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O Uber muda, todos desconfiam

David Cohen Se fosse um simples inferno astral, a sorte do executivo-chefe do Uber, Travis Kalanick, já deveria ter melhorado há muito tempo. Mas ele parece, ao contrário, estar descendo para outros círculos do inferno. Na sexta-feira, dia 27, o Uber anunciou que a mãe de Kalanick, Bonnie, de 71 anos, morreu em um acidente de […]

TRAVIS KALANICK, COFUNDADOR DO UBER: ele se afastou do cargo de executivo-chefe  após casos de assédio na empresa  / Stephen Lovekin/Getty Images for OurTime.org

TRAVIS KALANICK, COFUNDADOR DO UBER: ele se afastou do cargo de executivo-chefe após casos de assédio na empresa / Stephen Lovekin/Getty Images for OurTime.org

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Da Redação

Publicado em 29 de maio de 2017 às 18h02.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.

David Cohen

Se fosse um simples inferno astral, a sorte do executivo-chefe do Uber, Travis Kalanick, já deveria ter melhorado há muito tempo. Mas ele parece, ao contrário, estar descendo para outros círculos do inferno. Na sexta-feira, dia 27, o Uber anunciou que a mãe de Kalanick, Bonnie, de 71 anos, morreu em um acidente de barco perto de Fresno, na Califórnia. Seu pai, Donald Kalanick, de 78 anos, ficou ferido, mas na tarde de sábado sua condição de saúde era considerada estável.

No comunicado à imprensa, o porta-voz do Uber, Matt Kallman, disse que “Travis e sua família sofreram uma tragédia horrível”. Em um memorando interno, a chefe de recursos humanos, Liane Hornsey, disse que “todo mundo na família Uber sabe o quão incrivelmente próximo Travis é de seus pais”.

A tragédia pessoal se soma a uma série – que parece infindável – de problemas com a empresa, em grande parte derivados de sua imagem pessoal e da cultura que ele implementou no Uber.

Só para lembrar alguns dos piores momentos: em janeiro, mais de 200.000 usuários cancelaram suas contas no Uber em protesto pela participação de Kalanick num conselho de negócios para o presidente Donald Trump (Kalanick então renunciou ao posto); logo após, uma ex-funcionária fez um post em seu blog denunciando uma cultura machista e agressiva, o que foi seguido por um vídeo de Kalanick discutindo com um motorista que reclamou de baixa remuneração. Na sequência, houve perda de executivos, abandono de alguns dos primeiros investidores e acusações de usar um software para monitorar os motoristas do site rival Lyft, além da revelação de um entrevero com a Apple, por violação das normas de transparência da loja de aplicativos – e, mais grave, um embate em andamento na justiça com a Alphabet, holding que controla o Google, sobre um suposto roubo de propriedade intelectual para a criação de carros autônomos.

Em suma, se existisse um modelo de negócios que premiasse a produção de polêmicas, o Uber já seria há muito tempo uma empresa lucrativa. Talvez a mais lucrativa da atualidade. Em vez disso, o resultado do ano passado foi um prejuízo de 2,8 bilhões de dólares, segundo um relatório que divulgou em abril.

Apesar de astronômico, o prejuízo não é em si uma má notícia: significa que o Uber está investindo assombrosamente em crescimento. Mesmo assim, a empresa sabe que precisa fornecer aos investidores uma história convincente sobre como deixará de ser deficitária.

Em grande parte, foi isso que provocou a mais recente controvérsia do Uber: há dez dias, a companhia admitiu que está testando um novo sistema de precificação de seus serviços. Em vez de cobrar um percentual sobre o preço da corrida, o Uber está migrando para o modelo de cobrar do usuário uma quantia diferente da que se dispõe a pagar ao motorista – e embolsar a diferença.

Cobrar mais, pagar menos

Na sexta-feira, dia 19, o Uber reconheceu para seus motoristas que há uma discrepância entre o que eles recebem e o que os clientes pagam. O novo sistema é chamado de “precificação por rota”.

O modelo que o Uber vinha usando – e ainda usa na maior parte dos lugares, inclusive o Brasil – era cobrar dos passageiros com base na distância a ser percorrida, no tempo previsto de viagem (devido ao tráfego) e na demanda daquele horário. Desde o ano passado, porém, a companhia vem utilizando, em 14 cidades dos Estados Unidos, um modelo que estima quanto os passageiros estariam dispostos a pagar.

