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Estudo da USP pode ajudar a tratar infecção em diabéticos

Com testes feitos com camundongos, cientistas conseguiram reduzir em 40% a mortalidade por esta inflamação potencialmente fatal


	Teste de glicemia para diabetes: no grupo de diabético não tratado, 100% dos animais morreram cerca de 24 horas após a perfuração do intestino
 (Marcos Santos/USP Imagens)

Teste de glicemia para diabetes: no grupo de diabético não tratado, 100% dos animais morreram cerca de 24 horas após a perfuração do intestino (Marcos Santos/USP Imagens)

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Da Redação

Publicado em 3 de março de 2015 às 12h15.

Uma nova estratégia com potencial para tratar sepse em portadores de diabetes do tipo 1 foi proposta por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em artigo publicado na revista Science Signaling.

Em experimentos com camundongos diabéticos, o grupo do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP) conseguiu reduzir em 40% a mortalidade por sepse ao tratar os animais com uma substância capaz de inibir a síntese de um mediador inflamatório conhecido como leucotrieno B4 (LTB4).

Drogas semelhantes já são usadas no combate à asma e outras doenças alérgicas.

“Nosso trabalho mostrou que os camundongos com diabetes tipo 1 apresentam uma inflamação estéril [sem um foco infeccioso] dependente desse mediador LTB4. Essa inflamação de base aumenta a suscetibilidade à sepse”, explicou Luciano Filgueiras, autor principal do artigo.

Os experimentos foram conduzidos com apoio da FAPESP durante o doutorado de Filgueiras – parte no Laboratório de Imunofarmacologia do ICB-USP e parte no laboratório do professor Henrique Serezani, na Indiana University – Purdue University Indianapolis (IUPUI), nos Estados Unidos.

Tanto Filgueiras quanto Serezani foram orientados no doutorado pela professora do ICB-USP Sonia Jancar.

Conforme explicou Filgueiras, a diabetes tipo 1 se desenvolve quando o próprio sistema imunológico do paciente destrói parte das células pancreáticas responsáveis pela produção de insulina, fazendo com que os níveis desse hormônio no organismo se tornem insuficientes para controlar os níveis de açúcar no sangue.

Já a sepse, popularmente conhecida como infecção generalizada, é caracterizada por uma inflamação sistêmica potencialmente fatal, que produz mudanças na temperatura corporal, pressão arterial, frequência cardíaca, contagem de células brancas do sangue e respiração.

As formas mais graves costumam causar disfunção no funcionamento de diversos órgãos, condição conhecida como choque séptico.

“A inflamação estéril do diabético que o deixa mais sensível à sepse também está relacionada a outras doenças associadas, como retinopatia, nefropatia e aterosclerose, além de problemas de cicatrização”, disse Filgueiras.

Ao estudar a inflamação estéril em camundongos diabéticos, o grupo do ICB-USP observou um aumento tanto nos níveis de LTB4 como na expressão de uma molécula conhecida como MyD88 (fator de diferenciação mielóide 88, na sigla em inglês) nos macrófagos – uma das primeiras células de defesa a entrar em ação quando um patógeno ou uma célula alterada é identificada pelo sistema imunológico.

“O MyD88 é uma molécula central na imunidade inata [aquela que já nasce com o indivíduo e não depende da criação de anticorpos específicos para um antígeno]. É essencial para a sinalização intracelular induzida por receptores do tipo Toll, que disparam uma resposta inflamatória”, explicou Filgueiras.

Estudos anteriores de Jancar e Serezani já haviam mostrado que a expressão de MyD88 é controlada pelo mediador LTB4. Durante o doutorado de Filgueiras foi investigado se níveis elevados de LTB4 seriam a causa da inflamação estéril observada em diabéticos.

Experimentos

O modelo usado pelos pesquisadores consistiu em induzir a diabetes tipo 1 em camundongos com a injeção de uma droga que destrói as células pancreáticas produtoras de insulina.

“Assim que o animal desenvolvia a diabetes, também apresentava o quadro inflamatório marcado pela produção de citocinas pró-inflamatórias e LTB4, além da expressão aumentada de MyD88 em macrófagos. Nosso passo seguinte foi testar a resposta à sepse”, contou o pesquisador.

