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Nova operadora de SP quer ser a "Gol da telefonia celular"

Unicel quer replicar o modelo de "baixo custo, baixo preço" aplicado pela companhia aérea para conquistar 10% do mercado paulistano em três anos. Ela vai conseguir?

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h39.

Desde que venceu a licitação para criar uma nova operadora de telefonia celular na Grande São Paulo, no início do ano, José Roberto de Melo, principal executivo à frente da Unicel, vive uma maratona. Em média, são cinco reuniões por dia com fornecedores e investidores, e dezenas de telefonemas e e-mails que responde de seu Blackberry - cuja operadora é a Nextel. "Montar uma operação dessas não é algo trivial", afirma ao justificar a pesada rotina. Menos trivial ainda, para o mercado, é se a Unicel será bem-sucedida. Afinal, para muitos, o Brasil já está saturado de aparelhos celulares. Além disso, os paulistanos são atendidos por três companhias: Vivo, TIM e Claro. O trio detém nada menos que 78% do mercado brasileiro de telefonia móvel, que atingiu 102 milhões de linhas ativas em abril, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

"Eles [os envolvidos na criação da Unicel] estão sendo muito corajosos", afirma Manuel Fernandes, sócio da consultoria KPMG responsável pela área de telecomunicações. É um fato que a velocidade de ativação de novas linhas está desacelerando. Em abril deste ano, o total de 102,875 milhões de celulares ativos representou apenas 0,71% mais que em março. No ano passado, a comparação entre esses dois meses apresentou taxa de crescimento de 1,31%. E, em 2005, ficou em 3,14%.

Cientes de que haverá cada vez menos espaço para expandir os negócios a partir de novos usuários, as operadoras já começam a investir no aumento da receita por cliente. Promoções, novos serviços de voz e acesso à internet, oferta de ring tones para celulares, a aposta na convergência tecnológica, com o modelo triple play (voz, dados e TV paga) - tudo é experimentado para gerar mais receita por consumidor.

Além disso, a chegada da Unicel parece ir na contramão do setor de telefonia. "Estamos assistindo à consolidação do mercado. O setor vai no sentido contrário. Está enxugando o número de players", afirma Fernandes. Entre as especulações, está a eventual fusão entre a Oi e a Brasil Telecom, criando um grande grupo nacional; a possível parceria entre a Portugal Telecom e a Oi; a entrada da Telefónica - que já controla a Vivo - no capital da TIM.

Exemplos

Sem perspectiva de entrar no mercado conquistando uma fatia de pessoas que ainda não têm celular, e tendo de brigar com gigantes do setor, uma quarta operadora em São Paulo não tem muitas opções para crescer, a não ser apostar em um novo modelo de negócios para conquistar usuários da concorrência. Para Melo, da Unicel, a senha é tarifa baixa (veja entrevista no box abaixo). A companhia, que pretende iniciar as operações em setembro, espera vender minutos por até 40% menos que as rivais. "Nós já nascemos como uma empresa de baixo custo, baixo preço. Os demais não têm como nos acompanhar, porque têm estruturas mais pesadas", diz Melo.

A comparação óbvia é o que ocorreu com o mercado brasileiro de aviação, quando a Gol entrou no mercado. "Alguns concorrentes até conseguem oferecer tarifas parecidas, mas a rentabilidade da Gol é bem maior", afirma o executivo. Não é só entre companhias aéreas que Melo encontra inspiração. No ramo de telefonia, algumas empresas de baixo custo também servem de exemplo. A indiana Bharti Tele-Ventures é uma delas. Em 12 anos de atividade, a empresa conquistou 20% do mercado indiano de telefonia móvel. Sua curva de crescimento não é fenomenal, mas a fórmula de cobrar muito pouco pelo minuto, e incentivar os usuários a falarem mais, é uma referência para a Unicel.

