Tecnologia

O computador mundial

Nicholas Carr, especialista em tecnologia, comenta em entrevista por que a chegada da computação como serviço deverá trazer transformações econômicas, culturais e sociais

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h36.

O computador deixou de ser o único centro de armazenamento de documentos, fotos, música e vídeo para os usuários. Os arquivos têm migrado gradualmente para servidores espalhados para internet, no modelo que faz crescer a computação como serviço. Nicholas Carr, autor do livro The Big Switch: Rewiring the World from Edison to Google ("A grande virada: reconectando o mundo, de Edison ao Google", em tradução livre), comenta em entrevista a EXAME as transformações econômicas, sociais e culturais trazidas pela computação como serviço.

A venda de software como conhecemos hoje deverá acabar?

Em longo prazo veremos provavelmente o fim desse modelo tradicional. As companhias compradoras adotarão o modelo de assinatura de software, em que pagam uma taxa periódica pelo uso. Isso vai levar certo tempo, mas será uma transição interessante. As empresas de software precisarão buscar outro modelo sustentável de receita.

As empresas já compreendem que a computação como serviço será uma ruptura inevitável para a indústria?

As empresas de tecnologia estão cientes disso, mas não compreendem totalmente as implicações do fenômeno. Elas vêem companhias como a Salesforce.com - provedora de sistemas de gestão de relacionamento com clientes (CRM) - e sabem basicamente que certos sistemas corporativos podem ser fornecidos pela internet, mas não sabem quão profundamente esses sistemas online podem ser aplicados no cotidiano dos negócios. Em alguns casos, eu acho que os departamentos de tecnologia, infelizmente, temem esse modelo porque acreditam que suas tarefas tradicionais estão ameaçadas. Acredito que isso seja um grande engano porque em curto prazo, a computação como serviço oferece muito mais oportunidades e mais ofertas para atender os requisitos de tecnologia. Claro que haverá uma ruptura em longo prazo, mas companhias e departamentos de TI terão de se educar para aprender e encontrar nessa nova forma, uma maneira de reduzir custos e aumentar a flexibilidade da TI.

A Microsoft, empresa criada o modelo tradicional de venda de licenças, deixou claro que seu interesse em adquirir o Yahoo está relacionado com melhorar a infra-estrutura de serviços online. Você acha que essa é a principal indicação de que o mercado de software está mudando?

Certamente essa movimentação da Microsoft é um dos maiores indícios de que companhias muito grandes e tradicionais de TI já entendem que o futuro será diferente. Nós vemos a Microsoft também gastando bilhões de dólares em construir data centers virtuais para suprir vários serviços de tecnologia. A alemã SAP também está criando uma nova versão para oferecer seu sistema de gestão empresarial (ERP) via internet. Ao mesmo tempo, vemos a IBM lançando sua iniciativa em formato de nuvem para ajudar seus clientes e fornecedores a construir novas estações de trabalho baseadas na internet. Existem muitos sinais de que fornecedores tradicionais de tecnologia estão pensando em um reposicionamento para esta nova era, quando mais elementos de tecnologia são fornecidos pela rede.

Você diz que uma revolução acontecerá nos departamentos de tecnologia. Como as empresas deverão lidar com essa mudança?

A coisa mais importante é não resistir a essa tendência, mas apoiá-la. Isso significa que serão exigidas outras habilidades do departamento de TI que não eram vistas anteriormente. Essas habilidades envolvem principalmente questões como virtualização e também aquelas necessárias para combinar a estrutura do seu próprio data center com aquilo que está disponível na internet. Por um bom tempo, isso será um sistema híbrido. Companhias vão executar seus sistemas localmente, mas também vão utilizar mais capacidade da rede. Será necessário ter uma equipe que compreenda essa movimentação e saiba como aproveitar o momento. Se você olhar para o longo prazo, você verá uma transformação notável, já que hoje, a maior parte dos investimentos de uma companhia em tecnologia vai para manter sua infra-estrutura interna. Tanto, hardware, quanto data center quanto aplicações. À medida que as empresas se movem para a nuvem, conforme chamamos, mais empregos serão reduzidos dentro das companhias. O departamento de tecnologia poderá encolher com o tempo, mas vai se concentrar mais em questões avançadas de negócio como arquitetura da informação, desenho de processos e menos nos aspectos operacionais.

Com as facilidades trazidas pela computação como serviço, o usuário ficará mais independente da área de tecnologia?

