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Jobs, o executivo pop star

Mesmo excêntrico e muitas vezes intratável na convivência com subordinados e imprensa, Steve Jobs desperta um fascínio único sobre si e sobre a Apple, diz jornalista Leander Kahney, da Wired

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Da Redação

Publicado em 23 de janeiro de 2009 às 09h29.

Por mais que tenha revolucionado a computação pessoal, Steve Jobs tinha tudo para ser uma figura nada querida na indústria de tecnologia. É o tipo do executivo-estrela, que não faz questão nenhuma de ser simpático fora dos palcos das apresentações da Apple. É excêntrico e com freqüência grita, humilha e destrói as idéias dos subordinados. Odeia jornalistas, ameaça blogueiros e não fala nada sobre sua vida pessoal - inclusive, quando conversa com algum deles, escolhe a dedo a pessoa com quem quer falar, geralmente às vésperas do lançamento de algum produto. Isso sem falar em alguns outros exageros:

* no início dos anos 80 Jobs morou numa mansão praticamente vazia por considerar os móveis com design insuficiente para seu padrão. Dormia em um colchão rodeado por fotos. Depois comprou um piano que, embora não soubesse tocar, admirava seu design

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* tornou a escolha de uma máquina de lavar roupa e uma secadora uma questão de profundo debate familiar. Jobs, a esposa e os quatro filhos analisaram por semanas o design americano versus o europeu, a quantidade de água e detergente consumida, a velocidade da lavagem e a longevidade das roupas dos equipamentos candidatos

* algumas das medidas de sigilo sobre produtos na Apple chegam a ser extremas. Certa vez, Jobs levou para casa um iPod com um sistema de alto-falantes para testar, mas o manteve coberto por um pano preto. Só o ligava quando ninguém estava por perto.

Tamanho estrelismo, porém, tem efeito positivo, acredita Leander Kahney, jornalista da revista Wired e autor do livro "Inside Steve’s Brain" - A cabeça de Steve Jobs, publicado no Brasil. "Jobs é uma estrela de rock, um artista. Quanto mais cala, mais as pessoas podem imaginar coisas sobre ele", diz. Neste momento em que a Apple vive um momento extremamente vulnerável com o afastamento médico de seu líder - e as suspeitas de falta de transparência, conforme investigará a SEC -, esse silêncio enigmático característico é prejudicial e poderá ter efeitos não previstos inicialmente. Em entrevista a EXAME, Kahney comenta sua posição:

No seu livro você menciona que existem muitas contradições na mente de Jobs. Como é possível interpretar esta obsessão em ser uma estrela, adorada por legiões de pessoas e, por outro lado, ser tão obcecado por sua privacidade?
A mídia é uma ferramenta para a Apple vender seus produtos. Ela usa a mídia para ter anúncios grátis. Jobs não está interessado em ter pessoas escrevendo sobre ele, analisando sua contribuição histórica. Quando ele aparece em público ele é muito carismático, tem charme. Mas todos esses são eventos ensaiados. Ele não responde perguntas para as quais não está preparado. Ele aparece e se expõe quando o mundo é a Apple, mas é muito discreto sobre sua personalidade.

Em algumas partes do seu livro você menciona características como narcisismo e perfeccionismo. Você o considera um executivo-celebridade?
Ele definitivamente é uma estrela de rock, é um artista. Quanto menos ele fala, melhor para sua imagem pública, porque as pessoas preenchem as lacunas criando detalhes por conta própria. Quanto mais ele cala, mais as pessoas podem imaginar.

Quão difícil foi escrever um livro sobre ele sendo a Apple e o próprio Jobs tão inacessíveis sobre informações?
Temos que confiar nas pessoas que conhecemos. Ninguém de lá quer falar oficialmente. Tudo é baseado somente em especulação. Quando eu estava fazendo pesquisas para esse livro, perguntei às pessoas sobre o que elas faziam dez anos atrás e elas simplesmente não queriam falar.

Quanto tempo você levou para escrever o livro e quantas pessoas entrevistou?
Eu já escrevi dois outros livros sobre a cultura Apple, anteriormente (Culto ao Mac e Culto ao iPod). Eu cubro a Apple há cerca de 12 anos, para a MacWeek e para a Wired. Esse último livro “A cabeça de Steve Jobs” eu levei aproximadamente um ano para escrever. Falei com entre 75 e 100 pessoas. Muitas delas não quiseram se identificar, especialmente alguns altos executivos próximos a ele.