Outro exemplo é a espanhola Yoigo. Lançada em dezembro de 2006, a companhia conquistou 100.000 clientes em três meses e tornou-se a quarta operadora de telefonia do país. A empresa mantém uma tarifa de 12 centavos de euro por minuto de ligação e oferece um pacote básico de serviços, que inclui envio de mensagens de texto (10 centavos cada), olho mágico, desvio de chamada, e atendimento simultâneo de ligações.

"As operadoras brasileiras erram ao cobrar caro por minuto", diz Melo. Ele cita que, na Índia, o preço médio por minuto é de 3 centavos de dólar. Os indianos falam 445 minutos por mês no celular. Na Rússia, o minuto sai por 5 centavos e a demanda é por 122 minutos mensais. No Brasil, o preço chega a 16 centavos, o que inibe a demanda. O resultado é que o brasileiro consome 80 minutos mensais de celular. Embora as operadoras brasileiras obtenham mais receita média por usuário (Arpu, na sigla em inglês) que as russas ou indianas, sua geração de caixa é menor: 19%, ante 37% dos indianos e 49% dos russos.

Operação enxuta

Para oferecer preços até 40% menores que a concorrência, Melo afirma que a Unicel possui alguns trunfos. O primeiro foi o valor da licença. Para operar em 63 municípios, incluindo a Grande São Paulo, a empresa vai pagar cerca de 94 milhões de reais. Dez por cento do total foi desembolsado na confirmação da licença. O restante será amortizado em seis parcelas, após três anos de carência. A área concedida à Unicel é praticamente a mesma conquistada pela americana Bell South, no leilão de 1997. A diferença é que a companhia e seus sócios, como o Safra, desembolsaram 2,6 bilhões de reais pela licença para a BCP. Na época, o valor foi considerado recorde e ficou 1 bilhão de reais acima da proposta do segundo colocado. O pesado valor da licença foi apontado como um dos fatores que levaram a BCP à inadimplência, após acumular dívidas de 1,7 bilhão de dólares. A empresa acabou nas mãos da Claro.

A empresa também terá uma operação enxuta. O investimento inicial para entrar em operação é de 150 milhões de dólares. Parte dessa quantia foi aportada por um grupo de investidores americanos, como Edward Jordan, presidente da EBJ Oito Participações, que atuou como "angel investor" (espécie de primeiro investidor em um projeto). A companhia não contará com rede própria, e está negociando o aluguel de 350 torres com fornecedores como a American Tower. Além disso, a empresa deve contar com cerca de 100 a 200 funcionários. "A BCP operava com 1.000", compara Melo. Para tanto, a empresa vai recorrer à terceirização de diversos setores e a investimentos em tecnologia, a fim de facilitar o controle dos processos.

Em média, o custo dos serviços das operadoras brasileiras oscila entre 20% e 25% da receita. Com essas medidas, Melo espera que a porcentagem da Unicel fique em 12%.

Outra fonte de economia é a decisão de não subsidiar a compra dos celulares pelos clientes. Segundo estimativas de mercado, o subsídio consome 20% da receita por usuário das operadoras. A empresa venderá apenas os chips. "Queremos investir no serviço, e não no aparelho", diz o executivo. O subsídio é um tema que começa a ser revisado por outras operadoras. A Oi, por exemplo, oferece um bônus aos clientes que pode tanto ser usado para abater o preço do aparelho, quanto pode ser convertido em minutos de conversação.

Migração

Ao investir no chip e em tarifas mais baratas, a Unicel aposta que arrancará clientes da concorrência. "Se o usuário perceber que há uma vantagem, ele vai migrar", diz Melo. Então, o potencial cliente estará diante de duas opções: ou ele investe na compra - não subsidiada - de um novo aparelho e adquire o chip da Unicel; ou desbloqueia o celular que já possui para instalar o chip. O desbloqueio não é uma operação complicada - nas assistências técnicas, pode ser feito em meio dia, a preços que variam de 30 reais a 160 reais, conforme o modelo. As próprias lojas de operadoras também fazem o serviço. No caso da Oi, chegava-se a cobrar até 300 reais. Além disso, grandes redes varejistas já vendem aparelhos desbloqueados.

