Tecnologia

É vendaval

O novo Sistema de Pagamentos Brasileiro entra em vigor no ano que vem. Sua empresa já está preparada?

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h20.

Em abril do ano que vem, o mercado financeiro vai mudar para sempre. É a data marcada para a entrada em ação do novo Sistema de Pagamentos Brasileiro, o SPB. Se você ainda não ouviu falar dele, chegou a hora. O SPB significa uma grande transformação na organização do sistema financeiro nacional -- e isso, acredite, vai se fazer sentir na sua empresa. Em poucas palavras, trata-se de uma grande reorganização tecnológica das comunicações entre os 175 bancos brasileiros e o Banco Central. Hoje, é comum que bancos operem ao longo do dia com o saldo negativo e corram para fechar o caixa depois do expediente. Isso vai mudar. Agora, as transações ocorrerão em tempo real. Os bancos não poderão mais ficar com saldo negativo.

A virada para o novo SPB, em desenvolvimento há dois anos nos corredores do Banco Central, não acontecerá de forma avassaladora. Num primeiro momento, a liquidação financeira instantânea será automática para valores acima de 5 mil reais. (Por enquanto, as regras de compensação dos demais valores -- 24 horas para cheques acima e 48 para cheques abaixo de 300 reais -- não se alteram.)

Serão criadas novas formas de transferência de recursos. Em vez de passar um cheque ou enviar um documento de crédito (DOC), o cliente poderá simplesmente ordenar ao banco, por meio de um sistema de mensagens eletrônicas, que transfira o montante desejado. No mesmo instante, o dinheiro sairá da conta do pagador e será creditado na do recebedor. A idéia é transformar em bits os milhões de cheques e boletos de pagamento que circulam diariamente entre os bancos.

Dentro de pouco tempo, a empresa que tiver uma fatura a receber vai dizer ao cliente: Não pague em cheque, mande uma transferência eletrônica, diz Radjalma Costa, chefe da divisão de reserva bancária do Banco Central. Todas as transações virtuais são mais baratas para o banco e, por conseqüência, serão mais baratas para o cliente. Em termos de volume físico, a novidade vai eliminar apenas 1% do total de papéis que circulam diariamente. Mas se trata de muito dinheiro: os cheques acima de 5 mil reais representam 69% dos recursos que transitam entre os bancos.

Além disso, o Banco Central quer usar essa nova rede de informações para transferir ao mercado os riscos de uma eventual quebra de banco -- ou, se você preferir, os próprios participantes do sistema terão de zelar pela sua saúde. Todos os bancos têm uma conta corrente no BC, chamada Reserva Bancária. Hoje, cada vez que uma conta dessas fica negativa ou zerada, o Banco Central prontamente se mexe para cobrir o saldo e evitar uma quebradeira. Com o novo SPB, essa cobertura acabará. Transferências só acontecerão se houver saldo disponível ou depósitos de garantia. Todos passarão a operar dentro de um sistema mais seguro, diz Júlio de Siqueira Carvalho de Araujo, vice-presidente executivo do Bradesco.

Mas, para as empresas, o impacto será mesmo a velocidade na movimentação das contas. Isso exigirá mais planejamento e agilidade da tesouraria na gestão dos recursos. A compensação financeira será tão ágil que os clientes dos bancos poderão monitorar o movimento de suas contas correntes em tempo real. Os extratos estarão livres de pendências, diz Paulo Mallmann, diretor-geral da Câmara Interbancária de Pagamento do Banco Central.

Como isso afetará a rotina do diretor financeiro? Perguntamos a vários deles. Poucos sabiam (ou quiseram) responder com certeza. A sensação é de que os bancos, até então, estavam mais preocupados em colocar o SPB para funcionar. Somente agora eles foram procurar os clientes para tentar explicar e prepará-los para as mudanças. Mesmo assim, já é possível fazer algumas afirmações.