Segundo disse à Bloomberg o chefe de produtos do Uber, Daniel Graf, a companhia aplica técnicas de inteligência artificial para avaliar o quanto poderia cobrar pela corrida. Isso significa que uma corrida de um bairro nobre para outro pode custar bem mais caro que uma corrida na periferia, ainda que a distância percorrida e o tempo de viagem sejam similares.

A mudança é uma derivação do sistema introduzido no ano passado, pelo qual o Uber passou a revelar aos passageiros quanto custaria a viagem antes que eles a aceitassem. Isso provocou uma série de desconfianças entre os motoristas.

Não tardou muito para que houvesse uma ação conjunta na Justiça, em Nova York, contra a empresa. A alegação é que o Uber calcularia o preço da viagem levando em consideração um trajeto mais longo e depois daria ao motorista um trajeto mais curto.

De acordo com a acusação, o serviço UberX teria, com este artifício, cobrado 7,43 milhões de dólares extras de seus passageiros por mês.
Além desta ação conjunta, os motoristas de Nova York também entraram com a sua própria reclamação na Justiça, alegando que a empresa usa truques matemáticos para cobrar um valor dos passageiros e, na hora de calcular a parte devida ao motorista, acrescenta os mais variados descontos.

Com os esclarecimentos de que está de fato usando um sistema de cobrança diferente, fica mais fácil entender essas diferenças de preço.
Não se trata de um modelo mais ou menos “explorador” de motoristas ou passageiros. É, aliás, algo bem parecido com o que companhias aéreas fazem a torto e a direito. Dificilmente você paga por uma viagem o mesmo preço que o passageiro sentado ao seu lado.

Isso não significa que não haja problemas para o Uber. Primeiro, porque a empresa está tão mal na fita que qualquer iniciativa é vista com mais desconfiança do que o normal.

E esta iniciativa faz crer que o Uber esteja se aproveitando dos seus motoristas, pela falta de transparência nos termos de cada viagem.
Não é bem assim, disse Graf: “Os passageiros sempre saberão o custo antes de aceitar a viagem, e os motoristas vão ganhar mais uniformidade nas corridas, com uma transparência completa sobre o quanto o passageiro paga e quanto o Uber ganha em cada corrida”.

Para aliviar as reclamações, o Uber pretende enviar aos motoristas um ajuste nos termos de serviço, informando sobre o novo sistema. Em entrevista ao site Business Insider, Graf disse que, contra-intuitivamente, a empresa não fará mais dinheiro por viagem. O acréscimo na diferença de preço entre o que o passageiro paga e o que o motorista recebe, segundo ele, será usado para subsidiar as rotas do serviço UberPool – em que o passageiro aceita dividir a corrida com outros passageiros.

A ideia, segundo Graf, é cobrar mais de quem está “premido pelo tempo” e baratear o serviço de quem aceita um serviço de van. O Uber ganharia, então, na multiplicação das viagens e não no encarecimento de cada viagem.

“Com esse sistema de preços, nós podemos baixar as tarifas ainda mais”, afirmou Graf. Mas ele também frisou que, em última instância, a empresa precisa se tornar sustentável. Ou seja, lucrativa.

Uma empresa normal?

Há um segundo potencial problema para o Uber no novo sistema. Quando extrai sua receita de uma taxa imposta sobre um serviço prestado pelo motorista ao passageiro, a empresa parece mais o que diz ser: uma plataforma que facilita o encontro de duas partes interessadas em um negócio.

No novo sistema, porém, o Uber se beneficia da assimetria de informações no mercado. O motorista não sabe o quanto vai valer sua viagem, o passageiro não sabe como é calculada a sua tarifa. Nesse sentido, a companhia se parece menos com uma plataforma que facilita o encontro de dois entes e se assemelha mais a uma empresa comum.

Se for assim, o Uber corre mais risco de ser considerado como um empregador dos motoristas, e não um parceiro contratado por eles.
Como afirmou o jornalista financeiro Felix Salmon: “Eu acredito que esse sistema torna o Uber um passo mais perto de ser considerado o empregador dos motoristas, já que eles estão sendo na verdade pagos de forma fixa para gerar uma receita variável”.

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