Mas a dúvida é se, mesmo diante de uma tarifa vantajosa, o paulistano vai querer abrir mão de um número de celular que já possui e é conhecido por seus amigos, colegas de trabalho e parentes. Isto porque, ao trocar o chip, mesmo que mantenha o aparelho, o número do celular vai mudar. Por isso, para Fernandes, da KPMG, a aposta da Unicel seria mais forte se a portabilidade - capacidade de mudar de operadora, sem mudar de número - já estivesse em vigor. Embora aprovada pela Anatel, a portabilidade só deve ser uma realidade em março de 2009. "O cliente precisará ter uma forte motivação para abrir mão de seu número", diz Fernandes.

 

"Há espaço para mais uma operadora em São Paulo"
Para José Roberto Melo, principal executivo à frente da Unicel, o modelo brasileiro de telefonia celular erra ao cobrar caro

EXAME - O mercado de telefonia celular não está saturado? Há espaço para um quarto competidor em São Paulo?
José Roberto Melo - Isso é o que nós mais ouvimos desde que começamos a Unicel. Depende de como você enxerga o seu negócio. Se o seu negócio é subsidiar venda de aparelhos celulares, então talvez. Mas se o seu negócio for oferecer um serviço honesto por um preço justo, há espaço. Uma nova operadora GSM em São Paulo é viável.

EXAME - Qual será o modelo de negócios da Unicel?
Melo - As operadoras brasileiras de telefonia móvel erram ao cobrar caro pelo minuto. Na Índia, por exemplo, o minuto custa dois centavos de dólar em média. Cada usuário fala, em média, 450 minutos por mês. O ebtida [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] das operadoras é de 37%. No Brasil, o preço do minuto é de 16 centavos de dólar. O resultado é que os brasileiros falam 80 minutos por mês. É muito pouco. E o ebtida das operadoras é de 19%, em média. O modelo brasileiro baseia-se em alto custo, alto preço e baixa geração de caixa. Queremos o inverso: baixo custo, baixo preço e alto ebtida.

EXAME - A Unicel quer oferecer preços 40% menores aos usuários. Como vai conseguir?
Melo - Se você olhar as empresas que adotaram o modelo de "baixo custo, baixo preço", como a Gol, vai ver que a diferença de preço em relação à concorrência é de 40%. A experiência mostra que, sem uma diferença desse tamanho, você não será notado pelo mercado como uma companhia de baixo preço. Ao contrário das outras operadoras, que estabelecem o preço a partir dos custos, determinamos o preço que nossos clientes potenciais querem pagar e, a partir daí, encaixamos nossos custos de operação.

EXAME - Mas como é possível baratear custos e preço final?
Melo - Pelo lado do capex [capital expenditure - recursos necessários para adquirir ou melhorar os bens físicos de uma companhia, como equipamentos ou instalações], nós nos beneficiamos de alguns fatores. Um deles é a velocidade de queda no preço das licenças para operação. Em 1997, a Bell South pagou 2,6 bilhões de reais pela mesma área em que vamos operar. Nós pagamos cerca de 94 milhões de reais. Outro fator positivo é a evolução tecnológica e os ganhos de escala. Isso também tem a ver com os custos de operação. Para ficar na comparação com a Bell South, ela operava com cerca de 1.000 funcionários. Vamos iniciar a operação comercial com 100. Além disso, não vamos investir na construção de rede; vamos alugá-la. E vamos terceirizar o máximo que pudermos, como o call center.

EXAME - Não subsidiar a compra do aparelho, como planeja a Unicel, não afasta potenciais clientes?
Melo - As operadoras brasileiras deseducaram os consumidores, que só pensam nos aparelhos. Queremos que os clientes entendam que o preço do serviço é importante. Se ele pagar pouco pelo minuto, com a economia gerada, poderá decidir o que fazer: comprar um celular melhor ou falar mais. A compra do celular é uma decisão do cliente. O aparelho é dele. Nosso negócio é vender, barato, minutos de uso.

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