O PRIMEIRO BAQUE

As primeiras a sentir o impacto devem ser as empresas de varejo, que recebem grandes volumes de cheques de baixo valor, mas fazem pagamentos no atacado -- com cheques ou DOCs acima de 5 mil reais. Imagine supermercadistas, operadoras telefônicas ou empresas de energia e gás. Diariamente, essas empresas recebem milhares de cheques de valores que levam um ou dois dias para ser compensados. Ao mesmo tempo, os pagamentos que efetuam invariavelmente superam os 5 mil reais -- e portanto, com o novo SPB, sairão automaticamente de suas contas. O fluxo de caixa pode ficar desajustado, diz o gerente de uma grande rede varejista que administra 56 milhões de reais por mês.

Em outras palavras: quem não estiver, desde já, fazendo as contas sobre o impacto do SPB no fluxo de caixa pode acordar depois da mudança e encontrar um belo rombo. Teremos uma suposta perda de 3 milhões de dólares, disse o vice-presidente de finanças de uma grande operadora de telefonia fixa num seminário sobre o SPB. A empresa prevê um desajuste no caixa quando passar a pagar 99% dos fornecedores de forma eletrônica e continuar a receber em cheques o pagamento das contas de milhões de clientes.

Mas o novo SPB também traz vantagens para a administração dos recursos financeiros da empresa. O tesoureiro não será mais responsável apenas por acompanhar o nível dos recursos da empresa. Ele também poderá gerenciar as oportunidades de negócio trazidas pela compensação em tempo real. Será possível escolher o melhor momento para pagar determinada conta e receber outras, por exemplo. Além disso, existe a possibilidade de que os bancos criem empréstimos dentro de um único dia.

Diante da nova ordem financeira, Negócios EXAME perguntou a especialistas de bancos e empresas quais são as medidas fundamentais que se deve tomar para não ver os recursos escorrerem pelo ralo, ou melhor, pela rede:

  1. Invista numa boa infra-estrutura de comunicação com o banco. O tempo para apurar as informações e, com base nelas, tomar decisões vai ganhar ainda mais importância no novo SPB. (Não à toa, todo o sistema de comunicação dos bancos com o BC foi construído numa rede particular, e não na internet, para garantir a segurança e a velocidade no tráfego dos dados.)

  2. Analise os relatórios financeiros e conheça de perto o fluxo de caixa da sua empresa. É fundamental identificar com antecedência os riscos ligados a um descompasso entre o pagamento a fornecedores e o recebimento dos clientes. Se for necessário, renegocie contratos, aumente em um dia o prazo para o pagamento de fornecedores ou antecipe em um dia o recebimento de clientes.

  3. Agilize o fluxo de informações. Quanto mais cedo os dados financeiros (de filiais, parceiros e outros) estiverem nas mãos do executivo de contas, melhor. Só assim ele poderá agendar pagamentos ou negociar empréstimos com o banco em melhores condições. Nunca se esqueça que tempo é tudo.

  4. Estenda a nova disciplina financeira a toda a empresa. O SPB, no limite, permitirá que sua empresa ganhe um dia inteiro na gestão dos recursos e na tomada de decisão sobre seu uso. Tal ganho poderá se refletir na movimentação dos estoques, na logística e até mesmo nos ciclos de produção. Imagine uma empresa que tenha um ciclo produtivo de três dias, entre a fabricação da mercadoria e a entrega ao cliente. Com o SPB, recursos que antes tinham de esperar a compensação agora serão creditados imediatamente. Isso pode significar compras de insumos um dia antes, por exemplo.

  5. Aprenda a administrar o risco. Como os bancos, seu negócio terá de saber lidar com ele. As regras do novo SPB exigem que os bancos criem um fundo de reserva para garantir que seus saldos sigam positivos mesmo que haja um movimento inesperado. Na linguagem técnica, convencionou-se chamar esse sistema de segurança de piloto de reserva. É recomendável que empresas de grande porte também implantem pilotos de reserva, diz Ricardo Russo, diretor da e-Financial, empresa de tecnologia ligada ao Banco Santos. Na opinião dele, o piloto de reserva é necessário em dois tipos de empresa: as que têm poucos pagamentos de valores muito elevados e as que têm muitos recebimentos de valores baixos. Estas são mais sensíveis às oportunidades de controle de caixa, diz.

