Tecnologia

Computação tornou carro mais complexo

Engenheiro da Ford no Brasil afirma que ao mesmo tempo que deixou os automóveis mais seguros e inteligentes, a tecnologia tornou o desenvolvimento uma "arte complexa"

Marcio Alfonso, diretor de engenharia da Ford: "É mais difícil construir carros com computadores". (Divulgação)

Marcio Alfonso, diretor de engenharia da Ford: "É mais difícil construir carros com computadores". (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 18 de agosto de 2013 às 11h34.

São Paulo – Há mais de 35 anos na Ford, o engenheiro automotivo Marcio Alfonso assinou, com outros profissionais, a criação de vários carros brasileiros, entre eles o Corcel II, de 1977, e o EcoSport, de 2003.

Recentemente, à frente da engenharia da filial brasileira da Ford, ele liderou o time que criou a terceira geração do EcoSport. O carro, feito com avançadas ferramentas tecnológicas, é vendido em vários países, como China, Índia e Indonésia, além do Brasil.

Em entrevista a INFO, Alfonso explica como é o processo de criar um carro mundial e como usar as ferramentas tecnológicas para adaptar um carro brasileiro às características técnicas, legislativas e culturais de outros países. E revela: a computação, ao mesmo tempo que deixa os automóveis mais seguros e inteligentes, tornou o desenvolvimento de veículos numa “arte complexa”.

Na sua opinião, os computadores facilitam o desenvolvimento de um carro? Trabalho há 36 anos na Ford. Um dos meus primeiros projetos foi a construção do Corcel II, lançado em meados da década de 1970. Este carro foi feito de modo analógico, ou seja, com desenho na prancheta. Ouso dizer que ele foi mais fácil de fazer do que o novo EcoSport. É simples explicar. Há 30 anos, existiam poucos recursos para fazer o refinamento aerodinâmico, de potência do motor, de estabilidade, de consumo, entre outras coisas. O carro era desenhado, modelado num protótipo e logo ia pra linha de montagem. Hoje, a gente usa prancheta, mas só para criar os primeiros esboços do automóvel e das peças. Depois, o trabalho é todo feito no computador, que oferece milhares de ferramentas para aperfeiçoar cada um dos 13 mil itens que formam um carro. Mas para cada mudança feita no computador, um teste é feito para ver se realmente a solução funcionou. Isso deixa a criação de carros mais trabalhosa e demorada. A evolução computacional tornou o ofício de criar carros mais complexo, contudo, trouxe mais segurança e vai transformar o futuro dos carros.

O que os computadores poderão fazer pelos carros? Graças aos computadores, as montadoras podem pesquisar e simular novas formas de propulsão, que substituem a gasolina. O carro híbrido, hoje, só é possível porque existem programas capazes de alternar o uso de gasolina e baterias e evitar o uso desnecessário da energia. E é com os computadores que nós, engenheiros, conseguimos simular novas tecnologias para reduzir o peso do carro e criar soluções que aumentarão a segurança dos passageiros. E é com o apoio dos software que vamos aposentar a função de motorista quando criarmos os carros autônomos, que devem chegar em poucos anos.

Por que a Ford resolveu desenvolver um carro mundial no Brasil? O primeiro EcoSport, lançado há pouco mais de 10 anos, foi desenhado por um time brasileiro de engenheiros. O carro, que inaugurou uma nova categoria na época, foi bem aceito pelo mercado e considerado, dentro da Ford, um exemplo de automóvel compacto. Ficamos reconhecidos como bons criadores de carros. Ao entrar nesse time, a subsidiária brasileira da Ford ganhou espaço para sugerir projetos de novos carros e, ainda, de participar ativamente do desenvolvimento de modelos que são vendidos em vários países.


Como pensar a engenharia e construir um carro mundial a partir do Brasil? A empresa tem um padrão de desenvolvimento que deve ser seguido por engenheiros de todas as fábricas do mundo. Com ele, a gente segue processos estabelecidos de design, qualidade e segurança. Uma parte desse processo, considerado o mais difícil, é a busca por inovação para colocar no carro. Para conseguir boas ideias, é preciso escutar muita gente e, numa segunda etapa, filtrar o que é possível colocar no carro. Para o novo modelo do EcoSport, por exemplo, os engenheiros brasileiros consultaram os demais engenheiros da empresa, que estão localizados em várias partes do mundo. Fizemos ainda uma ampla pesquisa com consumidores nos locais onde o carro é vendido (Brasil, China, Tailândia e Índia). Nessas entrevistas, por exemplo, chegamos à conclusão que as maiores demandas dos motoristas de toda a parte do mundo são por sistemas eletrônicos que reduzam o consumo de combustível, por assistência eletrônica de direção e comandos de voz para acionar recursos do smartphone e do carro.

Como a equipe no Brasil se comunicava com outras fábricas e como as decisões de engenharia do carro eram tomadas? Ao todo, cerca de 1,5 mil engenheiros e especialistas de desenvolvimento de carros participaram do projeto do novo EcoSport. Eles estavam espalhados por fábricas da Europa, Tailândia, China e Índia. A equipe brasileira tinha contato diariamente com esse pessoal por meio de uma rede dedicada, onde eram compartilhados os avanços no desenho e no desempenho do carro. Os técnicos viam essas simulações de design feitas nos PCs, como a aerodinâmica se comportava no túnel do vento e como o motor reagia nos testes técnicos. Com as informações, os engenheiros dos outros países avaliavam se o rumo do desenvolvimento atenderia as expectativas e regras de seus mercados.

Uma montadora leva quantos anos para desenvolver um carro que será vendido em vários países? Para deixar o novo EcoSport adequado aos mercados em que ele será vendido, a gente precisou de cinco anos de trabalho. O tempo foi necessário para deixar o carro de acordo com as regulamentações de trânsito, emissão de poluentes, entre outras coisas. E não basta respeitar essas regras. É preciso muito teste para adaptar o carro aos traços culturais. Na China, por exemplo, um motorista pode visitar parentes que estão há três mil metros de altitude – e o motor do carro precisa estar adaptado para essas regiões com ar rarefeito. Na Índia, o conforto deve ser no banco traseiro, onde o dono do carro costuma sentar. Se o time brasileiro só atendesse os desejos do motorista do país, o carro seria feito em tempo menor. O trabalho do engenheiro de carro, portanto, é também de refinamento.

Quais as dificuldades para produzir um carro mundial? A maior dificuldade, de forma geral, é organizar as pessoas em torno de uma ideia. Se cada um dos engenheiros quiser modificar o projeto a seu jeito, o carro demora muito para ficar pronto e, além do mais, o custo fica altíssimo. Para que todo mundo siga uma orientação, só com reunião e muita especificações técnicas. Senão, o pessoal do motor pensa numa coisa, enquanto a do design noutra.

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