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Desastre de Mariana pode ter afetado animais marinhos raros

Lama tóxica vazada de barragem de rejeitos de minério de ferro pode ter causado desaparecimento de espécies como água-viva rara, apontam pesquisadores da USP


	Animais marinhos pouco conhecidos podem ter sido atingidos pela lama da Samarco: um desses organismos é a extremamente rara água-viva Kishinouyea corbini Larson
 (Reprodução/ Lucilia Miranda/ Agência Fapesp)

Animais marinhos pouco conhecidos podem ter sido atingidos pela lama da Samarco: um desses organismos é a extremamente rara água-viva Kishinouyea corbini Larson (Reprodução/ Lucilia Miranda/ Agência Fapesp)

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Da Redação

Publicado em 3 de maio de 2016 às 10h59.

Além de diversas espécies já conhecidas, o desastre ambiental de Mariana, em Minas Gerais, pode ter afetado uma enorme variedade de outros organismos marinhos ainda pouco estudados que ocorriam em regiões atingidas pela lama tóxica vazada da barragem de rejeitos de minério de ferro, que rompeu no início de novembro.

Um desses organismos é a extremamente rara água-viva Kishinouyea corbini Larson, cuja única população estabelecida e conhecida no Atlântico Sul Ocidental ocorria na Praia dos Padres, em Aracruz, no Espírito Santo, atingida pela pluma de lama.

“Essa espécie é emblemática da perda de informação sobre diversos animais da fauna marinha ainda pouco estudados, ou até mesmo totalmente desconhecidos, que um evento catastrófico como o desastre ambiental de Mariana pode ter causado”, disse Antonio Carlos Marques, professor do Instituto de Biociências (IB) e diretor do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da Universidade de São Paulo (USP), à Agência Fapesp.

Marques e Lucília Souza Miranda, pós-doutoranda no IB-USP com Bolsa da Fapesp, publicaram artigo na revista BIOTA Neotropica em que chamam a atenção para os impactos ocultos do desastre ambiental de Mariana sobre a fauna marinha brasileira, destacando o exemplo da K. corbini.

Essa água-viva muito peculiar vive com a boca para cima capturando alimento, enquanto a maioria das águas-vivas tem a boca para baixo.

Ela também não nada, vivendo presa ao assoalho marinho ou a algum outro organismo por meio de um pedúnculo. A K. corbini foi a primeira espécie da classe Staurozoa registrada no Brasil, exatamente na costa do Espírito Santo.

A classe Staurozoa, proposta por Marques há mais de 10 anos, é considerada muito importante na evolução do filo Cnidária – que inclui as medusas, anêmonas-do-mar, caravelas-do-mar, coraismoles e duros e hidras de água doce –e um dos primeiros grupos de animais marinhos a surgir nos oceanos.

Segundo Marques, um animal semelhante à K. corbini pode ter sido o primeiro tipo de medusa dos cnidários. “A classe Staurozoa é relativamente pequena, composta por cerca de 50 espécies com distribuição muito concentrada em águas polares e temperadas.”

“Há duas espécies dessa classe de animais marinhos que ocorrem em áreas tropicais do Atlântico Sul Ocidental, uma das quais é aK.corbini”, disse.

Há registros no Caribe dessa espécie de água-viva difícil de encontrar e que muitas vezes se camufla em algas marinhas, mais especificamente em Porto Rico e no México.

No Brasil, há um registro de K.corbini no arquipélago de Abrolhos, na Bahia, mas que nunca mais foi encontrado. E há suspeitas de que parte daquela área também pode ter sido igualmente impactada pelo desastre ambiental de Mariana.

A única população dessa espécie de água-viva conhecida no Atlântico Sul Ocidental estava situada no litoral do Espírito Santo.

“Por ser parte de um grupo que vive majoritariamente em águas frias, com raríssimas espécies em águas tropicais, a população dessa espécie de água-viva encontrada no litoral do Espírito Santo teria uma história evolutiva ímpar, relacionada a sua fisiologia, ecologia e interações com outros organismos em um ambiente tropical, diferente do ambiente ancestral onde se originou e se desenvolveu”, disse Marques.

