Gustavo Araújo, CEO do Banco Mercantil: transformação digital levou o banco a 12 trimestres de lucro recorde, aceleração de 260% na base de clientes
Repórter
Publicado em 8 de dezembro de 2025 às 13h31.
Última atualização em 16 de dezembro de 2025 às 11h34.
Em meados de 2015, o Banco Mercantil estava diante de um dilema que já não cabia mais dentro das paredes de sua sede em Belo Horizonte. Era um banco tradicional, sólido, historicamente focado em empresas mineiras e paulistas, com uma operação estável e um público em crescimento, mas que, aos olhos de seus acionistas, não avançava na velocidade que o novo mercado exigia.
“Havia uma inquietação”, lembra Gustavo Araújo, CEO da instituição, ao relatar as conversas iniciais entre o conselho e a liderança sobre a necessidade de digitalizar o banco. “Atendíamos bem empresas, mas era preciso entender qual seria o próximo passo. Havia um risco de ficarmos para trás”.
Diante do complexo desafio de competir com os incumbentes e fintechs cheias de novos recursos tecnológicos, Araújo passou meses dedicado a estudar sobre os caminhos possíveis. Ao se debruçar sobre números, jornadas e histórico do banco, encontrou um ativo subestimado: a marca tinha força entre um público que começava a ser ignorado por praticamente todo o sistema financeiro.
Era o público com idades acima de 50 anos, em boa parte composto por beneficiários de previdência e INSS, que recebiam seus pagamentos pelo Mercantil havia décadas — muito antes de o setor adotar leilões públicos para esse serviço, ainda em 2009.
Não havia, nas palavras de Araújo, “nenhuma instituição que verdadeiramente focasse nesse público”. O banco, que até então mantinha uma carteira de cerca de 2,3 milhões de clientes, estava certo que esse seria o início de uma das mais profundas transformações digitais já realizadas por um banco brasileiro de médio porte. Perto do fim de 2025, ampliou chegou a 9,5 milhões de brasileiros, um salto de mais de 260% em cinco anos.

O plano de Araújo exigia algo que, até então, o Mercantil nunca havia feito: escalar como um banco digital, mas com o cuidado, o serviço e a linguagem de um banco de relacionamento. A partir de 2020, o banco entrou numa corrida tecnológica. Iniciou investimentos anuais acima de R$ 100 milhões em inovação e tomou uma decisão rara no setor: migrar toda a infraestrutura para o Google Cloud.
A operação, conduzida em parceria com a fornecedora de infraestrutura digital Atos, envolveu mais de mil máquinas virtuais movidas em apenas 12 meses, um ritmo que, segundo executivos de mercado, é quase inédito entre bancos brasileiros.
O efeito prático foi equivalente à construção de um novo data center, mas sem tijolos. A computação em nuvem passou a sustentar todo o banco: dos sistemas de crédito e pagamentos aos modelos de IA e análises comportamentais que moldariam a fase seguinte.
Com a infraestrutura estabilizada, conta o CPO do banco Felipe Boff, foi definido a próxima fronteira: colocar dados e inteligência artificial no centro de tudo. Mas não como substituição ao atendimento humano, e sim como ampliação da capacidade de entender o cliente.
Felipe Boff, CPO do Banco Mercantil: liderança por trás da transformação digital que aproximou o banco do público 50+
Os primeiros modelos foram treinados para identificar padrões de comportamento e antecipar ações dos clientes: passaram a prever evasão com cerca de 70% de acerto — numa rota que mira chegar a 95% — e a validar processos de venda com precisão de 94%.
A IA também passou a ajustar linguagem, tom e tempo de resposta em cada canal digital, moldando a comunicação ao nível de familiaridade tecnológica de cada usuário. "Se em um atendimento digital, um cliente erra com alguma constância uma palavra em português, incorporamos aquela forma de escrever por nossos atendentes e nossas IAs. É forma de dar ainda mais acolhimento ao cliente".
Dado o nível de personalização, tornou-se capaz de recomendar produtos específicos para o público 50+, levando em conta preferências, limitações e hábitos financeiros muito particulares desse segmento que o banco decidiu assumir como prioridade.