A infecção generalizada era provocada por um método conhecido como ligação e perfuração do ceco (CLP, na sigla em inglês), no qual uma abertura é feita no intestino de forma a permitir o extravasamento de fezes e de bactérias para a cavidade peritoneal.

Os camundongos foram divididos em três grupos: não diabéticos com sepse; diabéticos com sepse; e diabéticos com sepse tratados com o inibidor de LTB4.

No grupo de diabético não tratado, 100% dos animais morreram cerca de 24 horas após a perfuração do intestino em decorrência da inflamação sistêmica.

No grupo tratado com o inibidor de LTB4, 40% dos camundongos sobreviveram durante os seis dias de duração do experimento. No grupo de camundongos não diabéticos, o índice de sobrevivência à sepse foi de 60%.

O tratamento com o inibidor de LTB4 foi iniciado 16 horas antes da perfuração do intestino. Uma segunda dose foi administrada 8 horas antes do procedimento. Após a perfuração, a droga foi oferecida a cada doze horas, durante seis dias.

Além de reduzir a mortalidade, a terapia também controlou o quadro inflamatório, o que foi avaliado pela produção de citocinas anti e pró-inflamatórias.

Em um outro experimento, o grupo do ICB-USP avaliou a resposta à sepse em camundongos modificados geneticamente para não expressar o receptor do LTB4. Nesse caso, tanto os animais com diabetes quanto os não diabéticos tiveram sobrevivência de 100% ao final dos seis dias do experimento.

“Na ausência do receptor do LTB4, portanto, não houve diferença entre diabéticos e não diabéticos no que se refere à suscetibilidade à sepse”, comentou Filgueiras.

Os cientistas também compararam grupos de camundongos com diabetes do tipo 1 e do tipo 2, na qual há um aumento na produção de insulina pelo pâncreas.

Nos diabéticos tipo 2, as células do fígado, músculo e tecido adiposo apresentam resistência à insulina, o que leva à hiperglicemia, embora os macrófagos ainda sejam responsivos a esse hormônio.

“Os resultados mostraram que, no grupo com diabetes do tipo 2, não há aumento na expressão de MyD88 nos macrófagos, o que sugere que essa inflamação estéril induzida pela via LTB4/MyD88 está mais relacionada com a deficiência de insulina do que com a hiperglicemia”, avaliou Filgueiras.

Possibilidade terapêutica

De acordo com Filgueiras, drogas capazes de inibir a síntese de outros tipos de leucotrienos já são usadas no tratamento de asma e outras doenças alérgicas.

Substâncias capazes de inibir especificamente o LTB4 ainda estão em fase de desenvolvimento e não foram testadas no tratamento da sepse ou da diabetes do tipo 1 em humanos.

“Nosso trabalho trouxe à tona uma nova possibilidade terapêutica para essas drogas experimentais. E isso é relevante, pois nos últimos 50 anos não surgiu nenhum tratamento capaz de aumentar a sobrevida de pacientes com sepse de forma significativa”, comentou o pesquisador.

No site da revista Science Signaling o artigo mereceu destaque na seção “Editor's Summary”.

Atualmente, Filgueiras realiza o pós-doutorado com Bolsa da FAPESP e supervisão de Jancar. Um dos objetivos do novo trabalho é testar o tratamento da sepse com inibidores de LTB4 em associação com antibióticos.

“Também pretendemos avaliar como a inibição de LTB4 poderia, de maneira geral, beneficiar portadores de diabetes tipo 1, e verificar se, por exemplo, reduziria o surgimento de doenças associadas, como a aterosclerose, além de problemas de cicatrização”, afirmou.

A pesquisa integra o Projeto Temático “Associação de PRRs com receptores para mediadores lipídicos em macrófagos e células dendríticas”, coordenado por Jancar.

“O objetivo do Temático é estudar a interação entre os diversos mediadores lipídicos, como leucotrienos, prostaglandinas e PAF (fatores de ativação plaquetária, na sigla em inglês), nos macrófagos e nas células dendríticas para entender como isso altera a resposta inflamatória e imune” contou Jancar.

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