“Todas essas particularidades dessa população de água-viva, que poderiam trazer informações importantes e únicas sobre a química, a morfologia e o contexto ecológico de todo o grupo e nos auxiliar a aumentar a compreensão sobre a vida em ambientes com diferenciação ecológica afetados pelas mudanças climáticas, podem ter sido perdidas”, estimou.

A identidade molecular desses animais encontrados no litoral do Espírito Santo foi recém-estudada por Miranda em sua pesquisa de doutorado, também realizada com Bolsa da Fapesp.

Mas ainda não havia informações sobre suas relações tróficas (entre presa e predadores).

Além disso, ainda não se sabia se as populações eram isoladas ou interdependentes, o que torna ainda mais difícil estimar os efeitos sobre os animais de um evento da magnitude do desastre ambiental de Mariana, apontam os pesquisadores.

“É como se diversas páginas cruciais para a compreensão de um livro tivessem sido arrancadas e seremos obrigados, a partir de agora, a lê-lo sem ter acesso a esses trechos essenciais”, comparou Marques.

Levantamento de danos

De acordo com Marques, que realizou um estudo em parceria com colegas da Argentina, apoiado pela Fapesp, e coordena um Projeto Temático sobre padrões e processos de diversificação de cnidários, ainda não é possível estimar os impactos do desastre ambiental de Mariana na população de água-viva K.corbini encontrada no litoral capixaba.

Isso porque ainda continuam ocorrendo derramamentos esporádicos de lama, que já percorreu 650 quilômetros ao longo da bacia do rio Doce – considerada uma das mais importantes bacias hidrográficas da América do Sul –, causando uma enorme mortalidade de sua biota, em sua maioria enterrada e sufocada pelos sedimentos, apontam os pesquisadores.

“É evidente que muitos animais, algas e plantas vão desaparecer em razão da formação de depósitos espessos de sedimentos porque não estavam preparados para lidar com catástrofes dessa magnitude.

O desastre ambiental de Mariana equivaleria a catástrofes como erupções de vulcões em pequenas ilhas, que dizimam uma extensa gama de habitantes das vizinhanças”, comparou Marques.

Segundo ele, ainda não é possível avaliar a real magnitude do desastre ambiental de Mariana porque o processo ainda não foi concluído.

Por isso, será necessário fazer um acompanhamento da região atingida por muitos anos e fazer buscas e comparações ao longo do tempo para compreender a resiliência e a recuperação não só de processos e do ambiente marinho, mas também do ambiente continental.

“A região do litoral do Espírito Santo atingida pela lama de Mariana apresentava uma grande diversidade de cnidários, com grandes populações de diferentes espécies”, disse o diretor do CEBIMar.

“O substrato marinho da região era tomado por algumas espécies chamadas de construtoras – como coraismoles, algas e coralíneas, como os rodolitos [algas calcárias] –, que acabam por criar ambientes peculiares para a existência de outras espécies”, explicou.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a lama já atingiu uma área total de quase 7 mil quilômetros quadrados do litoral capixaba e já pode ter chegado ao arquipélago de Abrolhos.

“Vínhamos acompanhando os cnidários naquela região e realizando estudos de genômica e transcriptômica do grupo para analisar como o DNA desses animais estava respondendo àquele ambiente em comparação com os animais de águas frias. Mas por ora todas essas possibilidades de estudo foram perdidas talvez permanentemente”, lamentou Marques.

Na avaliação dele, o desastre ambiental de Mariana não é um fato isolado, mas uma consequência de como a sociedade brasileira vem tratando o ambiente e a conservação marinha.

“O desastre ambiental de Mariana demonstra uma desconsideração com a sustentabilidade e a conservação de ambientes que serão vitais no futuro e é decorrente de uma política ambiental que precisa ser muito melhorada em todos os níveis”, afirmou.

O artigo “Hidden impacts of the Samarco mining waste dam collapse to Brazilian marine fauna – an example from the staurozoans (Cnidaria)” (doi: 10.1590/1676-0611-BN-2016-0169), de Marques e Miranda, pode ser lido na revista BIOTA Neotropica em www.biotaneotropica.org.br/v16n2/en/abstract?point-of-view+bn00216022016.

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