AJUDA MÚTUA

Ninguém tem dúvida de que o novo SPB exigirá mais disciplina na hora de fazer as contas. A tecnologia da informação permitirá que bancos e empresas se ajudem mutuamente no controle do risco, diz Paulo Roberto Dias Lopes, coordenador do SPB no Banco do Brasil. Todos não só passarão a conviver num ambiente mais seguro como se habituarão com o fato de que o saldo refletirá exatamente a quantidade de dinheiro em conta. Não haverá mais valores altos transitando entre um dia e outro na compensação.

À medida que o novo sistema se expandir e for totalmente incorporado à vida das empresas e das pessoas, a compensação financeira em tempo real se tornará trivial até para valores menores. A idéia é abandonar o cheque, diz Radjalma Costa, do Banco Central. Talvez não demore muito para que as pessoas troquem o velho jargão passei um cheque por um novo, enviei uma mensagem eletrônica de transferência de fundos. Parece apenas uma força de expressão? Definitivamente, não. Por trás do novo dialeto, uma montanha de cerca de 2,6 bilhões de cheques deixará de ser transportada todos os meses de um canto a outro do Brasil. Ou, se você preferir, 2,6 mil toneladas de papel se transformarão, como tudo na era digital, em bits.

Clicou, não leu...

Com o novo sistema, as transações financeiras serão irrevogáveis

O novo Sistema de Pagamentos Brasileiro representa a fase final de um longo processo de desaparecimento da moeda física, em curso desde o advento do cartão bancário. O maior desafio, contudo, não é diminuir a quantidade de dinheiro em papel que circula no mercado, mas sim construir uma infra-estrutura tecnológica que garanta que as novas formas de pagamento em tempo real ocorram sem nenhuma falha. A complexidade de um projeto de tecnologia que afetará todo o sistema financeiro nacional é o principal motivo que levou o Banco Central a prorrogar quatro vezes o lançamento do SPB. Adiamos porque ainda não conseguimos garantir total segurança ao sistema, diz Paulo Mallmann, diretor-geral da Câmara Interbancária de Pagamento do Banco Central.

Com prazo inicialmente marcado para novembro, o início das operações do SPB foi adiado para o final de abril do ano que vem, dado o despreparo de boa parte dos envolvidos. Além de exigir uma adaptação da infra-estrutura que interliga todas as instituições financeiras do país, o SPB irá transformar os diferentes tipos de transação em mensagens padronizadas, criptografadas e certificadas. Temos de garantir que todas as operações financeiras sejam legítimas, diz Mallmann. Além disso, o sistema não poderá, em hipótese alguma, ficar fora do ar. Dentro do novo ambiente em que o evento contábil e a liquidação financeira ocorrerão em tempo real, não haverá mais como fazer um estorno ou cancelar o envio de um DOC. As transações financeiras serão irrevogáveis. A grande dificuldade é absorver o impacto do SPB na nossa infra-estrutura de sistemas e garantir o nível de segurança e confiabilidade que ele exige, diz Pedro Paulo Cunha, diretor de tecnologia da informação do Deutsche Bank. Do lado do Banco Central não foi diferente. Percebemos que os testes não tinham sido concluídos, além da necessidade de comprar um servidor novo para dobrar nossa capacidade de processamento, diz Radjalma Costa, chefe da divisão de reserva bancária do Banco Central.

Apesar de ter sido concebido em junho de 1999, o SPB está em implantação pela maioria dos bancos há pouco mais de um ano. Desde então, eles peceberam que o sistema impõe uma mudança cultural na forma como operam hoje que exigirá uma gestão do caixa muito mais eficiente, com processos mais enxutos ao lado de riscos menores.

O que mudará no dia-a-dia da empresa

Como o novo SPB pode transformar a vida da área financeira

Imagine uma empresa que recebeu três cheques inferiores a 5 mil reais (1) e precisa pagar 8 mil reais a um fornecedor. Hoje, os créditos e débitos na conta da empresa são efetuados no mesmo prazo, e é possível passar um cheque sem que os recebimentos tenham caído na conta (2). Com o mesmo sistema, o saldo da empresa pode ficar negativo porque o débito de 8 mil reais sairá da conta em tempo real (3). Para evitar o problema, é preciso aumentar o prazo para o pagamento do fornecedor ou antecipar o recebimento dos clientes.

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