tecnológico do leste africano e em alguns anos poderia ser o principal do continente", assegura à Agência Efe Jimmy Gitonga, diretor do iHub, a primeira incubadora de empresas tecnológicas do país.
O sucesso do citado sistema de "dinheiro móvel", chamado M-PESA, impulsionou uma incipiente geração de nerds da informática em Nairóbi, sede da metade dos centros de pesquisa africanos e de gigantes como Google e Microsoft.
Há cinco anos, os quenianos abonam todo tipo de serviços (incluindo o transporte), fazem suas compras e realizam transferências através do M-PESA, que se transformou na ferramenta de pagamento por celular mais desenvolvido do mundo.
E para isso não precisam de um smartphone de última geração, basta um celular tradicional com serviço de mensagens de texto (SMS).
A invenção se inspirou em uma prática observada em 2002 em Uganda, Botsuana e Gana - com uma penetração do celular muito elevada pela falta de infraestruturas de telefonia convencional -, onde o povo usava o crédito em chamadas de voz para fazer transferências de dinheiro.
Os quenianos importaram esta ideia e começaram a utilizar o M-PESA em 2007, principalmente para receber dinheiro dos parentes emigrados para a capital na busca de trabalho.
Desde então, este aplicativo - junto a outros como a M-Shwari, que administra economias a partir de um celular -, e tarifas de telefonia irrisórias, permitiram a muitos quenianos prescindir das entidades financeiras.
Através de 96 mil agentes comerciais, o "banco móvel" chega até os cantos mais pobres do país, onde encontra seu principal reduto: os "sinbanco", apelidados assim porque não podem se permitir ser titulares de uma conta corrente.
A maioria dos trabalhadores no Quênia carece de contrato legal e de renda regular, e o custo de manutenção de uma conta bancária pode equivaler a uma grande parte de seu salário mensal.
Isso favoreceu que quase toda a população adulta do país (17 milhões de pessoas) utilize o M-PESA ou outro aplicativo similar, pelos quais já circula um quantidade de dinheiro equivalente a 31% do PIB nacional, segundo um estudo da aliança mundial de operadores GSMA.
O sucesso do M-PESA inspirou soluções para outros problemas básicos da economia queniana, a mais forte da África Oriental, embora ainda muito sustentada no setor primário.
Uma delas é o "iCow", um serviço que controla a fertilidade das vacas utilizado por 45 mil fazendeiros, que através de SMS conseguiram aumentar a produção de leite em 900 litros anuais, segundo um estudo da Green Dreams, desenvolvedora deste software.
A economia queniana encontrou seu caminho tecnológico na chamada Silicon Savannah, réplica africana do Vale do Silício, na Califórnia (EUA).
Esta cidade tecnológica começará a ser erguida no final deste ano a poucos quilômetros de Nairóbi sobre uma superfície de 20 quilômetros quadrados e quer captar investimento de 630 bilhões de xelins (US$ 7,2 bilhões) e criar cerca de 200 mil empregos.
"Eu prefiro chamá-la "Digital Savannah", diz o diretor do iHub, confiante em que este projeto traga ao Quênia o capital necessário para ultrapassar a África do Sul na corrida tecnológica.
"Se o Vale do Silício é a capital mundial da alta tecnologia, o Digital Savannah buscará soluções óbvias para problemas básicos", explica Gitonga.
Os permanentes cortes de luz, penitência do internauta africano, deixarão de ser um problema graças a um novo modem que funciona sem eletricidade durante horas.
O BRCK foi projetado no iHub pela Usahidi, companhia que entrou para os anais do ciberativismo durante a violência pós-eleitoral de 2007 por alertar em tempo real sobre os confrontos.
Empreendedores como Gitonga e cada vez mais responsáveis políticos querem mostrar uma cara diferente do continente.