Tecnologia

Por que o Hacktown é diferente de qualquer outro evento de inovação

O que acontece nas ruas de Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, é o que está faltando em outros eventos do Sudeste

Hacktown: festival de inovação em Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais (@guinho_oo)

Hacktown: festival de inovação em Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais (@guinho_oo)

Laura Pancini
Laura Pancini

Repórter

Publicado em 12 de agosto de 2024 às 14h04.

Última atualização em 14 de agosto de 2024 às 13h56.

A 400 quilômetros da capital de Minas Gerais, numa cidade pequena do sul onde moram cerca de 40 mil habitantes, acontece um evento de tecnologia e empreendedorismo que, ao mesmo tempo que é tão diferente da região onde ocorre, não poderia acontecer em outro lugar. Isso porque ele acontece em Santa Rita do Sapucaí, também conhecido como o “Vale da Eletrônica”, onde mais de 160 startups se reúnem em volta de grandes escolas de engenharia eletrônica, como a ETE e o Inatel.

O evento é o Hacktown que, no último fim de semana, realizou sua mais recente edição. Cerca de 15.000 pessoas de todas as regiões do Brasil foram ao sul de Minas para passar quatro dias em palestras, ativações de marca, eventos de networking e até festas com reggaeton e chopp 2 por 1. Inspirado no “SXSW”, o Hacktown foi idealizado por três amigos que viram em Santa Rita do Sapucaí o ambiente perfeito para um festival que unisse inovação, tecnologia e cultura.

“Santa Rita é uma cidade mágica, muito única. Ela mistura a tradição do interior mineiro com uma base tecnológica forte, o que faz dela o lugar ideal para um evento como o Hacktown,” comenta João Rubens, co-fundador do evento. Segundo ele, a primeira edição do evento tinha três barzinhos da cidade reservados para 50 pessoas, mas acabou reunindo cerca de 600.

Hoje, o Hacktown conta com grandes patrocinadores como Claro, Banco do Brasil, Google, Nubank, Uber, Tim, Accenture, Sicredi, AWS, Meta, Ambev e mais. Nas edições de 2023 e 2024, conseguiu movimentar R$ 30 milhões na economia local em cada ano, segundo estimativas do próprio evento. A conta inclui também as cidades em volta de Santa Rita: Pouso Alegre, Itajubá, Piranguinho, Extrema e Careaçu.

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Rica em história

Hacktown: evento conta com "chama sagrada" que foi acendida no primeiro dia do festival (@guinho_oo)

A cidade é rica em história, mas parece ser dividida em dois lados: de um lado, temos as gerações de empreendedores da área tecnológica, como os que surgiram a partir da fundação da ETE e do Inatel; do outro, temos um povoado que construiu sua história em torno da agricultura e pecuária. Foi Luiza Rennó Moreira, mais conhecida como Sinhá Moreira, quem criou a primeira escola técnica de eletrônica da América Latina em 1959, mudando para sempre a trajetória da cidade.

A partir desse marco, a cidade passou a atrair jovens de todo o Brasil interessados em tecnologia. Posteriormente, em 1965, nasceu o Inatel, idealizado para formar engenheiros em telecomunicações, justamente no período em que surgiam grandes empresas de comunicação como a Rede Globo e a Embratel. O impacto dessas instituições foi tamanho que a cidade passou a ser conhecida como o “Vale da Eletrônica”, um título criado na década de 70 por um prefeito visionário, que viu a oportunidade de transformar Santa Rita do Sapucaí em um polo de tecnologia.

Hoje, são cerca de 160 empresas de tecnologia na cidade, produzindo equipamentos de telecomunicações, dispositivos de segurança patrimonial, dentre outras coisas. O próprio Inatel lidera a pesquisa em 6G no Brasil — a expectativa é que o Brasil se torne referência na próxima geração de redes móveis, que terá impacto em tecnologias sensoriais (como o cheiro e o tamanho de um objeto), mapeamento e inteligência artificial.

"O público do Hacktown é formador de opinião e, ao visitar Santa Rita, descobre que, embora seja uma cidade pequena, tem um contexto muito interessante no que diz respeito à criação do conhecimento voltado para a inovação", diz Carlos Nazareth, professor e diretor do Inatel. Segundo ele, muitos dos que visitam o evento acabam trazendo novas parcerias e projetos para a gigante de telecomunicações, o que contribui diretamente para o desenvolvimento da cidade e da instituição.

Ainda em crescimento, o Hacktown também funciona como um espaço de experimentação e inovação social. Rubens explica que o evento é construído com base em uma lógica de colaboração e impacto positivo na comunidade local. “Nós sempre tentamos criar algo que fique para a cidade,” explica Rubens, que também adiciona que existe um braço social do Hacktown que reinveste o dinheiro de ingressos sociais em ações para a comunidade como, por exemplo, a pintura de hospitais públicos da cidade. “O Hacktown é como uma chuva, e quando a chuva vai embora, as árvores crescem. Queremos mudar a perspectiva das pessoas locais, trazendo novas referências e conteúdos para a cidade,” completa.

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Pé no chão

Santa Rita do Sapucaí oferece o palco e toda a estrutura para o Hacktown, mas não é só a cidade que faz o evento ser tão diferente dos outros. Há uma cultura que toma conta de Santa Rita quando o Hacktown acontece: os sorrisos ficam largos, a língua solta e a curiosidade, aguçada. Além disso, a tecnologia torna essa conexão entre pessoas ainda mais fácil: o Hacktown conta com um aplicativo que, além de conter o mapa do evento e a programação, também funcionou como uma rede social. O público credenciado pôde fazer publicações, comentários e até adicionar outras pessoas – foram 48.000 contatos trocados pelo app e mais de 18.000 mensagens trocadas ao longo dos quatro dias de evento.

Na hora das palestras, quem fala e quem ouve fica de igual para igual. São poucas as estruturas que contam com palcos – na Casa do Banco do Brasil, por exemplo, palestrantes falaram em um chão de areia, olhando para uma plateia em cadeiras de praia e com cachorros de rua caminhando entre todos.

Filipe Damian Preve, gerente executivo de inovação e novos negócios do BB, comentou sobre a importância de eventos desse tipo para a marca: “O Hacktown foge dos padrões dos eventos tradicionais. Aqui, o banco se posiciona de uma maneira mais aberta, mais próxima da sociedade e com leveza, que é algo que falta em muitos outros eventos.” Segundo o executivo, o público que frequenta o Hacktown se aproxima da marca de forma "totalmente espontânea e não mercadológica", o que torna a experiência mais autêntica e valiosa para o Banco do Brasil.

Para os co-fundadores do Hacktown, o maior desafio hoje é justamente a conquista das marcas: fazer com que elas confiem no evento mineiro e se tornem patrocinadoras da edição seguinte. Queremos que o principal festival de inovação da América Latina seja em uma cidade do interior, não em São Paulo, afirma.

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