Fortnite no iPhone: briga da Epic com a Apple expõe reclamações sobre política de taxas na loja de aplicativos da fabricante (Bloomberg/Getty Images)
Thiago Lavado
Publicado em 17 de agosto de 2020 às 16h19.
Última atualização em 17 de agosto de 2020 às 18h34.
É curioso que uma das principais brigas do mercado de tecnologia atualmente seja por causa de um estilo de jogo conhecido como Battle Royale, em que o último vivo é declaro o vencedor. Na última semana, a Apple removeu da sua loja de aplicativos o jogo Fortnite, símbolo de sucesso do mercado bilionário dos games. A remoção aconteceu depois que a Epic Games, companhia responsável pelo desenvolvimento do Fortnite, tentou driblar as taxas que a Apple impõe sobre produtos vendidos em sua loja — atualmente 30% do valor da venda. A Epic processou a Apple por práticas anti-competitivas. A remoção do jogo foi seguida pelo Google, que também retirou o Fortnite da loja do Android.
Nesta segunda, 17, o caso escalou de nível: a Apple anunciou que iria revogar todas as licenças de desenvolvedor da Epic Games por violação de termos, impossibilitando a empresa de distribuir seus aplicativos a partir de 28 de agosto. A Epic entrou na Justiça com uma ordem de restrição contra a fabricante do iPhone, para tentar impedir a Apple de cortá-la do desenvolvimento de seus produtos.
Na semana passada, a Epic já havia criticado a Apple publicamente e até parodiou um comercial famoso da empresa, feito com base na distopia 1984 de George Orwell. O caso ganhou escopo ao ponto de até mesmo o Facebook criticar a Apple: a rede social anunciou que isentaria pequenos negócios de taxas de pagamento em suas plataformas, mas incluiu um grande aviso de que a Apple continuaria a ficar com parte das vendas, caso eles fossem feitos nos aparelhos da empresa.
A cobrança de taxas pela Apple nas lojas de aplicativos e a oferta de outros serviços, como assinatura de música e séries, é parte do atual cânone financeiro da empresa. Desde que a venda de iPhones estagnou em 2016, sem novos aumentos na demanda pelos aparelhos todos os anos, a Apple e os executivos da companhia passaram a enfatizar como a oferta de serviços crescia e se tornava um novo filão de faturamento. No último balanço trimestral, a empresa continuou com bons resultados nessa divisão, que engloba o Apple Music, o Apple TV+ e a App Store — o faturamento subiu de 11,5 bilhões de dólares no segundo trimestre do ano passado para 13,1 bilhões neste ano.
A crise com a Epic, no entanto, dá uma nova perspectiva a esses números, apontando para o fato de que a Apple faz um bom dinheiro em cima de taxas sobre o que é vendido em sua plataforma. Em 2019, a fatia da Apple sobre vendas de serviços na App Store gerou 18,3 bilhões de dólares para a empresa sobre pouco mais de 60 bilhões em produtos vendidos pela loja do iPhone. Esse valor corresponde a 40% do faturamento da divisão de serviços no ano. Uma boa parcela desse dinheiro vem de compras realizadas dentro de jogos gratuitos, como o Fortnite.
A ideia inicial da App Store era cobrar uma taxa em aplicativos pagos e usar os gratuitos como atrativos para o uso do sistema operacional e dos produtos da Apple. O próprio Steve Jobs mencionou em uma entrevista que não esperava tirar grandes lucros dessa área. Mas, em 2011, a empresa introduziu novas regras e passou a barrar desenvolvedores de vender assinaturas e compras dentro dos aplicativos sem que elas passassem pelos sistemas da Apple, além de introduzir a taxa de 30%.
Houve reclamação por parte das desenvolvedoras de apps, como Netflix, enquanto que outras, como o Spotify, aumentaram o valor de assinaturas e compras no iOS, para compensar pela cobrança da fabricante do aparelho. Os aplicativos que vendem serviços se tornaram o padrão: atualmente, segundo a Sensor Tower, dos 200 apps mais rentáveis na loja da Apple, apenas um precisa ser pago de antemão.
Diante da atual briga com a Epic, os holofotes se voltam para as práticas anticompetitivas da Apple. Em julho, o presidente da empresa, Tim Cook, foi um dos ouvidos por congressistas americanos em uma audiência, em que foi trazida à tona a problemática do monopólio da empresa, em especial sobre as taxas da loja de aplicativos e sobre a impossibilidade de adquirir serviços e apps em alguma plataforma concorrente. A Apple se defende, afirmando que faz a curadoria do conteúdo na App Store e que há um rigoroso padrão de segurança para os usuários, o que impede que existam poucos aplicativos nocivos ou que eles sejam removidos com maior agilidade.
Com boa parte do faturamento da rentável divisão de serviços vinda das taxas que a Apple cobra na loja de aplicativos, a empresa não deve abrir mão de suas políticas. Mas a Epic colocou a gigante californiana nas cordas: escancarou as práticas da empresa e, nas horas seguintes ao bloqueio do Fortnite, a processou por práticas anticompetitivas, em um processo que alega que a Apple “impõe restrições irracionais e mantém ilegalmente um monopólio total”. O termo Battle Royale não poderia ser mais apropriado.