Tecnologia

IA e robôs liberam 30% do tempo de trabalho até 2030 e forçam CEOs a redefinir seu papel

Estudo da McKinsey projeta salto de produtividade; desafio passa a ser cultural, ético e competitivo, não apenas tecnológico

Publicado em 20 de dezembro de 2025 às 09h00.

Última atualização em 20 de dezembro de 2025 às 10h20.

Por Luis Fernando Martins e Alexandre Cruz*

O avanço da inteligência artificial agente e da robótica deve liberar cerca de 30% das horas de trabalho até 2030, segundo o McKinsey Global Institute. O dado, extraído do relatório Agents, robots, and us: Skill partnerships in the age of AI, desloca o debate corporativo do campo da eficiência operacional para uma questão mais ampla: o que a liderança fará com o tempo que a tecnologia devolve às organizações.

Vivemos uma das maiores transformações dos laços sociais dos últimos 2.600 anos. A passagem de um mundo vertical e hierárquico para estruturas mais horizontais e flexíveis, fenômeno que o psicanalista Jorge Forbes chama de TerraDois, deixou de ser abstração acadêmica para se tornar realidade concreta em conselhos de administração. Nesse ambiente, a IA marca a transição de um mundo determinístico para outro probabilístico, fluido e ainda em consolidação.

O paradoxo é claro: quanto mais espaço a máquina ocupa, mais valioso se torna aquilo que ela não consegue reproduzir. A automação deixou de ser promessa futura e virou o “chão de fábrica” digital do presente, com sistemas autônomos assumindo gestão da informação, otimização de processos e análises preditivas. Para a liderança, isso impõe um reset: o mercado já não recompensa o executivo que atua apenas como executor técnico.

A pergunta que ronda o próximo board meeting é direta. Se a IA processa planilhas, cruza dados e sugere investimentos com precisão algorítmica, qual é o diferencial humano que justifica a cadeira do CEO? O valor da liderança migra para a capacidade de julgamento em ambientes ambíguos, de conexão entre variáveis desconexas e de tomada de decisão sob incerteza.

Para capturar o valor das horas liberadas pela tecnologia, especialistas apontam três frentes que permanecem essencialmente humanas. A primeira é o julgamento ético e estratégico. Algoritmos indicam caminhos, mas apenas pessoas ponderam riscos regulatórios, sociais e culturais, como no cumprimento da LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados.

A segunda é a inteligência emocional aplicada à coesão das equipes. Liderar pessoas em ambientes híbridos, nos quais humanos e sistemas autônomos convivem, exige empatia e clareza para transformar o medo da obsolescência em engajamento e propósito.

O terceiro pilar é a criatividade combinada à ambidestria gerencial. Enquanto a IA otimiza o negócio atual, cabe à liderança imaginar novos modelos, explorar adjacências e decidir qual futuro construir com o capital e o tempo liberados pela automação.

Brasil e a vantagem da “razão sensível”

Nesse cenário, o Brasil aparece com uma carta frequentemente subestimada. Embora apenas cerca de um quarto dos trabalhadores perceba investimento consistente das empresas em desenvolvimento de habilidades, a cultura nacional é marcada por flexibilidade e forte orientação relacional. O que antes era visto como “informalidade” passa a ser interpretado como vantagem competitiva em ambientes menos hierárquicos.

A chamada “razão sensível”, combinação de pragmatismo com leitura fina de contexto social e político, tende a ganhar valor em um mundo no qual algoritmos fazem contas melhores do que humanos. Costurar relações, traduzir ambiguidades e gerar confiança tornam-se ativos estratégicos.

Essa sensibilidade, porém, não elimina a necessidade de rigor técnico. O novo hard skill da liderança é a alfabetização em IA (AI literacy): entender como treinar agentes, garantir governança e segurança de dados e traduzir estratégias em comandos lógicos eficazes. O líder deixa de ser operador de sistemas para atuar como arquiteto de problemas relevantes para a máquina resolver.

Na prática, forma-se uma nova matriz de papéis. O C-level concentra-se em governança, risco e visão de longo prazo. A gestão intermediária traduz decisões estratégicas em fluxos de trabalho para agentes de IA, atuando como curadora de entradas e saídas. Já a liderança de linha de frente tem a missão de conduzir a transição, reduzir ansiedade e transformar automação em oportunidade concreta de reskilling e upskilling.

O dilema central permanece cultural. Ou as organizações usam sua cultura para organizar a tecnologia, ou permitem que a tecnologia desorganize a cultura. A IA supera humanos em tarefas repetitivas, mas valoriza, por contraste, aquilo que é distintivamente humano.

O retorno de equipes leais, qualificadas e continuamente treinadas tende a superar o custo da rotatividade e da busca constante por novos talentos. No fim, a questão deixa de ser se a IA transformará o negócio, isso é dado, e passa a ser se a liderança está preparada para atuar como curadora de talentos e de valor, em vez de tentar competir com a precisão do algoritmo.

* Martins é executivo, investidor, conselheiro e autor, aluno do SEER da Exame Saint Paul e Cruz, Managing Partner na Cornerstone Brazil

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