Mudanças climáticas não são causadas só pelo homem
Segundo Maria Assunção Silva Dias, entender quais são os responsáveis pelas mudanças de hoje é a melhor forma de se preparar para o futuro
Da Redação
Publicado em 2 de maio de 2014 às 08h03.
Todas as pessoas serão atingidas pelas mudanças climáticas. Essa é a principal mensagem da segunda parte do mais recente relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
O capítulo 18 do documento é dedicado a compreender as causas das mudanças observadas sejam elas devidas ao aquecimento global ou a outras forças. Segundo a professora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Assunção Silva Dias, uma das principais autoras do capítulo, entender quais são os responsáveis pelas mudanças de hoje é a melhor forma de se preparar para o futuro.
Leia, abaixo, a continuação da entrevista exclusiva que o Planeta Sustentável fez com a pesquisadora.
Quais são os maiores desafios ao detectar os impactos das mudanças climáticas?
Os grandes desafios são analisar os dados de forma a separar o que é causado pelo aquecimento global e o que tem a ver com outros fatores.
Se você analisar a temperatura de uma cidade como São Paulo, por exemplo, verá que ela aumentou bastante durante os últimos cem anos, porque a cidade cresceu. Quanto disso é devido ao aquecimento global? Apenas uma pequena parcela. Quanto é influência do crescimento da cidade?
O maior desafio é separar, é dizer qual é a parcela que cabe a cada um dos possíveis fatores.
É possível atribuir um único evento, como um surto de doença ou a extinção de uma espécie, à mudança do clima?
No caso das doenças, é difícil, porque há uma variabilidade grande e há uma grande dependência do clima. Dengue é um exemplo disso. Se você tem períodos quentes e muita chuva, aumenta a incidência de dengue. Mas isso acontece com variabilidade de um ano para outro, porque há anos mais chuvosos e outros menos. A tendência do longo prazo que é possível detectar mistura tudo isso.
Aliás, mistura também as medidas que podem ter sido tomadas para diminuir a incidência de dengue. Se todas as campanhas de conscientização da população como as que dizem para não deixar a água parada forem bem sucedidas, por exemplo, terão efeito na redução da incidência da doença. Ao verificar os dados e ver que a dengue diminuiu, é preciso saber se foi por causa da campanha.
Quanto à extinção de espécies, dou mais um exemplo: nas regiões costeiras há lugares em que houve emissão submarina de esgoto, o que causa um dano enorme para a população de peixes. Então, ao analisar os dados, verifica-se que a população de peixes diminuiu. Mas é porque o mar está mais quente, porque a poluição está matando os peixes ou é porque a pesca predatória está reduzindo a população?
Todos esses aspectos são levados em conta e só se chega a uma conclusão de que houve, de fato, um impacto da mudança do clima em um determinado setor quando você descarta os outros efeitos que poderiam explicá-lo.
Por que é importante avaliar todos os aspectos das alterações climáticas e não apenas impactos da mudança do clima antropogênica?
Porque boa parte da variabilidade que vemos no clima é atribuída a causas naturais. É preciso olhar para o passado da Terra não precisa nem ir muito longe, de centenas de anos a mil anos basta para ver que houve diferentes situações de desequilíbrios climáticos. O problema é que ficamos muito focados apenas nos últimos anos, lembrando só dos anos recentes, de quando éramos crianças.
Na verdade, é preciso olhar numa escala muito maior, porque o clima é variável, não é fixo. Nunca foi constante em lugar algum da Terra. Então, não se podem atribuir de cara à mudança climática provocada pelo homem as coisas que estamos vendo hoje.