“O papel do banqueiro mudou”, explica Boff. “Não é mais decidir crédito caso a caso. É definir os limites de risco e garantir que os modelos matemáticos respeitassem esse limite”.
Esse processo marcou uma transição cultural profunda: profissionais que antes analisavam crédito manualmente agora operavam sistemas automáticos; estatísticos e cientistas de dados passaram a integrar o centro das decisões; e o acionista entendia que, para crescer mais, seria preciso confiar no desenho técnico do novo banco.
Se há um símbolo do leapfrog do Mercantil, ele atende por um nome que todo brasileiro conhece: WhatsApp. Em vez de apostar apenas no aplicativo próprio, como faz a maioria dos bancos digitais, o Mercantil decidiu priorizar aquilo que seu público já dominava. “Consideramos que o cliente 50+ vive no WhatsApp e partimos disso para criar um acesso completo por esse canal”, afirma o CEO. A constatação foi usada como guia.
Hoje, mais de 80% das transações do banco passam pelo WhatsApp, incluindo originação e renovação de crédito consignado, e vendas completas feitas dentro do próprio chat.
No meio disso, há histórias que viraram folclore interno. Como a contratação de uma profissional linguista especializada em localizar regionalismos brasileiros, por lidar com coloquialismos e expressões populares, algo impensável para um banco tradicional.
Ou a descoberta, feita pelos atendentes, de que muitos clientes apagavam o aplicativo após usar para liberar espaço para fotos da família. “Foi quando entendemos que precisávamos reduzir drasticamente o tamanho do app”, conta Boff.
Esse aprendizado orgânico fez o banco entrar no radar da Meta, dona do WhatsApp. O Mercantil tornou-se case global por ser capaz de vender produtos bancários completos dentro do chat, sempre guiado por métricas de engajamento e não por volume de spam.
A relação cresceu a ponto de equipes do Mercantil viajarem a San Francisco para apresentar suas soluções diretamente aos engenheiros do WhatsApp, algo raro para empresas brasileiras.
Hoje, o canal é tão sofisticado que combina mensagens automatizadas, intervenções humanas estratégicas e sinais emocionais (“Desculpa a demora, aqui está corrido hoje”, diz o agente virtual Sônia, quando preciso). É tecnologia calibrada para soar humana o suficiente para não afastar quem não domina ambientes digitais.
Mas como toda a escala de negócio, há riscos que precisam de vigília por parte do Mercantil. O volume de crédito — aprovado em altas frequências por modelos estatísticos — muda o papel do banqueiro, que deixa de analisar caso a caso e passa a supervisionar sistemas.
Boff admite que essa transição exige vigilância permanente: “O banco sai de uma perspectiva humana e passa para uma perspectiva matemática. O acionista teve de evoluir sua forma de interpretar risco”. Um erro de modelo, uma premissa mal calibrada ou um padrão fora do previsto pode gerar distorções relevantes em poucos segundos. O ganho de velocidade é enorme; o risco de replicar um erro, também.
A aposta em IA generativa, embora bem-sucedida, carrega outro tipo de incerteza. A tecnologia acelera entregas e reduz etapas manuais, mas também introduz camadas de código e lógica que o banco precisa auditar com rigor crescente. A meta interna, agora, não é produzir mais código por IA, e sim garantir que o código realmente usado em produção seja seguro, eficiente e rastreável.
É um equilíbrio delicado: se o banco avançar rápido demais, pode comprometer processos críticos; se avançar devagar demais, perde competitividade para concorrentes que também operam em nuvem, usam IA e cresceram sem carga legada.
O Mercantil completou seu 12º trimestre consecutivo de lucro recorde, somando R$ 254 milhões no terceiro trimestre de 2025, enquanto a carteira de crédito avançava 31% e atingia R$ 21,6 bilhões. O consignado, carro-chefe histórico da instituição, cresceu 44% em 12 meses e chegou a R$ 14,7 bilhões, impulsionado por uma originação que somou R$ 4,4 bilhões, com 85% dela feita por canais digitais.
A receita de serviços atingiu R$ 235 milhões, a maior da história do banco. Um claro sinal de que para reinventar um banco, mais do que tenologia, é preciso reinventar a forma de ouvir — e conversar, com o cliente.