Será muito mais fácil para o usuário final modificar e manipular aplicações nesse novo mundo porque esses novos sistemas são desenhados especialmente para ele. Os criadores têm dado muito poder aos usuários finais, poder de personalização. Alguns exemplos são as redes sociais como MySpace e Facebook, que tornam muito mais fácil para o usuário a personalização de funções, o acréscimo e a retirada de funcionalidades e também a mudança de interface. Todas essas capacidades estarão incluídas nas novas gerações de sistemas corporativos de tecnologia. Esse é um modelo bastante diferente do passado, em que um modelo servia para todos, em que fazer mudanças era muito difícil. A partir de agora, fica bem mais fácil para os usuários finais fazer muitas coisas por conta própria. A dependência do departamento de tecnologia diminui sim. Quando pessoas jovens chegam ao mercado de trabalho, essa tendência também se acentua. Essas pessoas estão muito confortáveis em usar sistemas computacionais e também a internet. Eles são usuários muito mais sofisticados do que eram os usuários do passado.

Ao mesmo tempo em que precisam se adaptar, empresas de software terão também de desenvolver outras habilidades para sobreviver nessa nova era de entrega via internet?

Sim, porque a computação como serviço é um modelo totalmente diferente. Você vê companhias como Oracle ou SAP com áreas de venda totalmente baseadas em licenças e receitas de manutenção. Será necessária mudança não apenas no software ou no modelo de precificação, mas também na forma de gerenciamento. Se você observar, a SAP - que está desenvolvendo uma alternativa sob demanda para seu sistema de gestão - verá que a empresa está segmentando sua base de usuários. O software como serviço é supostamente destinado a pequenas e médias empresas, enquanto o modelo tradicional de venda é direcionado às empresas de grande porte. Mas é necessário admitir que existirão muitas empresas que precisarão decidir o que comprar e um desafio para o modelo de computação como serviço é como lidar com as disputas internas de vendas nas próprias empresas de software. Esse é um grande desafio a ser superado.

Você também fala no livro sobre Thomas Edison - que criou o brilhante conceito de eletricidade como serviço, mas falhou em dar escala ao projeto. Hoje vemos várias companhias de software tentando se adaptar a esse novo modelo, mas boa parte delas não está conseguindo. Quais os principais problemas?

Aspectos tecnológicos serão os mais fáceis para essas empresas resolverem. Isso porque são companhias muito sofisticadas e, como vemos com a própria Microsoft, estão aptas a se deslocar para esse novo modelo. Os maiores desafios estão em como elas ganham dinheiro. Tecnologicamente, elas conseguem fazer a mudança, mas o que as confunde é o fato de elas não saberem se vão ganhar dinheiro no modelo de software como serviço da mesma forma como no modelo de licenças e manutenção. É por isso que vemos companhias como a Microsoft muito nervosas e devagar na implantação de serviços online. É difícil compreender como isso vai se pagar. Descobrir como vão lucrar talvez seja o principal desafio para elas.

Você comenta em algumas partes do livro sobre as experiências de Google, Amazon e Salesforce.com na área de computação como serviço. Você considera esses os principais esforços atuais nessa área?

A Salesforce.com e a Amazon têm grandes bases de clientes, enquanto o Google parece estar em um estágio anterior, com o Google Apps. Mas de certa forma, todos são pioneiros em seus modelos de negócio. Eles estão seguindo caminho semelhante, em que começam com pequenos e médios clientes e passam posteriormente a clientes de maior porte. Isso será tendência, já que pequenas e médias companhias não têm muito dinheiro para gastar em servidores, estabelecer seus próprios data centers ou licenciar muitos software. Pequenas empresas estiveram em desvantagem por um longo tempo. O modelo de computação como serviço permite que elas mergulhem em sistemas muito sofisticados como o da Amazon - que aluga parte da capacidade de processamento ociosa em seus data centers - por uma pequena taxa. No entanto, gradualmente, veremos grandes companhias aderirem ao modelo.

Estamos vivendo cada vez mais na era da "economia do grátis". Se essas empresas de TI aderirem aos modelos gratuitos, como o do Google Apps, quais devem ser as principais fontes de receita?