Você tentou falar com ele, imagino.
Na verdade, a Apple me abordou. Eles descobriram que eu estava escrevendo o livro e eu recebi um telefonema dizendo “nós não vamos falar sobre isso”. Isso foi na verdade uma espécie de ameaça, porque eles processaram todos que haviam escrito sobre ele. Mas eu tentei fazer um livro positivo, sobre a direção da companhia. Eu não estava interessado em olhar para o passado e analisar o que ele fez. Mas sobre a entrevista dele, eu teria ficado muito surpreso se ele tivesse mesmo aceitado.

Por que ele sempre nega entrevistas até mesmo para os principais jornalistas do mundo?
Steve odeia jornalistas. Ele só está interessado em falar com a mídia quando tem algo para vender. Por alguns anos, os mesmos jornalistas, dos mesmos grandes veículos tentaram entrevistas e ele não falou com nenhum. Muitos anos atrás, em 1984, quando estava trabalhando no Macintosh, ele convidou alguns jornalistas da Time para ver os bastidores da Apple. Eles publicaram um livro chamado “My Little Kingdom” - como Meu Pequeno Reino, sem publicação no Brasil - e terminaram com uma reportagem muito negativa na Time. Ele considerou isso muito ruim e invasivo, e como conseqüência nunca mais se aproximou.

Existe uma estratégia de marketing implícita aí?
Sem dúvida, esse silêncio é um modelo de anúncio. Quando a Apple está lançando um novo produto, eles divulgam aos principais veículos de mídia que farão uma surpresa em duas semanas. Eles colocam as pessoas para especular o que é e tudo isso vira manchete. E isso vai além. Quando eles apresentam o produto, a Apple volta a virar notícia. Eles fazem isso desde os anos 80, mas somente recentemente Steve Jobs se tornou esse fenômeno internacional. Portanto, quando menos eles falam, mais as pessoas especulam sobre o que eles estão fazendo e as pessoas continuam falando sobre ela. É um conjunto de estratégias de marketing.

A Microsoft e a Apple sempre foram companhias muito diferentes, tanto operacionalmente e quanto para lidar com informações públicas. Se fosse Bill Gates que estivesse ficado doente, como você acha que a Microsoft reagiria?
Na verdade as duas empresas são exatamente o oposto. A Microsoft é muito aberta. A Apple é muito fechada. Existem razões lógicas para isso. A Microsoft é muito aberta com a imprensa, eles permitem que os jornalistas falem com engenheiros, eles retornam as suas ligações. Acredito que a Microsoft teria agido diferente da Apple, mantendo as informações acessíveis sobre a saúde de seu fundador.

Como foi a Macworld desse ano sem Steve Jobs?
Foi muito decepcionante, especialmente porque as pessoas foram avisadas de que a conferência não vai ter a Apple no ano que vem. As pessoas estavam sentindo que esse era o último grande evento e a Macworld nunca mais vai ser a mesma. Eles não apresentaram nenhum outro produto novo, só houve atualizações. Não havia multidões de antes. Mas as pessoas se divertiram. Schiller é muito bom, mas Steve representa uma grande lacuna para preencher. Em outras circunstâncias, ele seria muito bom. Nesse evento em particular é muito difícil para ele ser extraordinário, porque as pessoas querem ver Jobs.

O título do seu livro é exatamente sobre o que acontece dentro da mente de Steve Jobs. O que você acha que passa pela cabeça dele agora?
É difícil dizer exatamente. Nós nem ao menos sabemos a verdade sobre seu estado de saúde. Eu acredito que ele esteja muito doente e queira passar mais tempo com a família.

O que você vê para o futuro da Apple?
Eles vão cometer um grande erro se tentarem substituí-lo com outro executivo, alguém que apareceria como o novo Steve Jobs. Isso não existe. Mas eu acho que eles vão substituí-lo por um grupo de pessoas da Apple que já estão dirigindo a empresa. Sua função na Apple vai ser assumida por diversas pessoas. Jonathan Ive vai continuar fazendo design e o desenvolvimento de novos produtos. Tim Cook segue gerenciando a companhia como ele fez nos últimos dez anos. Phil Schiller vai cuidar dos anúncios. Não existirá um novo personagem para ser o novo Steve Jobs.

*Fonte: A Cabeça de Steve Jobs, editora Agir

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