Existem duas maneiras de ganhar dinheiro mesmo distribuindo software gratuitamente. Uma é pelo modelo de anúncios em que o software se torna uma espécie de mídia. Você atrai a atenção das pessoas para o produto gratuito e quando elas estiverem atraídas, você apresenta anúncios dentro do próprio software. Outra forma, que ainda não vimos, é a comercialização de informações. Quando você oferece uma certa aplicação, coleta dados, e depois pode vendê-los - claro que suprimindo o nome da empresa em questão. O Google realmente oferece gratuitamente um pacote de software de produtividade com anúncios, mas também tem uma opção paga sem propaganda e com suporte. Salesforce e Amazon vendem seus serviços também. Então, resta saber se o modelo do grátis realmente vai se consolidar entre os negócios. Pelo lado do usuário, uma das grandes questões é: as empresas ficarão confortáveis em permitir que seus funcionários fiquem expostos a anúncios? Alguns anos atrás eu diria que isso nunca iria acontecer. Porém, hoje, as propagandas estão ficando tão populares que as empresas - especialmente as de  pequeno porte - podem dizem aos fornecedores: sim, coloque os anúncios, mas mantenha o sistema gratuito.

Você também diz que companhias que vendem produtos ou serviços passíveis de ser totalmente entregues via internet estão ameaçadas nessa época da computação como serviço. Quais algumas dessas empresas ameaçadas?

Os negócios de mídia enquadram-se nessa categoria, como músicas, vídeos, filmes e mesmo notícias. Já estamos vendo alguns deles com problemas. Mas essa será uma tendência maior. Qualquer tipo de negócio que utiliza análise de informação, - seja no segmento financeiro ou saúde, por exemplo - estão em risco de ter partes suas substituídas por sistemas informatizados à medida que o processamento de dados online se populariza. A indústria de mídia será a primeira a ser chacoalhada por essa tendência, mas provavelmente a tendência será vista em outras áreas também.

Quais mudanças existirão na economia com a consolidação da computação como serviço?

A boa notícia é que teremos a utilização muito mais eficiente dos ativos computacionais: as empresas não precisarão mais gastar tanto de seu capital com infra-estrutura de tecnologia. O resultado pode ser o aumento da produtividade. Por outro lado, existe a preocupação de que a automação por meio do software online possa cortar alguns postos de trabalho. Basta olhar para uma companhia como o Skype, capaz de gerenciar uma rede global de telefonia com poucas centenas de pessoas. Tempos atrás se você quisesse criar uma companhia de telefonia, teria que contratar centenas de milhares de pessoas. A minha preocupação é que veremos vários cortes de postos de trabalho como resultado. Poderemos continuar vendo o que temos visto nos Estados Unidos nos últimos 20 anos: uma grande divisão na distribuição de renda entre os muito ricos e o restante da população.

Quando os usuários estarão maduros o suficiente para aceitar a entrega de serviços via internet?

Se você olhar para certos indivíduos, particularmente os jovens, verá que eles já fizeram a mudança do software instalado no disco rígido para aqueles oferecidos via internet. Eles podem fazer tudo o que querem por meio de seus navegadores de internet. Acredito que a aceitação é apenas uma questão de ter conexão segura e confiável em banda larga. É uma transição natural. As pessoas vão superar sua timidez sobre colocar suas informações na rede simplesmente porque o processo é conveniente e tem baixo custo.

Essa geração que está crescendo e está ciente dos benefícios dos serviços oferecidos via internet serão os líderes de amanhã. Você concorda então que as empresas do futuro já estarão mais próximas da computação como serviço naturalmente?

Toda mudança tecnológica é uma mudança também de gerações. Para ver o futuro você precisa ver como as pessoas estão usando a tecnologia. Eles já estão em uma sintonia com a tecnologia diferente dos mais velhos. Isso realmente indica o futuro e o futuro acontecerá na internet, em vez de estar dentro dos computadores.

Se o acesso à internet em banda larga tivesse se disseminado mais rapidamente tempos atrás, a computação como serviço seria mais usada hoje?

Em certo aspecto sim. Mas acredito que outra coisa importante é a redução constante das ferramentas de computação e do armazenamento de dados. Em virtude disso é que é possível construir grandes data centers e servir software para milhões de usuários. Até que o processamento computacional e o armazenamento não forem barato o suficiente, não seria possível expandir a computação como serviço. Esse é outro ingrediente chave para executar sistemas em larga escala e com baixo custo.

Com a popularização da computação como serviço entre as empresas, a tecnologia ainda será fator de diferenciação no mercado?

Eu acredito que não se estivermos falando puramente sobre tecnologia. Computadores, sistemas operacionais e aplicações ficarão invisíveis para as companhias. Por outro lado, provavelmente veremos uma explosão de novos serviços e produtos com a aplicação da tecnologia, da mesma forma como a sociedade viu a explosão dos equipamentos elétricos com a ascensão da eletricidade. De certa forma, tecnologia vai importar menos em seu papel tradicional, mas vai significar mais em termos comerciais amplos.

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